Luísa Coutinho, a senhora do ferro

A opção por Engenharia Mecânica foi o começo de uma carreira com muita visibilidade mas que a pôs frente a frente com o preconceito de géneros. Hoje representa Portugal em organizações da área tecnológica da soldadura e, recentemente, ganhou mais um prémio internacional.

Luísa Coutinho entrou no Técnico aos 17 anos e nunca mais saiu

Apesar da difícil aceitação de uma mulher em lugares de topo, esta professora universitária tem singrado num meio tão dominado por homens. Nas reuniões internacionais que dirige na European Welding Federation (EWF, Federação Europeia de Soldadura) e no International Institute of Welding (IIW, Instituto Internacional da Soldadura), Luísa Coutinho tem mostrado que a questão do género não é para ali chamada. É doutorada em Soldadura, investigadora, professora de mestrado e doutoramento do departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico (IST) e consultora do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ). Acaba de ser nomeada professora catedrática.

Quando as mulheres são escolhidas é porque já fizeram um trabalho de base muito sólido e não restam dúvidas quanto às suas competências.

“Quando as mulheres são escolhidas é porque já fizeram um trabalho de base muito sólido e já não restam mesmo dúvidas quanto às suas competências”, começa por explicar esta professora e executiva que recentemente ganhou mais um prémio profissional, em Helsínquia, pelo seu trabalho no desenvolvimento do IIW, de que é diretora.

Internacionalmente, a certificação e a qualificação profissional na área da soldadura têm sido as suas grandes conquistas. Um trabalho que lhe tem dado muito orgulho e prazer mas que também lhe deu luta. É que Portugal, por intermédio do ISQ, candidatou-se à gestão deste sistema de certificação em 1992 (na altura eram 12 países) e ganhou contra a Alemanha e a Inglaterra. Mas nem sempre tem sido fácil fazer com que estes países (agora 47) continuem de acordo com o sistema de harmonização e certificação internacional.

Mas Luísa já conseguiu que este trabalho entrasse “em velocidade de cruzeiro” e tem agora outro grande desafio: o do reconhecimento do EWF, de que é diretora executiva, como a associação profissional por excelência no setor.

Um percurso de vitórias que lhe deu um trunfo poderoso: nunca perder a calma. “Especialmente nós, as mulheres”, recomenda. “Mas isto é tão difícil para os latinos!”.

O ensino, onde se estreou muito cedo, é outra das suas paixões. Luísa gosta de estar no meio de gente nova, é professora de mestrado e doutoramento do departamento de engenharia mecânica do IST, onde o feudo masculino aos poucos perde terreno.

Foi por causa de um castigo que descobriu o prazer de ‘construir coisas a partir de peças soltas’

Um castigo materno

Ao entrar com 17 anos em Engenharia Mecânica no IST, não percebeu logo o mar de oportunidades que a aguardava, até porque tudo indicava que uma mulher ali não teria muito a fazer. Mas esta professora doutorada em Tecnologia de Soldadura, em Inglaterra, tem jogado fortes cartadas no mundo masculinizado da metalomecânica, com prémios e reconhecimentos mundiais. E tudo começou com um castigo materno.

No 8º ano de escolaridade as notas finais baixaram e a mãe castigou-a pondo-a a trabalhar na empresa onde era diretora de controlo de qualidade. O feitiço virou-se contra o feiticeiro e em vez de detestar a experiência numa linha de montagem de máquinas de escrever, Luísa adorou “construir coisas a partir de peças soltas” e pediu para voltar no ano seguinte. Ficou-lhe o “gosto pelo ambiente das empresas” e decidiu que seria numa delas que trabalharia no futuro.

O sonho inicial era trabalhar numa empresa, mas quando começou a dar aulas nunca mais quis outra coisa.

Porém, contrariamente ao que tanto desejou – trabalhar numa indústria metalomecânica -, Luísa Coutinho acabou por ingressar na docência do IST onde, a convite de um professor, começou cedo a dar aulas e já não parou. Como ela própria diz: “Entrei no IST aos 17 anos e não voltei a sair”. E explica: “Tive um estupendo professor de soldadura que me perguntou se eu queria trabalhar com ele. A primeira reação foi dizer-lhe “nem pouco mais ou menos!  Eu quero ir para uma empresa! Só que eu formei-me em 1976 e nessa altura, de greves e movimentos sindicais, teria dificuldade em arranjar emprego, e aceitei o desafio do ensino pensando que sairia logo que conseguisse entrar na indústria. Até hoje”.

O que é, afinal, a soldadura, uma área tão masculina mas que tanto a apaixonou? “É uma técnica de ligação de materiais cada vez mais desenvolvida e com muitas potencialidades. Doutorei-me em 1985 nesta tecnologia e é isso que ensino no IST”, resume.

Na secretaria do Técnico perguntaram-lhe se tinha a certeza de que era mesmo em Engenharia Mecânica que se queria inscrever. Foi uma mulher no meio de 120 homens.

O espanto do professor Lancaster

A primeira experiência de apresentação de trabalhos em conferências internacionais ficou-lhe gravada na memória. Quando se apresentou ao chairman do grupo onde ia apresentar o seu trabalho de doutoramento sobre Física do Arco Elétrico, o professor Lancaster – um senhor já com uma certa idade, uma sumidade naquela área, cujos livros e artigos Luísa lia e consultava -, pensou que ele teria um colapso tal o espanto com que percebeu que era uma mulher que ia dissertar sobre aquele assunto. “Recuou, olhou para mim, e só dizia ‘You? You?’”.

Definitivamente, não era de uma mulher que o professor Lancaster estava à espera. Mas estas reações foram sendo uma constante e ela sempre soube lidar com elas. “Aprendi com os meus colegas de faculdade, pois era a única mulher em 120 homens”.

Trilhou um caminho diferente – as amigas do liceu não foram para as engenharias – e conseguiu  um currículo profissional surpreendente e invejável. Começou por se licenciar em Engenharia Mecânica onde as mulheres não pensavam sequer concorrer. Ao inscrever-se, na secretaria perguntaram-lhe: “Tem a certeza de que é para aqui que quer vir?”. Claro que é, respondeu.

Habituou-se a ver o trabalho da sua equipa (composta por mais duas engenheiras) contestado em reuniões internacionais.Hoje ainda se sente um pouco num feudo masculino.

“Mulheres não são para aqui chamadas”

Especializou-se em soldadura. “São coisas que acontecem na vida de uma pessoa”, comenta com humor. Luísa Coutinho não pode dizer que nunca se sentiu discriminada por ter seguido uma área tão masculina. Alguns professores perguntavam-lhe o que estava ela a fazer naquele curso, mas um ou outro até achava graça.

Porém, nem todos aceitam com facilidade a liderança de uma mulher, muito menos a nível internacional, onde a competição é grande. “Inicialmente foi francamente duro. O trabalho da minha equipa era muito contestado e lembro-me de um colega alemão dizer ‘mulheres não são para aqui chamadas’”.

Por vezes contava com a ajuda de duas engenheiras mecânicas portuguesas que a acompanhavam às reuniões internacionais, onde davam “lições de soldadura” aos colegas para lhes mostrar que estavam mais do que à altura.

E nos dias de hoje, ainda se sente num feudo masculino? “Um pouco, mas sinto-me muito bem. E cada vez mais outras mulheres escolhem esta área”. Uma área onde a capacidade de trabalho tem de ser grande e o apoio familiar também.

Para Luísa Coutinho não há nada que lhe dê mais alegria do que ter os filhos e os netos reunidos num almoço familiar, onde também marcam pontos alguns pratos por si confecionados com grande aprovação familiar. “Não há sucesso profissional que se compare ao de uma família”, remata. Mas também aqui teve de lutar para conseguir gerir bem o seu tempo.

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