Capítulo 1
Tudo o que luz é luxo

Dos primeiros adornos feitos com ossos e dentes de animais, às viagens interplanetárias, esta é uma viagem no tempo com vários capítulos. Sempre em grande estilo. Começamos... pelo principio

“Luxo é uma necessidade que começa, quando a necessidade finda”, afirmou a lendária estilista Coco Chanel. Apesar de ser supérfluo, o luxo é um fenómeno que atravessa toda a história da humanidade. Como escreveu Voltaire: “O supérfluo, coisa tão necessária.”

Como nota o filósofo e historiador Gilles Lipovetsky (em O Luxo Eterno – Da Idade do Sagrado até ao Tempo das Marcas, em co-autoria com Elyette Roux), “de Platão a Políbio, de Epicuro a Epicteto, de Santo Agostinho a Rousseau, de Lutero a Calvino, de Mandeville a Voltaire, de Veblen a Mauss, durante vinte e cinco séculos, o supérfluo, o parecer, a dissipação das riquezas não têm parado de suscitar o pensamento dos nossos mestres.”

 

O que é o luxo?

Em qualquer dicionário comum se pode encontrar o significado de luxo. Socorremo-nos do que nos é dado pelo Dicionário Michaelis on line, por nos parecer, de entre os consultados, o mais abrangente. Assim: “luxo significa 1. magnificência, ostentação, sumptuosidade; 2. Pompa. 3. Qualquer coisa dispendiosa ou difícil de obter, que agrada aos sentidos, sem ser uma necessidade; 4. Tudo o que apresenta mais riqueza de execução do que é necessário. Aquilo que apresenta especial conforto; 7. Capricho, extravagância, fantasia. 8. Viço, vigor; 9. Esplendor.”

As definições tradicionais de luxo envolvem as noções de gala, sumptuosidade, pompa, ostentação da riqueza, supérfluo, alto preço e raridade, normalmente associadas a materialismo e excesso de riqueza. A par das noções tangíveis do conceito há aspetos intangíveis que o integram, tais como: códigos, comportamentos, vaidade, estilo de vida, prazer, requinte, valores de sentido ético e estético, conforme nota João Braga.

 

Luxury tent camp

Tenda em resort ecológico. Hoje o consumidor exige que o luxo respeite o ambiente

O conceito contemporâneo de luxo

Mais modernamente o termo “luxo” é, muitas vezes, substituído pelos de “prestígio” e “alto nível”, com conotações mais favoráveis e de âmbito menos alargado, sendo aplicados a produtos mais inacessíveis, como nota Danielle Alléres.

Todos nós temos uma ideia formada do significado de luxo e de expressões relacionadas. “Eu posso dar-me ao luxo …”, “Luxo asiático”, “Mas que luxo!” ou “Viva o luxo e padeça o bucho”, esta de cariz mais crítico e popular.

Os sentidos do luxo contemporâneo incluem a sustentabilidade.

Sinteticamente podemos afirmar que, um artigo de luxo é caracterizado, essencialmente, pela sua raridade e preço elevado. Apesar de, como afirmou Coco Chanel, “O luxo não é o contrário de pobreza, mas de vulgaridade”. Ou, nas palavras de Gilles Lipovetsky, “Nem tudo o que é caro é luxo, mas todo o luxo é caro”.

Os sentidos do luxo contemporâneo apresentam outras nuances. Neles se inclui hoje um conceito de enorme importância política, social, económica e ambiental: o de sustentabilidade. O lucro a qualquer preço não é desejável e passa a não ser aceite. Busca-se um modelo que garanta o equilíbrio entre a preservação do ambiente e o desenvolvimento económico, não colocando em causa as necessidades das gerações vindouras, com a consciência de que os recursos não são inesgotáveis.

 

Os diamantes são o símbolo do luxo, pois o seu brilho é eterno

Os diamantes são o símbolo do luxo, pois o seu brilho é eterno

 

Os primórdios do supérfluo

Ostentação, excesso, desperdício, foram durante muito tempo as palavras associadas ao luxo, que foi, também, uma necessidade de representação. Um fenómeno evolutivo que se demonstrou inerente à natureza humana.

Refere Gilles Lipovesky que o luxo existe desde a Idade da Pedra Lascada ou Paleolítico (2,5 milhões – 10.000 AC, em que eram manufaturados e utilizados objetos de osso e de madeira, de pedra e de marfim em instrumentos de caça, ferramentas, colares e vestes. E Jean Castarède, historiador autor do Grand Livre du Luxe”, corrobora esta afirmação escrevendo que desde a pré-história os homens manifestaram apreço por objetos refinados, feitos com pedras, madeiras, ossos e dentes de animais, simbolizando status, poder e misticismo e que, por isso mesmo, iam muito para além da sua função utilitária e das necessidades de sobrevivência. Acrescenta o autor que o luxo surgiu na Suméria com o aparecimento do Homo Sapiens, quando surgem as associações intelectuais e afetivas que são características dos seres humanos, e teve a sua primeira manifestação num penteado.

O luxo apareceu na Suméria com o Homo Sapiens e teve a sua primeira manifestação num penteado.

Daqui resulta um conceito linear, segundo o qual pode ser considerado luxo tudo o que é consumido e excede as necessidades de sobrevivência do homem. No entanto, como já intuímos o conceito é bastante mais complexo porque engloba muitas variáveis. Daí a dificuldade de consenso entre os teorizadores.

Christopher Berry, professor de teoria política da Universidade de Glasgow defende, por seu lado, que o conceito de luxo surgiu do desejo e da capacidade do homem em aperfeiçoar tudo o que consome. É o corolário do refinamento das nossas necessidades sendo universal e independente de modelos económicos e modelos históricos.

Jean Castarède sublinha que, aliado à satisfação das necessidades indispensáveis à sobrevivência, alimentação e segurança, os povos primitivos tinham o sonho, algo essencial ao luxo e, bem assim, o desejo de se tornarem notados através de objectos e de plumagens.

Sendo, pois, o luxo, um fenómeno inerente ao homem, a par dele e, em razão dele, teve a sua evolução em função do lugar e do tempo. Jean Castarède afirma, ainda, que no começo da nossa era todos os produtos onde o luxo se manifesta estavam já inventados: perfumes, jóias, vestuário, acessórios, mobiliário No entanto, mercê do progresso tecnológico, o fenómeno alastra por novos terrenos até então inconcebíveis. A sua expressão encontra-se, hoje, não apenas em objetos, mas em serviços, ou marcas, representando um segmento do mercado que movimenta, à escala global, volumes de negócios estrondosos e atrai profissionais das mais variadas e inovadoras áreas do conhecimento. 

 

A história do luxo

As histórias do luxo começaram e acabaram, paradoxalmente, no século XIX, como anota Ellyette Roux, co-autora com Gilles Lipovetsky da notável obra O Luxo Eterno. Da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas”. São em número muito reduzido e, também segundo a autora, até as mais recentes abordagens são focadas mais no passado que no presente. Christopher Berry, professor de teoria política da Universidade de Glasgow que veio trazer um enorme contributo na ordenação dos consumos de luxo, não pretendeu escrever a sua História.

Desde então um longo e frutuoso caminho foi percorrido. Contudo, o tema é extenso, complexo, multifacetado, o que certamente, justifica a ausência de uma continuidade sistemática do estudo.

Naturalmente e, como é óbvio, que não nos propomos fazer uma História do Luxo. O título deste dossiê apenas pretende indicar a forma que o luxo assumiu na sua génese e aquela a que pode aceder nos nossos tempos.

O luxo é uma temática controversa, inesgotável. Um território que tem sido objeto de muitos estudos, designadamente, filosóficos, sociológicos, económicos, políticos e académicos. E de muitas polémicas. O luxo é bom ou é mau? Ou é bom e mau, simultaneamente?

Voltaire e Rousseau peroraram sobre o assunto, ambos com elementos válidos na defesa ou na diabolização do luxo.

Não vamos entrar nelas. Voltaire e Rousseau, a título de exemplo, já peroraram muito sobre o assunto, ambos com elementos, igualmente, válidos na defesa ou na diabolização do luxo. A uma conclusão podemos, cremos que todos, chegar: o mundo seria hoje bastante mais triste e desinteressante se não tivesse os magníficos palácios que reis perdulários mandaram construir, nem sempre com objectivos confessáveis. Adivinho que, legitimamente, alguém irá contrapor: pois, e quanta fome passou o povo em razão disso? É assim que começam as polémicas…

Abordar, em traços necessariamente largos, este assunto complexo e de uma tão grande vastidão, é temerário. Mas tão aliciante que, não obstante, nos propusemos fazê-lo com a esperança de que as leitoras retirem algum proveito e/ou dele se apaixonem, como nós.

A origem da palavra “luxo”

Etimologicamente, as palavras “luxo” e “luz”, provêm da mesma raiz latina – “lux”- que nos reconduzem ao imaginário de conceitos como “brilho”, “esplendor”, “fausto”, “calor”, “distinção percetível”. Esta é a visão perfilhada, por exemplo, por João Braga, historiador de moda, professor e autor de livros sobre este tema, como História da Moda. Uma Narrativa e Reflexões sobre Moda volumes I, II, III e IV.

Mas embora muito citada e disseminada, esta tese é contestada por autores como Elyette Roux (em O Luxo Eterno – Da Idade do Sagrado até ao Tempo das Marcas, em co-autoria com Gilles Lipovetsky). Citando o dicionário etimológico francês de J. Picoche, esta professora que é a autoridade mais reputada em França sobre o tema do luxo, escreve que “luxo deriva do latim luxus, que significava ‘empurrar mal’, ‘empurrar com excesso’, para se tornar ‘excesso em geral’, ‘excesso’ e, finalmente, significar luxo a partir do século XVII.” Segundo esta autora, a luxúria é um termo também derivado de luxus, significando “exuberância, profusão, luxo”. Para Jean Castarède, autor de Le Luxe, da coleção Que sais Je?, luxo vem do latim lux (luz) e luxuria (excesso) ou luxus (desvio). Como se vê, o tema é polémico, mas todas as teorias confluem para o conceito do luxo como algo excecional.

Outros capítulos de “A deslumbrante história do luxo”

Capítulo 2. Paleolítico: o luxo espiritual
Capítulo 3. Antiguidade: o luxo torna-se ostentação
Capítulo 4. Idade Média: Esbanjar para impressionar 

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