As tecnologias estão em expansão, a procura de talento é constante e esta é uma das áreas que melhor remunera, mas onde as mulheres continuam em minoria. Dados da UNESCO referem que apenas 8% das mulheres estudam engenharia e 3% tecnologias de informação. Ana Cláudia Santos, diretora de produto na Farfetch, Teresa Guedes de Oliveira, head of digital na Sonae, e Ana Santos, chief project officer na Fabamaq, são uma exceção que confirma a regra. São percursos diferentes que conseguiram atingir lugares de gestão nas tecnologias, como narraram na mesa redonda, “As Mulheres na Tecnologia”.
Ana Cláudia Santos é engenheira informática pela Faculdade de Engenharia do Porto e começou por referir que tal, como o tema das quotas, também as mulheres na tecnologia deveria deixar de ser tema, mas por enquanto não é possível, porque os números falam por si. A tecnologia apareceu-lhe aos 15 anos quando teve o seu primeiro computador e começou “a ver a potencialidade da máquina, o que conseguia fazer e como é que poderia criar coisas novas, que talvez facilitassem a vida das outras pessoas”, diz Ana Cláudia Santos.
Recorda que não tinha exemplos de mulheres que se interessassem por tecnologia, mas talvez tenha sido a família o principal apoio e ninguém travou a sua vocação. Entrou para a Faculdade de Engenharia e era um das dez mulheres entre os 90 novos alunos do primeiro ano de Engenharia Informática.
Findo o curso, em 2005, fez um estágio na Sonae e, “como sou uma pessoa de longas relações, estive dez anos nessa grande escola, onde passei por várias áreas dos sistemas de informação. Já havia mulheres nas tecnologias da Sonae e até na liderança. Foram ótimos exemplos que se calhar fizeram com que não tivesse dúvidas, nem me interrogasse sobre a minha escolha”, considera Ana Cláudia Santos.
O desafio da Farfetch em Outubro de 2014 permitiu-lhe explorar mais o lado do e-commerce e a globalidade. Entrou numa altura em que a empresa estava em grande crescimento e, provavelmente, assumiu mais o papel de “role model” para as mulheres que estavam a ser recrutadas. Atualmente, lidera uma equipa de produto com 30 pessoas, 50% das quais mulheres e na equipa de liderança são mais mulheres. “Aconteceu naturalmente e não porque se estivesse a cumprir as quotas”.
Vocação e acidente
Ana Santos licenciou-se em Engenharia Informática pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto, em 2008, passou pela Sistrade, deu formação na área das tecnologias e entrou para a Fabamaq no seu primeiro dia de atividade desta empresa às 8:30 de 17 de fevereiro de 2010.
A Fabamaq que hoje tem 200 pessoas é uma empresa de software para jogos de casino e que desenvolve desde o design, o som, o grafismo ou as animações à matemática, ao motor de jogo, entre outros ,e que exporta para Espanha, Irlanda, Filipinas, México, Uruguai ou Paraguai a partir dos escritórios no Campo Alegre.
A paixão das tecnologias consumou-se quando a irmã mais velha foi para a faculdade e Ana Santos ficou com o seu computador e a Sega Saturn. Isto foi uma grande motivação e com a ajuda de um familiar que a influenciou para a Engenharia Informática, em 2004 era uma do contingente de 20% de mulheres que entrou para informática no ISEP.
Entrar para a Fabamaq na sua fundação foi “a sorte e a oportunidade” de ascender mais rapidamente ao topo da gestão. No percurso houve um momento chave quando tinham uma feira em Macau mas o produto não estava ainda numa “fase espetacular”, e por isso ninguém queria ir. “Fui eu, acabou por correr bem, agora todos vão às feiras menos a Ana”, relembra Ana Santos.
“Sou uma outliner porque estou na faixa dos 93% que não estudaram tecnologias”, diz Teresa Guedes de Oliveira, que fez Gestão na Faculdade de Economia do Porto. Acrescenta que “ao longo dos anos tive tempo para me redimir e tirar partido das tecnologias”. Foi um acidente que se tornou numa paixão. Depois da faculdade trabalhou numa empresa da indústria química, a Probos, para fazer um trabalho de marketing, entre julho de 1999 e Março de 2001, altura em que ingressou na Sonae.
Começou numa área de negócio que foi extinta ao fim de um ano. Teresa Guedes de Oliveira tinha duas hipóteses, ou ia para área de controlo de gestão ou para um projeto de grande transformação organizacional que implementava uma nova ferramenta em toda a organização. “Nessa altura o IT do retalho era um só, servia todas as empresas e portanto juntava pessoas de tecnologia, com pessoas de outras áreas de negócio e optei por esta área. Foi aqui que me apaixonei pela tecnologia e tive oportunidade de perceber o poder transformador da inovação através da tecnologia”, refere. Mais tarde fez uma pós-graduação em sistemas na Universidade do Minho.
Experiências de integração
Ana Cláudia Santos partilhou alguma da sua vivência como minoria num espaço em que era uma em dez, e com toda a carga de preconceito e ambiente misógino que caracterizava o universo das tecnologias. Focou-se no que chamou de “preconceito contra nós próprias nesta área, e, nessa altura, questionava-se se estaria bem nas tecnologias, um mundo tão masculino. Logo nos primeiros tempos, eu e outras raparigas tentamos ocupar um lugar e criar confiança”.
Recorda que no fim do dia os alunos de informática iam para uma sala jogar jogos de computador. “Gosto de informática, mas jogos não são a minha praia. Forcei-me a jogar e sentia que tinha de pertencer ao grupo, mas rapidamente compreendi que não era o caminho porque não me ia forçar a ser uma coisa que não sou”, rememorou. Isto ficou como uma das mensagens que Ana Cláudia Santos tenta passar: “tens de ser tu própria, mesmo que nesta área em que te olhas e não te vês refletida nas outras pessoas. Não te obrigues a ser quem tu não és”.
“É muito importante não queremos parecer o outro”, concorda Ana Santos, que passou por essa experiência de integração. Quando começou a trabalhar eram sete pessoas, em que era a única mulher, e chamavam-lhe Tó. No início, fez-lhe confusão, mas concluiu que era uma forma de se integrar e de pertença e até lhe fizeram um cartaz do Toy Story. “Achei carinhoso, até que começou a entrar mais gente e o Tó deixou de ter graça porque sou a Ana, tenha a minha marca, a minha presença, e fui desconstruindo o Tó”.
Ausência de role models
Há espaços que não são naturais de mulheres e com algum preconceito com funções de mulheres ou de homens. Teresa Guedes de Oliveira falou na questão da educação e sobre o papel de mãe de meninas, da sua “princepização” e da valorização do lado estético e menos o intelectual, até nos estímulos. “Tendemos a condicionar os estímulos que damos aos nossos filhos e talvez isso explique que haja tão poucas mulheres nas tecnologias. Além destes aspetos educacionais, há nesta área poucos role models e poucas referências de mulheres a quem aspiramos ser quando jovens. São tudo fatores que condicionam a forma como as meninas se veem e como encaram estas áreas, o que faz com que se perpetue como minoria”.
Ana Cláudia Santos referiu a importância de se trabalhar para equidade e salientou o programa da Farfetch ‘Plug-In Mentoring for Girls’ que lhe permite fazer mentoria com jovens que estejam a ingressar ou já tenham ingressado em cursos de tecnologia, engenharia e matemática, para lhes dar “confiança, mentoria, de influência”.
É pela importância e impacto, possibilidades de inovação e mudança, que as mulheres têm de estar presentes no mundo da tecnologia. Esta precisa da “praticidade das mulheres, a sua confiança para resolver problemas, e a importância da parte humana, porque já imaginaram dois informáticos ao fim do dia a falar de emoções como acontece com duas informáticas?”, pergunta Ana Cláudia Santos.
O tecnologia é o futuro
“A tecnologia é o futuro e a constante mudança, e todos os dias sinto que sou desafiada pela inovação e é futuro de muitas empresas mesmo que a base não seja a tecnologia, mas passará por aí”, defende Ana Santos. Refere ainda a questão da colaboração entre empresas que existe na área tecnológica e que gera “muito conhecimento e ideias partilhados, permite a melhoria contínua e a resolução de problemas”. Para Ana Santos, a colaboração e o estar em comum como os homens estão quando jogam futebol deveriam ser aspetos a aprimorar pelas mulheres.
“A tecnologia para mim é a novidade. Aterrorizava-me a ideia de pensar em ciclos, uma carreira ou o dia-a-dia em ciclos, trabalhar sempre no mesmo objeto e a tecnologia é novidade e por isso precisamos de aprender e de saber e de levar aos clientes estas novas formas de atenção”, disse Ana Cláudia Santos.
É pela importância e impacto, possibilidades de inovação e mudança, que as mulheres têm de estar presentes no mundo da tecnologia. Além disso, como sublinhou Teresa Guedes de Oliveira, no futuro “vai deixar de fazer sentido falar de empresas tecnológicas”.
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