Mulheres nos boards das empresas: quais os maiores desafios

Que medidas estão a ser adoptadas para trazer mais mulheres para os conselhos de administração das empresas? Que preparação é necessária? Soledade Carvalho Duarte, Isabel Barros, Paula Casa Nova e Vítor Bento, responderam a estas e outras perguntas na 6.ª Grande Conferência Liderança Feminina.

Vitor Bento, da APB, Paula Casa Nova, da Europ Assistance, Isabel Barros, da Sonae, e Soledade Carvalho Duarte, da Transearch, no painel Women on Boards.

O segundo painel de debate da manhã voltou ao tema das mulheres nos conselhos de administração das empesas, juntando Isabel Barros, administradora executiva da Sonae MC, Soledade Carvalho Duarte, managing director da Invesco Transearch, Paula Casa Nova, CEO da Europ Assistance, e Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos. “O  desejável seria chegarmos a um ponto em que a distinção entre homens e mulheres não tivesse que ser feita”, começou por dizer Vítor Bento, que admite ter-se convencido da necessidade de se estabelecerem quotas de género nas empresas justamente por ter dado conta da disparidade grande entre os números de homens e mulheres nos conselhos de administração.

O papel dos programas de mentores nas empresas que possam servir de alavanca à promoção de mulheres nos conselhos de gestão empresariais foi também salientado pelo presidente da Associação Portuguesa de Bancos, que partilhou que um do seus grandes mentores profissionais foi justamente uma mulher. 

“Todos temos enviesamentos, apesar de acharmos que não, contra os quais é preciso lutar. Todas as nossas lideranças tiveram formação nesta questão do enviesamento de género inconsciente e em todos os boards da Sonae se discute o gap de género nas promoções, mas também na análise salarial”, Isabel Barros, administradora executiva da Sonae MC.

Isabel Barros partilhou as medidas concretas que a Sonae MC tomou para promover lideranças mais paritárias. “Pegámos nos dados e pedimos para medir o que se passava na nossa empresa. Percebemos que tínhamos um gap e que estávamos a perder mulheres nas promoções ao longo do pipeline. Assumimos então metas de representatividade femininas e pedimos aos negócios o esforço de se auto-analisarem e de apurarem que tipo de apoios e medidas necessitaríamos. Percebemos a importância do mentoring e dos modelos inspiradores. E entendemos que todos temos enviesamentos, apesar de acharmos que não, e contra os quais é preciso lutar. Todas as nossas lideranças tiveram formação nesta questão do enviesamento de género inconsciente e em todos os boards da Sonae se discute o gap de género nas promoções mas também na análise salarial.”

“O CEO tem uma visão de helicóptero [sobre a empresa]. É uma posição muito isolada, porque é a única que não tem par dentro da organização”, Paula Casa Nova, CEO da Europ Assistance.

Paula Casanova, que está à frente da Europ Assistence, falou dos desafios e das competências necessárias ao cargo que ocupa. “O CEO tem uma visão de helicóptero. É uma posição muito isolada, porque é a única que não tem par dentro da organização, ao contrário de outras direções. As competências mais importantes passam pela liderança de pessoas, trabalho de equipa, ser uma pessoa empática e dar-se bem com as casas-mãe — sempre trabalhei em multinacionais e sei que isso é necessário.”

“Quem quer posicionar-se para assumir um lugar de C level tem de ter o backoffice bem arrumado: precisa de muita força anímica, de estar psicologicamente bem e equilibrado, não pode ter grandes batalhas pessoais a acontecer…”, Soledade Carvalho Duarte, managing director da Invesco Transearch.

Com três décadas de trabalho na seleção de executivos de topo, Soledade Carvalho Duarte partilhou as suas visões de como chegar ao conselho de administração de uma empresa. “O facto de as pessoas entregarem resultados e de serem bons profissionais é o primeiro patamar. Mas quem quer posicionar-se para assumir um lugar de C level tem de ter o backoffice bem arrumado: precisa de muita força anímica, de estar psicologicamente bem e equilibrado, não pode ter grandes batalhas pessoais a acontecer, porque os desfocam e lhes retiram energia. Tem de arranjar espaço e tempo para limpar a cabeça e equilibrar bem a vida pessoal e profissional. A motivação tem de ser grande também. Ou seja: será que a mulher quer mesmo ir para um board, isso tem a ver com o seu propósito ou missão de deixar um legado próprio, ou está a viver apenas o sonho de alguém que quer vê-la chegar lá? É preciso também estar muito bem preparada para passar de um nível de gestão próxima, onde se metem as mãos na massa, a um nível mais geral de governo e administração. Reparo que, em geral, quando chegam aos boards, as mulheres têm muita dificuldade em largar a micro-gestão. É preciso fazerem-se leituras e formação numa escola de negócios, num curso de pequena ou média duração, se possível de dois em dois anos. É importante perceber como se chega a um conselho de administração, mas também é necessário saber como manter-se lá.” 

A diferença entre os administradores executivos e não executivos foi também abordada pelo painel. “O administrador executivo faz as coisas acontecer”, explicou Vítor Bento. “Tem uma posição muito solitária, por vezes, de fazer executar as medidas. O administrador não executivo tem uma missão mais reflexiva, de vigilância e de pensar estrategicamente. Nos boards, as maiores contribuições vêm no sentido de saber fazer a pergunta certa no momento certo.”

O administrador não executivo não precisa necessariamente de ter um conhecimento profundo ou experiência vasta no negócio, lembrou Isabel Barros. “Isso permite-lhe ter uma perspectiva mais desafiadora e distante do negócio. Outra questão é a de trazer uma visão de futuro, desafiando os executivos no seu olhar, muito mais focado no presente. Foi para mim difícil perceber por que me convidaram para ser administradora não executiva na Sonae num negócio de indústria, do qual não percebia muito. Procurei essa resposta num grande mentor da Sonae e a resposta foi de que iria descobrir que tinha muito mais a dar do que pensava.”

“Ainda existe muito o problema do old boys network, e não é um problema exclusivo das mulheres. Há muitos homens que também o têm por não fazerem parte desse meio tradicional”, Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos.

Isabel Barros lembra ainda que para as mulheres é mais difícil ter essa disponibilidade, não terem grandes batalhas pessoais para assumir estes cargos, muito devido à dupla jornada que as mulheres de todos os escalões de carreira têm. “O meu role model foi a minha mãe, que sempre me incitou os valores do trabalho e da independência.”

Vítor Bento acrescentou ainda que em Portugal temos um grande problema na área da governança nos conselhos de administração. “Ainda existe muito o problema do old boys network, e não é um problema exclusivo das mulheres. Há muitos homens que também o têm por não fazerem parte desse meio tradicional. Mas essa diferença não deve travar a sua auto-confiança e devem ter cuidados para não ser rejeitados.” 

Paula Casa Nova lembrou que as questões da diversidade nos boards vão além das questões de género: passam também por diversidade étnica e não só. “Há pessoas com muito mais dificuldade de acesso do que as mulheres.” Num board e na vida empresarial, diz, “é importante as mulheres defenderem mais as outras mulheres, porque temos muito mais conflitos entre nós. É uma questão mais de características pessoais como a persistência, auto-confiança e motivação.”

Soledade Carvalho Duarte lembrou ainda a necessidade da diversidade etária num board, que traz diferentes tipos de análise e pontos de vista.” Para Vítor Bento esperar conselhos de administração como aqueles que existiam há alguns anos, em termos de composição etária e num país a envelhecer, vai contra o curso natural das coisas. “As próprias empresas têm de passar a ter respostas para o envelhecimento da população, o que pode passar por gerir carreiras que não tenham necessariamente apenas uma trajectória ascendente. Na questão da diversidade etária, acredito que ela é importante mas julgo que deve ser dada importância à experiência, o que significa que os chairmen devem estar para além da meia idade. Nomeadamente em situações de crise, a experiência é determinante e é mais importante que a inteligência.”

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