O que mudou quando mudei: Clara Gonçalves Pereira

Depois de uma carreira intensa na indústria farmacêutica, a executiva trabalhou durante dez anos em consultoria e formação. No início do ano passado, regressou à área da saúde integrando o projeto AHED — Advanced Health Education. O seu testemunho sobre como é mudar de área em plena pandemia.

Clara Gonçalves Pereira é business developer na AHED — Advanced Health Education.

Depois de desistir do curso de Direito, Clara Gonçalves Pereira começou a trabalhar, em 1987, como delegada de informação médica na Helsinn Produtos Farm., numa época de grande dinamismo da indústria farmacêutica, tendo integrado o departamento de marketing, um ano depois, como gestora de produto. Mais tarde, já na Sandoz, viveu a fusão que deu origem à Novartis onde permaneceu até 2001, ano em que aceita um convite da Aventis para um novo projeto. Em 2004, ano em que se licenciou em Ciências da Comunicação e da Cultura, passou a liderar uma Unidade de Negócio Hospitalar no Abbott onde, mais tarde, seria também responsável pela Unidade de Negócio da área vascular.

Em 2010, Clara Gonçalves Pereira juntou-se ao marido num projeto de consultoria e formação, a Visão Maior Consultores, onde permaneceu até Março de 2020, quando exatamente no início da pandemia, ingressou na equipa da AHED – Advanced Health Education by NOVA Medical School, como business developer.

O que a atraiu neste novo projeto?

As atividades em equipa sempre me deram maior satisfação e felicidade do que as individuais — característica que se foi afirmando durante a minha carreira profissional, designadamente na indústria farmacêutica, o setor onde trabalhei durante mais tempo. Não me recordo de um único projeto em que o trabalho em equipa não tenha tido um papel crucial na sua concretização e sucesso.

Nos últimos anos, trabalhei como consultora e formadora. Apesar de realizada — porque assisti, muitas vezes, aos efeitos práticos da minha intervenção — é um facto que a componente do trabalho em equipa é menor, e eu sempre senti falta desse elemento, dessa energia coletiva, dessa espécie de adrenalina que nos impele a agir e a concretizar um objetivo comum. Voltar para casa e saber que muito provavelmente não voltaria a estar com as pessoas com quem trabalhara nesse dia passou a ser a rotina a que me fui habituando, mas que não correspondia à minha natureza.

É verdade que fui contactada algumas vezes para outros projetos, mas nunca me senti especialmente entusiasmada com nenhum deles. Foi uma grande amiga e ex-colega da indústria farmacêutica que me convenceu de que eu teria o perfil para o lugar em aberto de business developer na AHED — Advanced Health Education, e insistiu para que concorresse. Foi irrecusável voltar a trabalhar na área da saúde, da qual nunca me afastei, principalmente por se tratar de uma escola de estudos pós-graduados, e de uma organização fundada em valores com que me identifico e com uma missão que contribui decisivamente para o aumento do conhecimento e competências profissionais, que se traduzem em melhores cuidados de saúde à população.

Outro fator que contribuiu para a minha vontade de integrar a AHED foi a “química” que se estabeleceu desde o início do processo de recrutamento com a equipa com quem atualmente trabalho. O meu entusiasmo foi imediato. A AHED congrega tudo o que me faz vibrar: um projeto internacional, novo e desafiante, uma equipa (ainda) pequena de mulheres diversas, profissionais e solidárias, determinadas na construção da escola que será a referência na educação pós-graduada em saúde.

Tinha consciência da adaptação necessária a novas rotinas e às novas exigências de uma função que, em rigor, nunca havia desempenhado.

O que equacionou antes de aceitar o projeto e que expectativas trazia?

Em primeiro lugar, fiquei muito surpreendida e indisfarçavelmente feliz quando soube que tinha sido escolhida para esta função de enorme responsabilidade. A esses sentimentos rapidamente se juntaram os naturais receios de quem já não trabalhava numa organização há algum tempo.

Por um lado, as minhas expectativas eram voltar a sentir a felicidade de trabalhar em equipa e de poder colocar as minhas competências, as minhas ações e escolhas ao serviço do projeto. Por outro lado, tinha consciência da adaptação necessária a novas rotinas e às novas exigências de uma função que, em rigor, nunca havia desempenhado. Não senti, propriamente, receios — a maturidade neste ponto ajuda, e muito — foi antes uma significativa ansiedade e um nível de concentração na tarefa, que me levam ainda hoje a estar muito atenta e crítica às opções e caminhos que escolho no dia a dia, pela consciência do impacto que podem ter no resultado final.

Em que medida a sua experiência anterior lhe tem sido útil nesta nova fase?

Enquanto consultora, o contacto com outros setores da atividade económica revelou-me quão importante é ter a mente aberta a diferentes formas de pensar e atuar nos negócios. Trazer essa aprendizagem para a nova atividade é enriquecedor e pode ajudar a resolver muitos problemas.

A experiência no marketing e vendas na indústria farmacêutica, longa e multifacetada, associada à consultoria e formação, têm sido fundamentais nesta nova fase da minha vida profissional. Tem sido muito prazeroso, e por vezes até emocionante, reencontrar e retomar muitos contactos — antigos colegas e clientes — e ter a certeza de que na vida, pessoal e profissional, “colhemos o que plantamos”.

A rede de contactos que mantive tem facilitado muito o trabalho que desenvolvo e só posso estar grata a todos. Por outro lado, conheço bem o ecossistema da saúde, sei como pensam e o que pretendem os seus diversos stakeholders, o que facilita a comunicação e a procura de interesses comuns.

Aprendi que ter consciência da dificuldade em voltar ao mercado quando se é ex-quadro de uma multinacional e mulher com mais de 50 anos não nos deve impedir de procurar ativamente os projetos que desejam encontrar no mercado profissionais que acrescentem valor com a sua maturidade e conhecimento.

Quais os principais desafios de começar um novo projeto profissional em plena pandemia?

O meu primeiro dia de trabalho, 2 de Março de 2020, coincidiu com o anúncio do primeiro caso de Covid-19 em Portugal. Por isso, esse dia foi vivido com muitas emoções, com o entusiasmo de quem chega e quer integrar-se na nova equipa, mas também com a ansiedade que a incerteza sobre o que “aí vinha” provocou a todos.

Pouco dias depois, o país fechou-se em casa e nós não fomos excepção. A escola de estudos pós-graduados em saúde, AHED — Advanced Health Education, que resulta da visão e reunião de esforços de cinco entidades, a NOVA Medical School, a Associação Nacional das Farmácias, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Grupo Mello Saúde e a Câmara Municipal de Cascais, estava a menos de um mês de iniciar as atividades letivas e cumprir a oferta formativa para 2020. Apesar de todas as vicissitudes e limitações impostas pela pandemia, não parámos e executámos cerca de metade dos cursos em modo presencial, abrangendo mais de 300 profissionais de saúde, que assim tiveram oportunidade de treinar e melhorar competências nas suas áreas de especialização.

Ganhar notoriedade em tempos de pandemia constituiu um grande desafio, mas fazê-lo, construindo simultaneamente uma boa reputação, só foi possível porque a atitude da equipa foi de imediata adaptação, cooperação e sentido de responsabilidade. Não tenho dúvida de que a cultura da empresa acabou por ser definida por estes tempos difíceis, mas, ao mesmo tempo, gratificantes.

Quais as aprendizagens mais importantes feitas neste último ano?

Foram muitas as aprendizagens num ano cheio de emoções e sentimentos. As nossas vidas pessoais e profissionais têm sofrido profundos abalos e alterações, obrigando-nos a reajustes e adaptações constantes e a uma resistência psicológica difícil de manter, mas essencial para que o medo não nos paralise. Provou-se que é possível produzir trabalho de qualidade a partir de casa, reorganizando tarefas e rotinas.

Porém, a maior e mais valiosa aprendizagem tem a ver com algo muito pessoal, que se relaciona com a minha condição de mulher. Os estudos demonstram que as mulheres têm maior dificuldade em recuperar uma atividade profissional anteriormente exercida e que, à medida que a idade avança, vemo-las cada vez menos envolvidas, relativamente aos homens, no mercado de trabalho. Talvez por isso fui-me convencendo de que ser ex-quadro de uma multinacional e mulher com mais de 50 anos seriam fatores que, em vez de constituírem uma vantagem, dificultariam a tentativa de mudança na carreira profissional. Aprendi que ter consciência desta realidade não nos deve impedir de procurar ativamente os projetos que desejam encontrar no mercado profissionais que acrescentem valor com a sua maturidade e conhecimento, frutos da experiência.

Numa conversa que não esqueço, a minha amiga, também ela com mais de 50 anos e quadro numa multinacional, destruiu a crença que cerceou, durante demasiado tempo, a motivação necessária para arriscar e procurar outros caminhos para a minha carreira. Não defendo que, para se atingir um objetivo, baste querer.  Tenho, aliás, profunda aversão a tal ideia, mas a minha amiga foi capaz de me convencer de que existem oportunidades que só não conquistamos se não as abraçarmos e as tornarmos nossas.

 

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