Mafalda Paiva, ilustradora científica

A partir da sua casa em Palmela, Mafalda Paiva desenha animais e plantas que correm mundo. Podem ser vistos em museus, exposições, manuais escolares ou científicos e até em hotéis. O seu traço minucioso consegue bater qualquer câmara fotográfica por melhor que seja.

Mafalda Paiva é ilustradora científica.

A ilustração não foi a primeira opção profissional de Mafalda Paiva, ainda que o desenho esteja presente na sua vida desde sempre. Começou por se formar em Design de mobiliário urbano e espaços públicos, e só mais tarde, “por diversão” começou a fazer cursos de ilustração, até que percebeu que era aquele o caminho. Desde 2010 já terá perdido a conta às ilustrações que fez, mas sabe precisar quais as que a internacionalizaram e que lhe permitem hoje trabalhar para qualquer parte do mundo. Conheça melhor a sua profissão e perceba como é possível que numa época em que qualquer telemóvel tem uma boa câmara fotográfica, a ilustração científica consiga ir ainda mais longe do que uma boa fotografia

Como nasceu a sua paixão pela ilustração?

Desde muito pequena que gosto de desenhar. E desenhava tudo mas, já nessa altura eu gostava muito de reproduzir as ilustrações das colecções de selos do meu pai. Julgo que o gosto pela ilustração, pelo detalhe, vem desse tempo.

Quando decidiu que essa seria a sua profissão?

Foi algo natural, foi acontecendo. Mas se tiver de apontar um momento específico, talvez seja quando decidi fazer um curso de ilustração científica no IAO com o professor Pedro Salgado. Nesse momento percebi que a ilustração científica era a resposta para algumas das minhas dúvidas sobre qual o caminho a seguir na ilustração.

Que formação foi necessário fazer?

Eu sou da área de Artes. Comecei na Escola Secundária António Arroio e depois segui Design de mobiliário urbano e espaços públicos, ou seja, afastei-me um pouco da ilustração. Mais tarde, comecei a fazer vários cursos de ilustração por diversão e também interesse na área, primeiro ilustração editorial, infantil, BD, e só depois descobri a ilustração científica! Em 2010 fiz um curso de um ano e de seguida o mestrado.

Quais os principais desafios da sua profissão?

Os principais desafios são, sem dúvida, a procura da perfeição, do detalhe que me permitem abordar o trabalho sobre a espécie a ilustrar. Como sou da área de artes não domino a área de biologia, por isso tenho que ler, investigar e procurar muita informação e, quando necessário, contactar com os técnicos especialistas de forma a poder criar a melhor ilustração possível para o objetivo do cliente.

Como se mantém atualizada?

Tento seguir ao máximo o que outros ilustradores vão fazendo, através de revistas científicas, publicações dos próprios na internet, manuais escolares novos, e agora que utilizo muitos as ferramentas digitais sigo inclusivé ilustradores de jogos, que normalmente têm soluções bastante interessantes.

Como é o seu dia típico?

Normalmente levanto-me cedo. Vou passear as minhas cadelas até ao campo (vivo numa área mais rural de Palmela), e depois passo o dia a desenhar, aproximadamente 12 a 13 horas por dia, mas pode ser mais, dependendo do volume de trabalho que tenho em mãos. É claro que vou fazendo pequenas pausas, mas nem sempre é fácil!

Qual a parte mais surpreendente do seu trabalho que ninguém imagina?

A constante descoberta, seja de informação sobre os elementos a desenhar, mas também de novas técnicas. Mas o que surpreende sempre mais é ver o meu trabalho aplicado em algo real. Desde manuais escolares em Portugal e Espanha, na National Geographic nos Estados Unidos, em livros, na decoração de hotéis em Madrid, em rótulos de azeites e vinho, em teses de doutoramento no Chile, exposições um pouco por todo o mundo, etc.

O que mais gosta naquilo que faz?

A diversidade de trabalho. Tanto podem ser animais como plantas, no caso da ilustração biológica, como podem ser ilustrações de geologia, para manuais, como ilustração anatómica ou médica, e até arqueológica ou histórica! Ou seja, a variedade de temas a ilustrar permite-me experimentar novas técnicas. Permite-me um constante desafiar das minhas capacidades enquanto ilustradora.

O primeiro trabalho internacional de Mafalda Paiva: o escaravelho vermelho das palmeiras Rhynchophorus ferrugineus.

Qual o trabalho de que mais se orgulha?

O primeiro trabalho internacional, ou seja a ilustração do escaravelho vermelho das palmeiras Rhynchophorus ferrugineus que esteve exposto no Museu do Estado de Nova Iorque. Mas também a ilustração da processionária do pinheiro Thaumetopoea pitiocampa com a qual venci a primeira edição do concurso internacional da Catalunha ILLustraciencia! Estas ilustrações tornaram tudo possível abrindo as portas do mundo ao meu trabalho.

Para fazer ilustração temos que trabalhar todos os dias, pelo menos 8 horas por dia, de forma a podermos aperfeiçoar técnicas, quase ao nível da obsessão. Temos de saber ouvir e não ter medo de experimentar.

Qual o projeto que adoraria que lhe propusessem?

Posso dizer que neste momento, estou a fazer o que realmente gosto, e tenho a felicidade de já ter cumprido algumas das metas a que me propus.  Mas falta fazer um livro dedicado a insectos.

Que características considera fundamentais para ser boa nesta profissão?

Para fazer ilustração temos que trabalhar todos os dias, pelo menos 8 horas por dia, de forma a podermos aperfeiçoar técnicas, quase ao nível da obsessão. Temos de saber ouvir e não ter medo de experimentar. Devemos também ver o trabalho que os outros ilustradores estão a realizar para podermos melhorar as nossas técnicas, ou a forma de representar. Saber viver com a crítica e acreditar que somos capazes, mas acima de tudo nunca desistir!

A ilustração da processionária do pinheiro Thaumetopoea pitiocampa com a qual venceu a primeira edição do concurso internacional da Catalunha ILLustraciencia.

O que explica que numa altura em que todos temos excelentes câmaras fotográficas nos telemóveis a Mafalda receba encomendas para fazer ilustração de seres vivos e, ainda mais interessante, parte precisamente da fotografia para poder fazer um trabalho rigoroso?

A fotografia é uma excelente referência e eu utilizo muito, mas tem as suas falhas, e ruídos. A ilustração científica, quando bem feita, permite mostrar detalhes os mais ínfimos detalhes da espécie, as cores, tudo nas posições mais correctas para a identificação. No caso dos peixes e répteis, por exemplo, as escamas ou as placas da cabeça que nem sempre se vêm bem e podem significar a diferença entre espécies. A ilustração científica obedece a determinadas regras de representação que são verdadeiramente universais.

Esta é uma área onde existem grandes ilustradoras. É uma profissão muito competitiva. O mercado português é muito pequeno por isso deve procurar novas oportunidades no estrangeiro

Quem é para si a grande referência nesta área?

O meu ilustrador de referência é o Pedro Salgado, pois foi ele que me iniciou na ilustração científica. Mas gosto muito de ilustradores como Carl Brenders, Robert Bateman, Keith Brockie, na área da botânica Margaret Mee e o paleo ilustrador Julius Csotonyi.

Um ilustrador que me influenciou muito em relação à técnica de grafite com aguarela foi o Dugald Stermer.

Na ilustração infográfica, por ser um tipo de ilustração que necessito de elaborar diariamente o Fernando Baptista é o meu ilustrador de eleição.

Mas existem outros ilustradores que sigo diariamente nas redes sociais e que também aprendo com eles, tais como, David Miller, Fernando Garcia Herrera, Aaron Blaise, Paschalis Dougalis, William Wu, Léon Van der Linden, Carim Nattaboo, entre outros.

Que conselho deixaria a uma mulher que queira tornar-se ilustradora científica?

Esta é uma área onde existem grandes ilustradoras. Mas, acima de tudo, o meu conselho é que invista em boa formação, que esteja preparada para envolver-se totalmente numa procura constante, e obsessiva, da perfeição. Só assim vai conseguir ultrapassar a linha que distingue uma boa ilustração, de uma excelente ilustração. Mas também que esteja ciente que esta é uma profissão muito competitiva. O mercado português é muito pequeno por isso deve procurar novas oportunidades no estrangeiro (a maior parte dos meus clientes são estrangeiros). Isso só é possível se o seu trabalho for visto como algo que acrescenta valor ao trabalho destas empresas, universidades, etc. Por isso, um candidato a ilustrador tem de querer muito, e acreditar no que faz, para poder atingir um patamar de verdadeiro profissional.

 

Conheça melhor o trabalho de Mafalda Paiva aqui

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