Renascer o gosto pela ouriversaria portuguesa

No ano em que celebra o seu 50.º aniversário, a 3.ª geração à frente da Arneiro1969 aposta numa exposição que honra o passado e a tradição, ao mesmo tempo que aposta no lançamento de uma loja online. O maior desafio de Mafalda Arneiro é trazer mais portugueses à loja do centro histórico de Sintra, onde 69% da faturação é realizada com a venda a turistas.

Mafalda Arneiro, a terceira geração à frente da loja de Sintra.

Aos 19 anos, Reinaldo Arneiro, deixou Cantanhede onde nascera em 1925, pegou na sua bicicleta, na mala verde e em 200 gramas de ouro que o seu pai lhe tinha dado para iniciar a sua atividade e partiu rumo a uma vida melhor. Passou por muitas localidades, tornando-se célebre na venda ambulante porta-a-porta, em mercados, praças e feiras tradicionais. A sua visão para o negócio levou-o, há 50 anos, a estabelecer uma loja no centro histórico da vila de Sintra.

Joaquim Simplício, o seu genro, foi o seu principal apoio durante décadas e o reponsável pela modernização e diversificação da gama de produtos da loja. Uma das suas principais preocupações foi manter o equilíbrio entre a tradição e a necessária adaptação ao mercado, mantendo o público fiel.

Depois deste impulso de modernização, a empresa familiar passa para o comando dos primos Mafalda Arneiro, filha de Joaquim Simplício, e Pedro Arneiro. Desde pequena que Mafalda Arneiro, hoje com 33 anos, casada e mãe de dois filhos, acompanha o crescimento do negócio, ao lado dos seus avós e pais. Depois da formação em Joalharia, na Contato Direto, e em Design de Comunicação, na ARCO, passou a dedicar-se em exclusivo à Arneiro1969. Tal como o seu pai, Alberto Simplício, também sentiu a  necessidade evolução, mantendo viva a tradição e o talento de fazer ourivesaria, joalharia e prataria artesanal. A sua formação profissional, o seu talento e a sua paixão pela ourivesaria tradicional portuguesa, levaram-na a lançar algumas coleções exclusivas Arneiro1969: a coleção Minhota, cujo tema incide nas contas minhotas, e a coleção Neobaroq, produzida através de relevos de cunhos do século XVIII, mas rompendo com as combinações tradicionais do seu uso.

A paixão pela ourivesaria portuguesa, que se tem intensificado ao longo dos anos, levou a que no âmbito da comemoração do 50.º aniversário da Arneiro 1969 decidisse promover uma exposição temporária em Sintra, o apoio da Câmara Municipal, a INTRADITION – Meio Século com Futuro, com o objetivo de contar a história deste setor, desde os materiais e a produção manual até à sua venda, fazendo renascer o valor sentimental e cultural do ouro, numa altura em que 69% da faturação da loja é realizada com vendas aos aos turistas, sobretudo norte-americanos e japoneses.

Joaquim Simplício, Mafalda Arneiro e Pedro Arneiro: genro e netos do fundador, Reinaldo Arneiro.

Qual foi o seu primeiro contacto com a Arneiro?
Cresci aqui, as férias eram todas passadas na loja. Adoro vender, gosto do contacto com o público, conhecer pessoas novas, culturas novas, formas diferentes de as pessoas se envolverem ao adquirirem uma peça. Adoro saber como as peças são feitas, a origem, a história das pessoas que estão por trás destas joias maravilhosas que, por vezes, ou até muitas vezes, não são valorizadas. A vida foi-me encaminhando para aqui, sem obrigações, o bichinho foi crescendo. Já estou há 12 anos a trabalhar na empresa, ao lado do meu pai e primo, “os meus dois braços neste caminho”.

Que memórias guarda do seu avô, enquanto empresário da ourivesaria?
Tenho um orgulho enorme no meu avô. Lutou muito para conquistar o que alcançou, ajudando sempre a família, unindo-a o mais que conseguia. Gostava sempre de inovar, de acompanhar as modas, de escutar as novas gerações para saber como o negócio poderia perdurar nos tempos vindouros. Era ambicioso, uma pessoa de palavra, hoje penso que um visionário, incansável até ver que toda a família estava bem. Sempre foi um verdadeiro Senhor. Com 92 anos ia todos os dias à loja, o primeiro a abrir a porta e o último a sair.

Existe um ditado que diz: “O primeiro constrói, o segundo mantém, o terceiro destrói.” Quero provar que posso ser a excepção.

Como lida com a responsabilidade de ser herdeira de uma empresa familiar?
Existe um ditado que diz: “O primeiro constrói, o segundo mantém, o terceiro destrói.” Quero provar que posso ser a excepção. O peso da responsabilidade vai crescendo, sim, mas também se vai transformando numa satisfação  e concretização pessoal, principalmente porque faço realmente o que gosto. Este é um projeto com o qual não funciono sozinha. Felizmente, tenho uma equipa e uma família muito unida que posso contar para a crescente dinamização do negócio.

Quais as suas funções actuais na empresa?
Atualmente a minha função está ligada à comunicação e expansão do negócio, nomeadamente em marketing, no desenvolvimento de coleções próprias, no desenvolvimento online, e novas formas de comunicar, mas mantendo sempre as nossas origens e o nosso cariz familiar. Na realidade, faço um pouco de tudo (como de resto todas as pessoas na empresa): desde atendimento ao cliente, acompanhamento pós-venda, controlo de stocks, etc. Se visitar a Arneiro1969, poderá apanhar qualquer um de nós ao balcão para a receber.

Qual o maior desafio que enfrenta?
O maior desafio de momento é conseguir trazer mais portugueses à nossa loja. Hoje, as novas gerações estão habituadas à compra por impulso e rápida, tanto nos centros comerciais como nas compras online. Como se consegue trazer as pessoas a um estabelecimento tradicional de rua, com pouco estacionamento e acessos limitados? É aqui que temos que ser criativos e conseguir, com a comunicação e oferta de produtos diferenciados, cativar cada vez mais as pessoas a visitarem-nos e a sentirem uma atenção especial no atendimento, o que não acontece com as vendas online. No entanto, não podemos viver à margem da evolução, daí termos também em mãos um desafio importante, com o desenvolvimento de uma loja online.

Qual o balanço da Exposição Intradition’19
O balanço é super positivo, superou os objetivos. Recebemos cerca de 600 visitantes. Tínhamos como intuito convidar os visitantes a conhecer 50 anos da história da Ourivesaria Arneiro, as nossas origens. Também gostávamos que as pessoas percebessem que a ourivesaria portuguesa, para além de ser um marco na nossa cultura, é feita com técnicas extraordinariamente meticulosas e morosas. A maioria das pessoas que visitou a exposição Intradition  ficou familiarizada com o que viu, conseguindo assim, reportar-se a memórias antigas, a pessoas, a lugares, a momentos. Este deve ser o propósito da ourivesaria portuguesa.

Como e onde são produzidas as peças?
Temos de tudo um pouco, embora o nosso foco comercial seja em ourivesaria e prataria e joalharia portuguesa. Estas peças são, na sua maioria, manufaturadas em Gondomar, Póvoa de Lanhoso e Porto. Representamos também marcas internacionais de joalharia, sendo, na sua maioria, provenientes de Itália e Espanha.

No momento em que celebra meio século e existência, que planos tem a empresa para o futuro?
Temos como planos finalizar o nosso site de vendas online (está de momento em desenvolvimento). A empresa neste momento está também em processo de modernização e ampliação, um passo grande para nós. Aguardamos no ano 2020 ter uma “cara” nova, para receber cada vez melhor os nossos clientes. Ambicionamos continuar a valorizar e a desenvolver a produção tradicional de ourivesaria portuguesa, continuar a trabalhar com os jovens designers portugueses e abraçar alguns projetos internacionais que nos têm vindo a desafiar.

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