Ana Tavares: “Se quer uma oportunidade internacional posicione-se para a conseguir”

Dirige os serviços financeiros da Canon, desde 2013, com responsabilidades para todo o continente americano. Com 15 anos de carreira internacional e radicada dos Estados Unidos desde 2006, Ana Tavares assume a sua admiração pela cultura de meritocracia norte-americana, fala-nos das diferenças entre culturas de trabalho e dos seus desafios de carreira.

Ana Tavares é vice presidente de Finanças e Contabilidade da Canon, em Nova Iorque.

Radicada em Nova Iorque, Ana Tavares é a atual vice-presidente de Finanças e Contabilidade da Canon para os Estados Unidos e restante continente americano, desde 2013. Com uma carreira internacional especializada na área dos serviços partilhados, tem vindo a liderar projetos de reorganização na Ásia, Europa e Américas.

Licenciada em Contabilidade e Administração Financeira pelo ISCAL (Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa), onde completou depois o mestrado na mesma área, em 2000, tem ainda uma pós-graduação em Comércio Internacional pela Universidade Lusíada. No início de carreira, em Portugal, trabalhou em consultoria financeira para a Pannell Kerr Forster, multinacional na área da contabilidade, entre 1999 e 2003, ano em que foi recrutada pela companhia farmacêutica Bristol Myers Squibb para trabalhar em Inglaterra, liderando a equipa ibérica desta companhia farmacêutica e com responsabilidades na área de Serviços Partilhados para o Reino Unido. Em 2006 é convidada a assumir a direção financeira da empresa, já nos Estados Unidos.

No final de 2009 transitou para Pall Corporation, produtora mundial de sistemas filtragem e de purificação, em Nova Iorque, onde começou por assumir as funções de controller para o hemisfério ocidental, chegando menos de um ano depois o cargo de diretora financeira global da companhia.

Homenageada em 2016, nos Estados Unidos, com o prémio “Milton Zipper Finantial Executive of the Year”, atribuído pelo Institute of Management Accountants, Ana Tavares tem ainda presença ativa em organizações de intercâmbio económico e social, como a Câmara de Comércio Luso-Americana e do Conselho da Diáspora Portuguesa.

Quando terminou a sua formação no ISCAL, quais eram as suas ambições profissionais?
Queria trabalhar em auditoria.

Quando e porque decidiu que queria trabalhar fora de Portugal?
Na altura, a minha actividade profissional incluía apoio a multinacionais em Portugal. Em alguns casos, esse apoio incluía tradução da informação financeira para ‘compliance’ com o sistema português, ou vice-versa; do sistema português para um outro país qualquer. Esta nuance permitiu exposição a sistemas internacionais de apresentação de demonstrações financeiras. A opção de trabalhar fora de Portugal foi revelada neste contexto, estava disposta a avançar se, e quando aparecesse uma oportunidade concreta. A contratação pela Bristol Myers Squibb foi a razão para avançar.

A maior lição aprendida [em Inglaterra] foi a de que o sistema académico português proporciona uma preparação bem acima da média.

Quais as principais diferenças que sentiu na forma de trabalhar e na cultura corporativa, primeiro no Reino Unido e depois nos Estados Unidos? O que aprendeu de mais importante em cada uma destas culturas?
Existe o lado de cultura corporativa e a influência da cultura do país de origem. Recém chegada a Inglaterra fiquei surpreendida por coisas como o dia começar bem cedo e, em geral, acabar mais cedo; o trabalho ter menos pausas durante o dia; o respeito pela hora de chegada; a formalidade em reuniões, sendo estas bastante estruturadas; a informalidade no tratamento entre colegas; no trato, o uso do primeiro nome, passando-se o mesmo na chefia. A progressão de carreira é clara e definida. Apesar destas e outras diferenças, a maior lição aprendida foi a de que o sistema académico português proporciona uma preparação bem acima da média.

Nos Estados Unidos, a energia é direcionada para uma dedicação vigorosa ao trabalho “work ethic”, e recarregar baterias com a família e a causas comunitárias. Ao contrário de um estado social – como Portugal –  nos Estados Unidos a segurança social e a figura jurídica de contrato de trabalho são quase irrelevantes. Maior risco, mas maior flexibilidade. Cabe a cada indivíduo gerir a sua reforma, mais estruturada em fundos privados e menos em segurança social. Contratos de trabalho raramente são utilizados. Na maioria dos casos um colaborador está numa empresa ‘at will’, podendo sair quando quiser e podendo, também, ser “dispensado” a qualquer altura. É comum ter-se cerca de 10 dias úteis de férias. A disposição em assumir este tipo riscos, em sacrificar férias longas, ter uma boa preparação académica, experiência numa determinada área, um desempenho consistente e dedicado, paga dividendos após uns anos.

Quais as suas funções e principais responsabilidades hoje, na Canon?
Tudo o que diz respeito a Tesouraria, Impostos, Consolidação de Contas, Contabilidade e Serviços Partilhados, Sistemas Financeiros. Na maioria destas funções tenho responsabilidades regionais – Américas.

Trabalhou quase 10 anos no setor da biotecnologia antes de mudar para a Canon. Como surgiu esta oportunidade? A mudança de setor foi um desafio?
Mais que um desafio, tem sido enriquecedor. O sector farmacêutico faz um exercício brutal de ‘trade-offs’ no processo de investigação e desenvolvimento. Ou seja, por cerca de 250 princípios ativos descobertos só um vai chegar à fase final de comercialização. E na altura tive a sorte de participar no processo de transformação da Bristol Myers para biofarmacêutica.

A oportunidade da Canon surgiu porque iniciaram um processo de busca por ‘skills’ em áreas específicas, e aí o meu nome estava na short list. Um dia, fui surpreendida com a chamada do recrutador.

Ter um mindset global, cultivar uma equipa de qualidade, desenvolver uma mensagem clara e transmitir essa mensagem de forma com que outros se identifiquem com ela, construir consenso, tudo isto faz o cargo.

Em que medida as experiências profissionais anteriores a prepararam para este cargo?
Quando mudei para Estados Unidos, com a Bristol Myers Squibb, foi-me proposto um grande desafio: liderar a redução em 20% da estrutura administrativa na America Latina. Anos depois o desafio tornou-se maior, quando aceitei o convite para liderar a transformação organizacional de backoffice numa empresa industrial, a Pall Corporation.  O projecto era ambicioso e procurava transformar a estrutura em cerca de 50 países. Esse projeto foi também executado, com redução da estrutura de backoffice em 30%.

Vivemos num mundo de colaborações e parcerias. A preparação técnica é importante, mas é também parte de uma equação maior. Ter um mindset global, cultivar uma equipa de qualidade, desenvolver uma mensagem clara e transmitir essa mensagem de forma com que outros se identifiquem com ela, construir consenso, tudo isto faz o cargo.

Quais os skills mais relevantes para ser uma boa profissional na sua área?
Em geral, ter senso comum e capacidade de colaboraçāo.

Qual foi o maior desafio profissional que enfrentou e como conseguiu ultrapassá-lo?
A primeira responsabilidade é para connosco próprios e o nosso bem-estar. Não se deixar levar pelo cargo que se ocupa ou definir-se como uma pessoa de uma única tarefa são também aspetos a ter em conta no dia-a-dia.

Por volta dos meus vinte anos, bem no começo da minha carreira, passava muito tempo a trabalhar, ao ponto de definir o meu sucesso pela carga de trabalho. Um dia ouvi alguém mencionar que não se via nesta carreira porque não estava para isso, ou porque não conseguia trabalhar o número de horas que eu trabalhava. Foi um instante que definiu algo mais – algo que eu não estava, claramente, a fazer bem, especialmente ocupando a função de manager. Nesse momento percebi que tinha de corrigir esse ponto se quisesse apontar a uma maior integração da minha equipa.

Qual a cultura com que mais se identifica, de todos os países onde trabalhou, e porquê?
Diria que são os Estados Unidos da América, o país onde mais gostei de trabalhar até hoje. Identifico-me com o culto de meritocracia acentuado na relação causa/consequência. Gostei muito de trabalhar no Reino Unido e em Singapura. Para mim, tendo já trabalhado na Europa, na Ásia, América Latina e nos E.U.A., saliento o desafio fascinante que é o da gestão das diferenças culturais que existem em equipas que se encontram em países diferentes, para além da barreira da linguagem, obviamente.  Por outro lado, trabalhar com a América Latina provou ser o desafio maior uma vez que a sua cultura de trabalho é alicerçada em relações interpessoais onde o favoritismo e o interesse próprio prevalecem, o que requer tempo. Ou seja, em vez de se mergulhar de cabeça no trabalho que tem de ser executado, há que se dar uns passos atrás ou ao lado para se conhecer melhor os colegas envolvidos nesse trabalho.

As prioridades na área de diversidade são cultivar a pipeline de acesso a posições de liderança e cultivar uma cultura de equidade através de programas de mentoring e sponsorship.

Tem-se mantido afastada da realidade portuguesa ou, pelo contrário, procura usar a sua experiência e os seus contactos internacionais para potenciar negócios ou parcerias entre o país em que trabalha e Portugal?
Portugal deu-me as bases com que opero no dia a dia. Procuro fazer o máximo pelo meu país, onde quer que esteja. Atualmente faço parte da direção da Câmara de Comércio de Portugal em Nova Iorque, e da Direção do Conselho da Diáspora Portuguesa. Tenho gosto em operar “under the radar”. Trabalhei recentemente em estabelecer uma parceria entre o Conselho da Diáspora Portuguesa e a Câmara de Comércio. Como objectivo pessoal, a cada par de anos, organizo e patrocino um jantar que junta líderes locais com membros da Câmara de Comércio Portuguesa em Nova Iorque. É um evento por convite, estou a planear o próximo para este ano.

Além das suas funções na Canon também esteve envolvida em outras organizações, como o Long Island Womens Collaborative e na Moxxie Network, como mentora. O que lhe trouxeram de positivo estas experiências?
É um privilégio poder contribuir para um mundo melhor e justo. Com esse privilégio e oportunidade aumenta também a responsabilidade para com o nosso país de origem, para com a comunidade em que vivemos e para com a nossa família. O Long Island Womens Collaborative é constituído por um grupo de executivas que procura educar a região em temas como igualdade de salário, saúde, etc. É um grupo de pessoas fantásticas, líderes em várias áreas, que dedicam o seu tempo pro-bono. Um outro ponto é o papel de programas de mentoring no desenvolvimento profissional. A Moxxie Network oferece a jovens profissionais acesso a um mentor. Com esta oportunidade, facilitei a transição de jovens estudantes para o mercado de trabalho. Tenho orgulho em ver estas jovens estabelecerem carreiras de sucesso.

Como vê a questão da igualdade de género na liderança das empresas nos diferentes mercados com que trabalhou? Em que diferem da realidade portuguesa, por aquilo que conhece?
Quanto à igualdade de género e diversidade, gostava de saber mais sobre a realidade portuguesa de hoje. Tenho algumas reticências quanto à eficácia do sistema de quotas; no entanto, ele tem resultado em países como os da região escandinava. À parte disto existe outro ponto: o da igualdade de salário. Existe forma de implementar sistemas de monitorização, mas o que é que se está a fazer quando uma diferença é detetada?

Como ponto de vista pessoal, as prioridades na área de diversidade são cultivar a pipeline de acesso a posições de liderança e cultivar uma cultura de equidade através de programas de mentoring e sponsorship. Para cultivar uma cultura de equidade, programas de treino direcionados para eliminar “unconscious bias”.

Se se tem ambição de fazer carreira internacional, à partida vai estar em vantagem. Os portugueses, em geral, têm uma forma de estar global, e aceitam diferenças culturais.

Que características considera necessárias para fazer carreira internacional?
Curiosidade intelectual e social.

Em que condições equacionaria regressar a Portugal?
Nas certas.

Do que sente mais falta em Portugal e que não consegue encontrar ou sentir nos Estados Unidos?
Coisas que são dados adquiridos e que deixam de estar à mão. Coisas imateriais como o cheiro a sardinha assada, o cheiro a pão fresco e café moído, o mar revolto em Sagres. Ou quando se pergunta “como está?” e nos respondem “cá se anda”.

Qual o balanço que faz da sua experiência de trabalho no estrangeiro?
Positivo.

Que conselhos deixaria a uma mulher que ambicione fazer carreira internacional?
Se se tem essa ambição, à partida vai estar em vantagem. Os portugueses, em geral, têm uma forma de estar global e aceitam diferenças culturais. Três pontos a explorar são diferenças culturais, diferenças entre opções de carreira internacionais por curto espaço de tempo vs. carreiras internacionais durante um longo espaço de tempo e, finalmente saber posicionar-se para obter uma oportunidade internacional.

Em relação à internacionalização por curto vs. longo espaço de tempo, os pontos fortes dependem dos objectivos pessoais. Algo a curto prazo é benéfico quando se pretende participar num projecto especifico, especialmente um que fortaleça as suas capacidades ou facilite o aprofundar de conhecimentos na área de escolha. Em projetos de longo prazo, deve ter em mente a sua família. O choque cultural é real e ocorrerá uns meses após uma recolocação.

Se optar por posicionar-se numa carreira internacional, tenha em mente a dimensão e alcance da sua empresa. Procure colaborar em empresas fora da esfera das PMEs, que sejam ou globais ou que tenham planos de expansão a curto prazo. Fique alerta para os processos de recursos humanos. Durante o tempo de revisão de performance pessoal, clarifique que a sua intenção é uma posição internacional. Finalmente, procure desenvolver valências e skills que tenham grande mobilidade, tal como a gestão de projetos — skills que são “transferíveis”, independentemente do cargo, área profissional, ou da localização.

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