É francesa, casada com um português, tem três filhos e vive em Portugal desde 1991. Pouco tempo depois Nathalie Ballan lançou a empresa Sair da Casca, que tem o lema “Sustainability intelligence in action”. Hoje diz que não há muitas coisas que lhe deem mais prazer do que aquilo que faz: desenvolver projetos de sustentabilidade e de responsabilidade social para empresas.
Temas que Nathalie Ballan não descobriu logo nos tempos de estudante mas para os quais se foi preparando mesmo sem saber. “Em França, os termos ‘desenvolvimento sustentável’ e ‘responsabilidade social’ não eram conhecidos mas para quem lia um jornal e estava a par da atualidade era difícil não reparar na emergência destas questões. Tinha tudo a ver com o fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim, com todos os processos de descolonização, com o Clube de Roma que nos anos 1970 já falava do crescimento zero e que foi a primeira formalização de uma preocupação com a evolução demográfica. Tudo isto tem a ver com o desenvolvimento sustentável, mesmo que na altura não se usassem estas palavras. Até porque a definição oficial de desenvolvimento sustentável só aparece em 1987 no relatório Brundtland das Nações Unidas”, explica Nathalie Ballan que, apesar de recusar considerar-se uma especialista na matéria e preferir dizer que é “uma boa generalista”, é das pessoas que mais percebe do assunto em Portugal e lidera “a única empresa com 20 anos de experiência nestes temas, que fez o primeiro site e as primeiras formações em Portugal”.
“O que eu queria era trabalhar para ter impacto, para mudar alguma coisa na sociedade e depender apenas de mim.”
Na altura em que chegou Nathalie Ballan não fazia ideia do que ia acontecer. “No início até achei que era um projeto e não uma empresa”, recorda. Mas sabia que era sobre isto que queria trabalhar. “Aqui ou noutro país qualquer a área estava definida. O que eu queria era trabalhar para ter impacto, para mudar alguma coisa na sociedade e depender apenas da minha capacidade de ter clientes e não subsídios”.
O mundo entretanto girou. A Sair da Casca ganhou concorrência mas Nathalie Ballan sabe que, mesmo não sendo a única, a sua empresa é diferente. “Com todas as redes que construímos conseguimos agora abordar várias temáticas do desenvolvimento sustentável e temos um nome irreverente que reflete bem o nosso posicionamento”.
Um nome que “roubou” ao cliente Procter & Gamble que tinha um documento assim chamado. E logo que Nathalie o viu percebeu que era isso que ela queria fazer: pôr as empresas a olhar para a sociedade de uma maneira diferente, criar pontes e saber trabalhar em parcerias. “Era isso que nós queríamos e é isso que continuamos a querer fazer”.
Nathalie diz que aprendeu a trabalhar e a ter método e disciplina nos três anos de preparação para a faculdade.
A ajuda da Cimeira da Terra
Nathalie Ballan começou por estudar jornalismo (que exerceu durante quatro anos), depois de uma breve passagem pelo curso de Filosofia e História e de ter feito os três anos necessários à conclusão das “Classes Prépas” (Classes Préparatoires aux Grandes Écoles – CPGE) – uma preparação “extremamente elitista e competitiva, anterior à entrada nas faculdades e que é o equivalente a uma preparação para um campeonato do mundo. Foi aqui que aprendi a trabalhar, a ter método e disciplina”, reconhece.
Como era muito boa aluna foi selecionada para o “prépas” de humanidades num dos melhores liceus de Paris e lá conviveu com uma elite de estudantes, muitos dos quais chegaram a ministros ou trabalham em postos de muita visibilidade e responsabilidade. Desta forma, diz ela, “não tinha o direito de não estar informada”.
Mas foi com um convite para ajudar a criar uma empresa de comunicação e marketing, muito focada nas questões de cidadania e num target jovem, que começou a trabalhar numa área mais parecida com o que viria a fazer na Sair da Casca. E foi ali que continuou a “aprender a trabalhar a sério”.
“O facto de ser mulher e de vir de França eram atributos suficientes para me considerarem ‘exótica’ e me aceitarem.”
Por isso, logo que chegou a Portugal, sem uma ideia formada sobre o país para onde vinha viver – “não teria sido a minha primeira escolha”, confessa – e sem conhecer ninguém, decidiu contactar algumas empresas e apresentar-lhes o seu projeto de sustentabilidade e responsabilidade social. “Entrei nesta prova de fogo, que não correu mal. Acho que o facto de ser mulher e de vir de França eram atributos suficientes para me considerarem ‘exótica’ e me aceitarem. Depois, também apanhei a melhor altura para falar destes temas. Estávamos em 1992, o ano da Cimeira da Terra no Rio de Janeiro, e eu estava a falar às empresas portuguesas de cidadania empresarial, de comunicação e do impacto que elas podem ter na sociedade. Foi uma boa altura para falar disso”.
A Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (informalmente denominada Cimeira da Terra) foi considerada histórica, ao dar visibilidade ao apagado tema do desenvolvimento sustentável, levando ao Rio 108 Chefes de Estado e de Governo e sensibilizando o público para a necessidade de integrar as considerações ambientais e sociais nas políticas de desenvolvimento económico.
“As empresas portuguesas são excelentes exemplos de sustentabilidade e responsabilidade social.”
As empresas portuguesas são das melhores
“Na altura não havia concorrência e foi fácil ganhar os primeiros clientes”, conta Nathalie. Sonae, Lactogal, Associação dos Refinadores de Açúcar, empresas que se mostraram “totalmente abertas e muito pacientes e demonstraram muita confiança em mim”, acrescenta. “Eu consegui marcar reuniões e nem falava português!”, relembra com uma mistura de espanto e de admiração.
Já naquela altura, em 1993, a indústria do açúcar se debatia com o tema da obesidade e da necessidade de um consumo mais racional e outras empresas estavam também disponíveis para dar outros passos, como se veio a provar com a adesão registada às propostas desta executiva. “As empresas portuguesas são excelentes exemplos de sustentabilidade e responsabilidade social, com práticas que estão ao nível do que de melhor se faz no mundo. “A EDP está no leque das melhores empresas mundiais, a Brisa é excecional nesta área, a CGD tem políticas ambientais muito pioneiras e a Delta Cafés é uma empresa extremamente inovadora.”
Portugal é muito bom nesta área, está em quarto lugar a nível europeu. Uma excelente performance, até porque à legislação que vigora nesta área na União Europeia é muito apertada. “O trabalho da Sair da Casca entra em tudo o que vai para além do que está na lei”, esclarece.
Mas os bons exemplos são também internacionais. Quando uma empresa como a McDonalds decide diminuir o packaging, ou seja, a quantidade de embalagens que diariamente utiliza para comercializar as refeições, isso tem um impacto enorme no meio ambiente, sublinha Nathalie, que aprova a medida tomada internacionalmente pelo seu cliente. “É um bom exemplo de sustentabilidade”, frisa.
Em 2016 a Sair da Casca voltou a ser consultora em sustentabilidade do Rock in Rio.
Outro exemplo é dado pela empresa açoriana dos queijos Terra Nostra, que dá trabalho a 400 produtores de leite, contribuindo para a sobrevivência económica de uma profissão e apostando nas formações sobre a qualidade do produto e melhoria ambiental. “As pessoas podem não associar isto à sustentabilidade mas o que é importante é perceber que as empresas têm um papel no impacto das suas atividades e que muitas levam este assunto a sério”.
Nathalie Ballan também leva muito a sério o seu papel de consultoria e para ela não há fronteira entre trabalho e lazer. O que lhe dá gozo é elaborar projetos para empresas com nomes fortes como a Galp, a EDP, a CGD, a Fidelidade, a Brisa, a Lactogal, ou a Autoeuropa, entre outros. A sua dedicação está à vista. Em 2016, como tem acontecido em edições anteriores, a Sair da Casca volta a ser a consultora em sustentabilidade do Rock in Rio, com elaboração de relatórios e recomendações de melhoria.
Sustentabilidade é boa gestão
O formato empresarial foi a solução ideal para alguém que não quis trabalhar em ONG’s, apesar de estas terem cada vez mais necessidade de se profissionalizar e apesar de o ter feito nos seus tempos de estudante, a par do voluntariado.
Mas Nathalie Ballan gosta do ambiente e dos desafios das empresas e não se cansa de dizer que “a sustentabilidade e a boa gestão são a mesma coisa”. “Uma boa PME que tem bons resultados, que se vai internacionalizar, tem colaboradores fieis, sabe reter talento, é inovadora e tem uma política de formação definida, é uma empresa que cumpre os requisitos do desenvolvimento sustentável e não é preciso usar o palavrão para o fazer na prática”, esclarece.
“Quem compra uma t-shirt por um euro deve saber que no final da cadeia de valor há alguém que não vai comer tão bem.”
E parece simples aplicar este projeto político subscrito pelas Nações Unidas. Basta considerar que o planeta foi emprestado e não o podemos deixar pior às gerações futuras do que o encontramos. Porque a sustentabilidade é um projeto político, que ultrapassa a responsabilidade das empresas e tem vertentes económicas, sociais e ambientais. Como é então possível ter-se uma postura sustentável? Percebendo os impactos das atividades de cada um e “encontrando um trade off entre o que se quer e os impactos socais e ambientais que isso implica”.
O que faz a Sair da Casca é focar-se exclusivamente na responsabilidade das empresas face aos objetivos do desenvolvimento sustentável e gerir bem estes “dilemas”. “Trabalhamos em projetos de estratégia que vão concretizar a responsabilidade das empresas”, resume a executiva. Qual é o papel de uma empresa na sociedade? Como é que pode equilibrar a sua atividade financeira com os impactos sociais e ambientais? E como os consegue mitigar quando eles não são tão positivos? Questões que diariamente Nathalie coloca às empresas. E com a resolução de muitas delas consegue criar impacto. Nathalie lamenta, porém, que o comportamento observado nas empresas não se estenda depois à casa de cada um. Como é o caso da reciclagem, por exemplo, onde ainda há muito para pedalar. Nathalie vai continuar a sua cruzada. Desde 2004 a Sair da Casca já fez mais de 3 mil workshops para managers sobre variadíssimos temas. E quer que as empresas com políticas de filantropia tenham mais impacto social. Mas tudo também depende de cada um. “Quem compra uma t-shirt por um euro deve saber que no final da cadeia de valor há alguém que não vai comer tão bem. Por isso, não só os governos e as empresas são partes interessadas. Os cidadãos também”.