Conceição Zagalo: “Não se deve temer a reforma”

Rejeita a imagem comum da reforma e insiste que ela pode ser um período de grande realização e dinamismo. O voluntariado empresarial anima-lhe os dias e vê no “salário emocional” uma enorme compensação.

Depois de uma carreira exemplar na IBM, Conceição Zagalo partilha as suas competências com o mundo.

Aos 57 anos esta executiva da IBM optou pela pré-reforma para se dedicar à gestão associativa em voluntariado. A ideia começou por não ser bem aceite pela empresa mas Conceição Zagalo já estava decidida a viver uma vida um pouco diferente e decidiu sair da IBM, em 2012, depois de 38 anos ao serviço do gigante da informática.

Profissional de reconhecidos méritos e prémios aplicou os conhecimentos de gestão nos novos desafios que encontrou. Como o empenho em tudo o que faz lhe está na massa do sangue — “o meu pai era autarca na província e levava-me sempre a todas as visitas e inaugurações” — também aqui, no voluntariado, se destacou. Logo em 2007 foi distinguida pela Amnistia Internacional, juntamente com outras 25 mulheres de todo o mundo, “pela sua especial dedicação às causas sociais”. A entrada no “fantástico mundo da reforma” começou pela mão do GRACE, um grupo de preparação e apoio à cidadania empresarial e responsabilidade social das empresas em parceria com outros setores da sociedade. Assistiu ao nascimento desta associação sem fins lucrativos e, em representação da IBM, foi convidada para a presidir. Agora faz parte da sua Assembleia Geral e trabalha também voluntariamente para outras organizações. Com tanto trabalho costuma dizer a brincar que “um destes dias tenho de me reformar da reforma”. Mas é só a brincar, pois Conceição Zagalo quando avalia este trabalho não sabe bem qual das partes sai mais a ganhar.

Aos 57 anos decidi que queria ter tempo para os meus netos e dar de forma diferente o muito que ainda tinha para oferecer

É uma grande defensora do voluntariado empresarial como forma de viver melhor a reforma. Como preparou a sua?
Tive a vantagem de trabalhar na IBM e a certa altura, era eu diretora da Divisão de Marketing Comunicações e Cidadania, a empresa criou um programa de voluntariado em países subdesenvolvidos e de economias emergentes e convidou os melhores quadros mundiais, os que tinham melhores avaliações de desempenho, para se candidatarem. Era um programa que obrigava a algum tempo de trabalho no terreno, e eu candidatei-me. Tinha 57 anos, a IBM iniciara mundialmente alguns planos de reforma para agilizar a sua força de trabalho e eu, que era profissional de bons desempenhos e reconhecidos, não respondia ao requisito da idade. Decidi experimentar.

Sempre viu a reforma por um prisma diferente?
Não, mas a partir daí comecei instintivamente a preparar-me e o facto de essa altura coincidir com a morte de um dos meus irmãos também me fez pensar de outra forma. Nos dias que antecederam a sua morte as mensagens que enviou eram muito claras: aproveitem bem o tempo porque ele é finito.

A reforma não é o primeiro passo de uma contagem decrescente, mas um primeiro passo de um olhar diferente sobre a vida.

E isso fez com que mudasse o rumo?
Ajudou-me a perceber o que não queria. Tinha 57 anos e decidi que queria ter tempo para os meus netos e dar de uma maneira diferente o muito que ainda tinha para oferecer. Nessa altura já estava na administração da IBM e fui convidada a presidir o GRACE — Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial — uma experiência muito importante que me levou depois a trilhar novos caminhos em voluntariado empresarial.

O que é necessário para se planear bem a reforma?
Acreditar que ela não é o primeiro passo de uma contagem decrescente e que, pelo contrário, pode ser o primeiro passo de um olhar diferente sobre a vida. Depois, arranjar uma forma de aplicar nas organizações da economia social os conhecimentos e competências adquiridos ao longo dos anos de trabalho, para deixarmos também uma ‘brand’ pessoal no voluntariado e nas comunidades onde os nossos filhos e netos continuarão a viver.

Por onde se pode começar?
No GRACE, com o voluntariado empresarial e há cada vez mais organizações do terceiro setor que precisam de ajuda como de pão para a boca. O Conselho para a Promoção do Voluntariado pode ajudar a orientar. E Portugal precisa muito disso porque nós não estamos sensibilizados para o voluntariado porta a porta. Nos Estados Unidos, por exemplo, não passa pela cabeça de ninguém que viva em condomínio que os espaços comuns não sejam preservados pelos moradores e em França, o trabalho da comunidade é feito por pessoas reformadas. Aqui ainda não temos esse espírito. Continuamos a declinar o verbo na terceira pessoa do plural e devíamos fazê-lo na primeira do plural.

Consegui uma vida de qualidade. Faço o que quero, quando quero, como quero e com quem quero.

O voluntariado empresarial ainda é pouco conhecido?
Sim e há projetos tão interessantes nesta área!

Quer referir alguns?
Participei num programa de voluntariado da IBM e por isso estive no Vietnam a trabalhar para uma empresa de aquacultura que precisava de um sistema de gestão de certificações de qualidade e de uma estratégia de marketing para exportar o peixe que produzia perto do rio Mekong, um dos rios mais poluídos do planeta. Foi uma experiência muito gira e ainda consegui ajudar mais seis organizações. Esta experiência empresarial, assim como os casos vividos pelos colegas internacionais da IBM selecionados também para este voluntariado, foram depois partilhados com a Universidade de Harvard que vai usar estes exemplos nas escolas de gestão. O voluntariado traz-nos oportunidades incríveis.

Outro exemplo, há pouco tempo estive no Centro Golda Meir, em Israel, a participar numa conferência sobre o papel da mulher no tecido económico a nível mundial, onde se falou de igualdade de oportunidades especialmente de género. Conheci casos surpreendentes. Como um na Geórgia (país) onde não se permite que as mulheres herdem terrenos (nesses casos as terras vão para o Estado), o que levou a que uma mulher criasse uma associação para alterar a legislação. Ou o caso da presidente do governo provincial de Lunda (Angola) que criou um sistema financeiro para apoiar o empreendedorismo feminino.

Mesmo assim foi difícil deixar a atividade profissional para se reformar?
Precisei de um empurrão, de ouvi opiniões antes de decidir ir para a pré-reforma para fazer gestão associativa em voluntariado. A morte do meu irmão foi para mim uma clarividência. Também me aconselhei com o Instituto de Emprego e Formação Profissional que viu com muito bons olhos o facto de poder ter recursos de gestão em gestão associativa a custo zero. Consegui uma vida de qualidade. Faço o que quero, quando quero, como quero e com quem quero.

Agarro as oportunidades que são minhas e não deixo que elas vão para os outros.

Vai continuar a ter os dias sempre tão ocupados?
Não gosto da imagem que a reforma tem: gente gorda, sentada num banco, em contagem decrescente para a morte. Desde que me reformei, em 2012, que mantenho uma atividade intensa. Em representação da IBM fui membro fundador do GRACE e em 2013 assumi a presidência da Assembleia Geral desta associação e da Associação Cais também. Sou membro do Conselho Consultivo da Acredita Portugal, presidente do Conselho Fiscal da Maratona da Saúde,  membro do Advisory Board da Stone Soup Consulting, chair do Board of Advisors da AIESEC Portugal e membro do Board of Advisors da AIESEC Internacional, membro da Global Professional Women Network. Participo em júris de prémios, em conselhos consultivos, não quero parar.

Então não se reformou, pelo menos no sentido em que entendemos a reforma…
O meu dia é ocupado de uma forma diferente porque agora faço um trabalho mais social e quero continuar assim. Quero ver se não me trato! Por vezes digo a brincar que tenho de me reformar da reforma. Mas é só a brincar!

Como arranja tempo para trabalhar em várias organizações?
Os princípios da gestão aplicam-se a tudo e sementeiras são fantásticas. Basta plantar, regar, colher e voltar a semear. Eu sou da terra, nasci no Ribatejo, dou valor a terrenos férteis. No futuro quero deixar esta dedicação multitask e dedicar-me a uma só organização. Mas sei que sou uma mulher de sorte. Sabe porquê? Porque agarro as oportunidades que são minhas e não deixo que elas vão para os outros.

As pessoas não devem temer a reforma. Devem ver esta fase não como um fim, mas como uma plataforma para um mundo fascinante.

Em Portugal há empresas que orientarem os colaboradores para a reforma?
Sim, há cada vez mais empresas com bancos de voluntariado. O Montepio, por exemplo, que está agora na presidência do GRACE, e tem uma ‘pool’ de reformados da empresa que continua a fazer o voluntariado depois da vida ativa. A EDP também. E outras empresas de menor dimensão que assumem este compromissos com os funcionários.

Pensa que as empresas podiam gerir melhor a preparação para a reforma dos seus colaboradores?
As empresas podem fazer um excelente trabalho nesta área permitindo que as pessoas aprendam a fazer uma boa gestão do tempo, gestão de negociações, gestão relacional, em pacotes de formação para a reforma que podem ser úteis para os dois lados. Creio que o futuro passa por aí e acredito que com o tempo este tipo de preparação vai começar nos bancos das escolas.

A IBM é um bom exemplo?
A IBM tem programas muito interessantes. Por exemplo, diz aos colaboradores, no ativo e na reforma, que quem fizer mais de 40 horas por ano numa instituição de voluntariado à qual esteja fidelizado por mais de cinco meses, a empresa entrega em nome de cada um uma quantia em dinheiro ou em produtos à respetiva instituição.

O que gostava de dizer a quem tem uma imagem tão negativa da reforma?
Que não tenha medo, que veja esta fase não como um fim mas como uma plataforma para um mundo fascinante. Que aposte em si mesma, gostando de si e dos outros porque isso é fundamental para — como costumo designar — o produto interno de felicidade.

Com uma atividade tão intensa consegue ter férias?
Obrigo-me a ter 15 dias no verão, uma semana no Natal e tento fazer duas viagens por ano. Passei a ter férias de cinco semanas.

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