O termo “varizes dos membros inferiores” diz respeito a uma entidade clínica caracterizada por veias dilatadas e tortuosas, pertencentes ao sistema venoso superficial e que normalmente apresentam refluxo, ou seja, funcionam mal, por insuficiência valvular.
Cerca de 25 a 35% da população feminina e 10 a 25% da população masculina dos países ocidentalizados apresentam varizes dos membros inferiores com repercussão hemodinâmica, sendo as formas graves cerca de 1%. No entanto, se na definição de varizes forem englobadas todas as formas de doença venosa, nomeadamente as mais simples, as designadas varicosidades, telangiectasias ou vasinhos, o atingimento populacional é na ordem dos 80 a 85%. Assim, estamos perante uma doença que, conforme a sua situação clínica, varia entre entidades que são fundamentalmente de natureza estética a outras de grande morbilidade e incapacidade, muitas vezes com meses de ausência ao trabalho.
Várias teorias têm sido colocadas para a existência desta insuficiência valvular que conduz, nas formas marcadas, a um aumento significativo da pressão venosa no 1/3 inferior das pernas, ou seja, a um acumular de sangue na extremidade, por dificuldade do seu bombeamento para o coração. Isto conduz, nas formas avançadas, ao aparecimento de lesões descamativas, eritematosas (a chamada dermatite de estase) que finalizam nas úlceras.
Contudo, hoje em dia está perfeitamente assente que existe a nível da parede e das próprias cúspides válvulares das veias varicosadas, ao nível micro circulatório, uma marcada reação inflamatória, sendo esta a responsável pela destruição do mecanismo valvular.
Na génese desta situação inflamatória estão implicados vários fatores de risco, estudados até à exaustão, dos quais se salientam, como mais significativos, a hereditariedade, a gravidez e a obesidade, associadas, claro está, ao facto de a humanidade não estar adaptada ao ortostatismo. A hereditariedade é um fator importante no aparecimento desta doença, apesar de nunca ter sido bem definida a forma como ela se exprime. Sabe-se, no entanto, que pais com varizes podem, em cerca de 60% dos casos, ter filhos com a mesma doença e que, contrariamente ao que se pensava anteriormente, a influência paterna pode ser mais relevante que a materna. O envelhecimento leva também a um aumento significativo das varizes. Enquanto no homem a prevalência aumenta de 5 a 7% aos 30 anos de idade para cerca de 40 a 50% aos 70 anos, na população feminina a prevalência aos 30 anos é de cerca de 20 a 30%, subindo para valores de 50 a 70%, com o envelhecimento.
Diagnóstico
Não podemos deixar de referir o grande avanço que se tem verificado nas técnicas de diagnóstico. O ecodoppler (ecografia associada a exame doppler) permite um estudo perfeito da doença venosa, dispensando outros métodos que estão limitados a situações particulares, nomeadamente quando se equaciona a realização de procedimentos no sistema venoso profundo. Hoje em dia, sem um estudo por ecodoppler, não é possível ter uma ideia objetiva da forma de doença em causa e o médico que trata varizes tem forçosamente de estar familiarizado com esta técnica diagnóstica.
Tratamento
O tratamento varia com as diferentes situações clínicas. Assim, iremos unicamente referenciar os quadros mais importantes e, sobretudo, os avanços que nos últimos 15 anos têm sido mais marcantes.
Começamos pelas formas mais simples de doença venosa, ou seja, situações em que há queixas de doença venosa, mas em que objetivamente não se deteta nenhuma situação venosa grave (isto é, o exame ecodoppler é normal). São os quadros que muitas vezes têm mais um componente estético que funcional e que são caracterizados pela existência de varicosidades, telangiectasias ou varizes reticulares (varizes um pouco maiores que as varicosidades, variando entre 1 a 3mm de calibre).
Nestas situações clínicas o tratamento é sobretudo médico, tendo uma influência marcante a tomada de fármacos venoativos, quando este tipo de varizes está associado a sintomatologia venosa, pois apesar das controvérsias médicas existentes, continuam a ser, em nossa opinião, na maioria dos casos eficazes. A contenção elástica, sobretudo nas formas mais ligeiras, pode também ter uma influência marcada nestas fases, sobretudo em pessoas que tenham de permanecer durante muito tempo de pé ou sentadas na mesma posição. Contudo, no tratamento das varicosidades/telangiectasias, a estética é um fator fundamental e, dentro desta, os tratamentos que melhorem o aspeto sem grande agressividade, nomeadamente sem o uso de injeções, têm sido as soluções mais procuradas.
Apesar dos avanços na aplicação do laser percutâneo, o tratamento clássico destas formas continua a ser indiscutivelmente a escleroterapia. Muitas vezes, para um perfeito tratamento estético, a conjugação das duas técnicas – laser percutâneo e escleroterapia – leva a uma melhoria substancial dos resultados. Mas é sempre de ter em conta que estamos perante uma doença que é crónica e que necessita de uma vigilância periódica, pois as varizes têm uma recorrência marcada.
As varizes tronculares, dependentes dos eixos safenos (objetivamente verificadas através do ecodoppler) são as que levam a formas avançadas da doença e devem ser corrigidas. Se esta correção não for realizada de forma atempada, estas levarão por si só a uma dificuldade de retorno do sangue, que causará uma pressão venosa aumentada originando edema e lesões tróficas, que, em extremo, terminam no aparecimento de úlceras da perna.
O tratamento clássico desta situação consiste na laqueação da junção safeno femoral (união entre o sistema superficial e o profundo) e na exérese da veia safena insuficiente por um stripper (fio de aço ou plástico, com uma cabeça, que permite a retirada da veia), a que se associa normalmente a laqueação de veias comunicantes (a vulgarmente designada “cirurgia de stripping”). Apesar de ser das mais antigas cirurgias praticadas e de se manter, ainda hoje, como praticamente o gold standard neste tipo de patologia, tem sofrido varias modificações que têm permitido simplificar o processo e torná-lo mais estético, ainda que mantendo o mesmo tipo de complicações. A principal é, sem dúvida, a taxa de recidiva (que pode chegar a valores de 30 a 60% aos 5 e 10 anos), o aparecimento de hematomas pós-operatórios e as parestesias neurológicas. O tempo de recuperação pós operatório, cifra-se normalmente em cerca de 2 a 3 semanas, requer muitas vezes anestesia geral ou loco regional e a ambulatorização ( entrada e saída do doente no mesmo dia) é muitas vezes difícil de pôr em prática.
Em finais da década de 1990, começaram então a ser referidas na literatura mundial várias outras técnicas alternativas, baseadas no princípio do tratamento endoluminal, com o objetivo de obviar a incapacidade originada por este procedimento clássico. Na atualidade existem fundamentalmente três métodos que permitem o tratamento de varizes tronculares. Têm como característica comum o facto de ser extremamente importante o conhecimento das técnicas de ecodoppler, sem o qual a correta realização deste procedimentos está seriamente comprometida, na medida em que é através desta técnica que é possível colocar corretamente os cateteres usados nas posições pretendidas, de forma a que não originem complicações.
Os dois métodos mais consensuais (que são, hoje em dia, a primeira recomendação do NICE são os que possibilitam a abolição do refluxo da veia safena com laser (EVLT) e com radiofrequência (RFA). Neste tipo de técnicas e através de uma punção ecoguiada, é colocado um cateter perto da junção safeno femoral (cerca de 2-3 cm da crossa). O cateter está unido a um gerador de laser ou de radiofrequência e a luz que é emitida vai permitir o aquecimento das paredes da veia e do próprio sangue originando alterações no colagénio das mesmas, que levam à fibrose e oclusão da veia que posteriormente é reabsorvida.
Estes procedimentos podem ser realizados com anestesia por tumescência e em regime de ambulatório, permitindo deambulação precoce, menor morbilidade pós operatória e menos queixas álgicas, e indiscutivelmente uma recuperação ao trabalho muito mais rápida. Algumas referências têm sido feitas também ao significativo menor número de recidivas decorrentes, pois hoje parece assente que a laqueação a nível da crossa, que se realiza na clássica cirurgia de varizes, é por si só um fator de neovascularização e de recidiva. Contudo, e apesar do preço dos cateteres ter vindo a diminuir substancialmente nos últimos anos, verifica-se sempre que existe um custo acrescido que, em alguns países, tem limitado o desenvolvimento destas técnicas.
A radiofrequência, sobretudo com um novo cateter que foi desenvolvido nos últimos anos (RF Closure fast), é a nosso ver mais facilmente tolerada que as técnicas de laser, sendo a recuperação dos doentes menos demorada. No entanto, as fibras de laser têm também sofrido várias modificações no sentido da emissão de luz ser feita de forma radial, o que também é relevante na recuperação pós operatória.
Outra técnica que nos últimos anos tem merecido muito interesse para o tratamento de varizes tronculares, é a escleroterapia ecoguiada com espuma, que apresenta várias vantagens em relação à escleroterapia líquida:
1) A espuma permite o preenchimento de grandes espaços dentro das veias, a partir de volumes bem pequenos do líquido esclerosante misturado com ar;
2) A espuma promove também o deslocamento do sangue no interior da veia varicosa durante a sua injeção, permitindo um contacto mais longo e intenso com o endotélio do vaso.
3) A injeção da espuma promove um vasoespasmo na veia, maior do que é produzido pelo líquido;
4) A espuma apresenta uma perfeita eco visibilidade no ecodoppler, o que torna o método bastante seguro;
5) As microbolhas, que podem ser obtidas através de ar ou da junção ao esclerosante de CO2, apresentam boa estabilidade e elevada eficácia terapêutica.
Com este método, consegue-se uma oclusão do vaso e uma abolição do refluxo em cerca de 70 a 80% dos casos. Trata-se de uma técnica de consultório, barata, que permite o tratamento de varizes que, de outro modo, só teriam uma opção cirúrgica. Contudo, tem alguns inconvenientes, sendo o mais frequente o de implicar compressão cuidada após o procedimento, porque, caso contrário, são frequentes os episódios de varicoflebite química. Outro grande inconveniente também, e que desaconselha a utilização deste método em doentes jovens com problemas estéticos, é a alta incidência de hiperpigmentação que ocasiona, podendo chegar a cerca de 30% dos casos. Têm também sido descritas outras complicações mais graves (ocasionais), sobretudo quando foram injetadas altas doses de espuma, em que se verificou o aparecimento de acidentes vasculares cerebrais em doentes com foramen ovale permeável. Contudo, estas complicações são raras e não invalidam a técnica, que, a nosso ver, é segura e tem um papel fundamental no tratamento de varizes tronculares até 6/7 mm de diâmetro ou em varizes recidivadas, em que a sua eficácia é muito substancial, evitando a repetição de múltiplas cirurgias.
Com estes três novos métodos em discussão e com milhares de doentes já tratados, era necessário proceder a alguns estudos sobre a validade dos mesmos, até para se aferir do real papel do tratamento clássico de varizes e ter a certeza que este não se tinha transformado numa técnica obsoleta.
Nos últimos anos têm aparecido várias meta analises que têm avaliado o custo benéfico destes procedimentos, dando aos serviços de saúde algumas indicações de como proceder. A longo prazo e em termos de recidiva, podemos dizer que as duas principais técnicas endoluminais, laser e radiofrequência, são sobreponíveis à técnica clássica. Os custos, tendo em conta análises realizadas no Reino Unido, são menores se estes procedimentos forem realizados em ambulatório e com anestesia por tumescência.
A escleroterapia ecoguiada com espuma é indiscutivelmente a técnica mais barata, mas o facto de poder ter uma recidiva de 20 a 30% a curto prazo (6 meses), o que implica novos tratamentos, faz com que seja discutível como opção de primeira linha para o tratamento dos troncos das veias safenas.
Apesar destas novas técnicas, até ao momento não foi referido nenhum estudo que, de forma definitiva, afaste a técnica clássica do armentário do cirurgião no tratamento das varizes. Ou seja, apesar de alguns aspetos superiores, as novas técnicas não conseguem ultrapassar cabalmente a técnica clássica que continua a ser a mais usada em muitos países, sobretudo a nível europeu, dado que grande parte dos procedimentos são realizados em ambiente de bloco operatório.
Assim hoje em dia é fundamental que o cirurgião que trata este tipo de doença tenha um conhecimento perfeito de todos estes tipos de terapêutica, pois eles devem ser adequados ao doente e ao tipo de doença venosa em causa.