Por José de Morais Neves, director do Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho Ep, Professor Associado Convidado da Faculdade de Medicina do Porto e Paulo Jorge Carvalho, assistente Hospitalar do CHVNGaia/Espinho Ep.
A lombalgia é considerada uma epidemia nos Estados Unidos. Ela é ultrapassada somente por patologias clínicas vulgares, como a enxaqueca ou a constipação. Sendo o segundo motivo mais frequente de consulta, na sua fase inicial, por si só, a lombalgia é um sintoma e não uma doença. Sendo a dor o quinto sinal vital, a sua avaliação cuidadosa é um passo fundamental para o diagnóstico e consequente instituição do tratamento correto.
A maioria dos séries definem-na como uma dor lombar posterior, entre o rebordo inferior das costelas e as pregas glúteas. A localização, o tipo de dor, a sua duração, a severidade e a periodicidade são fundamentais para o diagnóstico. A maioria das series sugere que a lombalgia é geralmente auto-limitada, com franca melhoria em poucas semanas. A melhoria clínica nas primeiras duas semanas ocorre em cerca de 80% dos doentes.
A lombalgia representa um enorme problema de saúde pública com elevados custos socioeconómicos directos e indirectos associados. Os custos médicos e as debilidades vocacionais que advêm, assumem uma importância que não poderá ser negligenciada, com avultados prejuízos em face do absentismo laboral associado.
Causas
A lombalgia tem muitas causas diferentes. Muitas vezes o curso célere de uma crise álgica lombar impede um correto diagnóstico. Em 85% das queixas lombares, não é possível o diagnóstico com base na história clínica, exame físico e estudo imagiológico. Factores psicológicos e emocionais, particularmente a depressão e a labilidade humoral, têm sido frequentemente associados a queixas lombares. Os achados mais conclusivos, apontam que o stress psicológico, sintomas de depressão e humor negativo são considerados factores preditivos negativos, independentemente das queixas iniciais.
Factores de pressão social e relacionados com as actividades laborais, têm também sido implicados e são difíceis de ultrapassar. Um dos mais frequentes correlaciona-se com a expectativa de receber algum tipo de compensação ou indemnização da entidade patronal. Particularmente a insatisfação laboral, tem sido rotineiramente associada com as queixas de lombalgia e de incapacidade. Alguns autores apontam também os baixos níveis de escolaridade com as lombalgias. Porém esta associação permanece inconclusiva.
Os fumadores apresentam uma incidência elevada de hérnias discais e de lombalgia crónica. Os resultados dos tratamentos conservadores e cirúrgico são piores em doentes fumadores, havendo mesmo uma maior taxa de complicações após o tratamento cirúrgico. Por estas razões, a cessação do hábito tabágico é um factor importante em doentes com lombalgia.
Subsiste a evidência de que a obesidade contribui para a manutenção das queixas álgicas, após um primeiro episódio de lombalgia, sendo que os autores concluem que poderá estar associada à cronicidade e à recorrência das queixas álgicas.
A lombalgia é uma queixa frequente durante a gravidez e afecta cerca de 68% das grávidas. As grávidas mais jovens e aquelas com queixas previamente à gestação, são as que apresentam maior risco. Embora de severidade moderada e de bom prognóstico, em 21% dos casos, as queixas persistem dois anos após a gravidez.
Tratamentos
O tratamento da lombalgia é um desafio para o clínico, que advém da complexidade da sua etiologia, da sua frequência e da pletora de tratamentos existentes. A maioria apresenta um curso benigno e auto-limitado, facto que deve ser explicado ao doente. A maioria da população refere um ponto álgico doloroso na região lombar, em algum período da sua vida. Muitos doentes tratam as suas próprias queixas, de forma singular e independente. Apenas 33% dos doentes procuram tratamento médico em alguma instituição de cuidados de saúde. De modo genérico, o tratamento das lombalgias envolve avultados gastos monetários, direta e indiretamente, com dispêndio precioso de horas laborais.
Tratamento conservador
A medicação é frequentemente usada no tratamento conservador das lombalgias. Os anti-inflamatórios não esteróides (AINE) são vulgarmente prescritos, não só pela sua actividade principal anti-inflamatória, como também pela sua acção analgésica. Apresentam efeitos laterais frequentes, sendo os gastrointestinais os mais frequentes, com dispepsia, erosões da mucosa e hemorragia. Os novos AINE com bloqueio selectivo da COX 2, apresentam maior propensão anti-inflamatória, com menor taxa de complicações associadas. Têm efeito superior ao placebo em situações agudas. Já em situações crónicas o seu benefício não é conclusivo.
Os opióides e o acetaminofeno são analgésicos frequentemente prescritos, mas com riscos conhecidos. A hepatotoxicidade do acetaminofeno deve ser considerada. Os opióides apresentam curta duração de acção e efeitos adversos frequentes, os quais são geralmente toleráveis alguns dias após o seu início. Destes salientam-se as tonturas, a secura das mucosas, as náuseas e os vómitos, a perda de equilíbrio e a obstipação. O seu mecanismo de acção, deve-se à sua ligação aos receptores que normalmente estariam activos por substâncias endógenas no sistema nervoso central. Embora rotineiramente utilizados nas lombalgias, a acção dos opióides é geralmente controversa, não existindo suporte na literatura que favoreça a o seu uso.
Os relaxantes musculares aparentam ter uma acção superior ao placebo. As contraturas da musculatura paravertebral são frequentes e poderão responder bem ao tratamento com estas substâncias em situações agudas. Os seus efeitos adversos mais frequentes, incluem sedação, adicção e intolerância.
Os corticoesteróides não têm benefício comprovado e o seu uso é limitado pelos frequentes efeitos laterais associados. Apresentam risco de lesões gastrointestinais superior aos dos AINE, osteopenia e necrose avascular do fémur e úmero. Por outro lado aumentam o risco de infecção.
Os anti-depressivos têm tido uma utilização crescente especialmente em situações de perturbações psicológicas ou depressão associadas. Têm efeito comprovado quando usados de forma singular, mas a sua acção é comprovadamente potenciada quando associados a outras terapias.
Os anti-convulsivantes, geralmente utilizados na dor neuropática, têm uma acção questionável nas lombalgias.
O repouso no leito é indicado numa fase inicial, por períodos curtos, em doentes que não toleram o levante. O consenso actual aconselha períodos curtos de repouso, que não excedam os três dias. É importante informar e educar os doentes para o curso benigno da patologia, estimulando que se devem manter activos, iniciando de forma célere o retorno às actividades normais, com evicção apenas do levante de objectos pesados, sob carga lombar.
A fisioterapia tem benefício na melhoria das queixas e em providenciar conforto aos doentes, quando com crise álgica. Existem publicações que favorecem a sua utilização, com resultados superiores aos do tratamento médico isolado, durante um período de seis meses, especialmente se o tratamento for supervisionado por médicos fisiatras. Existem múltiplos tratamentos desde os alongamentos em flexão e extensão assistidos, exercícios de resistência progressivos e treino de estabilização dinâmica. Parecem conferir benefício pela diminuição do espasmo muscular e pela estabilização vertebral. As massagens melhoram os sintomas e a função, em doentes com lombalgia inespecífica. Em associação aos exercícios, é fundamental a educação dos doentes em relação à sua postura de laser e laboral, bem como o entendimento das razões pelas quais um mau uso da coluna vertebral poderá desencadear a dor.
As ortóteses lombares têm como objectivo a imobilização e a estabilização. Estão indicadas em situações traumáticas com fracturas concomitantes, nas espondilolistesis e nos pós-operatórios de cirurgia lombar. Não existe evidência na literatura que suporte o seu uso continuado, estando associadas a dependência psicológica, incapacidade e atrofia muscular. Embora usadas frequentemente não parecem alterar o curso normal das lombalgias.
As injecções selectivas permitem a analgesia precisa de pontos anatómicos dolorosos previamente identificados. O espaço epidural é o local mais utilizado, sob controlo radiológico. Estão particularmente indicadas quando coexiste patologia radicular, nas lombalgias secundárias a patologia sacro-ilíaca e das facetas articulares.
A electroterapia térmica intradiscal (IDET) tem ganho popularidade nos últimos anos, no tratamento das lombalgias de etiologia discogénica, geralmente diagnosticada após realização de RMN ou discografia. O procedimento envolve o aquecimento de eléctrodos colocados na circunferência interna do anulus. Desconhece-se o mecanismo que justifica o alívio da dor. Geralmente é utilizada em doentes com lombalgia de etiologia discogénica, que por alguma razão não são candidatos ideais à artrodese lombar. Os defensores advogam o seu uso em doentes com lombalgia superior a seis meses, persistente, com falhanço a outros programas de educação, medicação e reabilitação já instituídos. Os trabalhos publicados têm apresentado resultados controversos.
Tratamento cirúrgico
Embora para algumas patologias seja necessário um tratamento cirúrgico com carácter de urgência – síndrome da cauda equina, patologia infecciosa, neoplasias, fracturas traumáticas – na maioria dos casos esta situação não se verifica, pelo que na ausência de um défice neurológico ou dor progressiva, deverá ser instituído um tratamento conservador por um período mínimo de quatro a seis semanas.
O tratamento da lombalgia crónica é controverso. Não existe consenso entre o tratamento cirúrgico e o conservador. Na ausência de défice neurológico, neoplasia, infecção ou trauma, os doentes deverão seguir um período de seis meses de tratamento conservador, nas suas diversas modalidades, desde medicação, fisioterapia e alteração de hábitos higieno-dietéticos. Só após o falhanço destes no tratamento da dor, no período de tempo indicado, é que se deverá considerar o tratamento cirúrgico, nas lombalgias crónicas.
O tratamento cirúrgico pode envolver a fusão do segmento envolvido ou não. Entre as técnicas que não envolvem a fusão, a estabilização dinâmica com estabilizadores interespinhosos, envolve a colocação de um implante interespinhoso que vai diminuir as queixas lombares, pela diminuição da mobilidade e assim a carga mecânica sobre um segmento com patologia facetaria. A sua eficácia é controversa e não está comprovada na literatura para o tratamento das lombalgias.
A artroplastia de disco é uma técnica emergente como alternativa à artrodese lombar. Deve contudo, ser considerada em casos muito seleccionados, preferencialmente jovens. As suas vantagens teóricas são a preservação de mobilidade no espaço afectado e a preservação do desgaste e da deterioração dos discos adjacentes. Não está aprovado o seu uso quando a patologia afecta múltiplos discos intervertebrais. Como é técnica recente, levanta ainda algum cepticismo, sendo necessários estudos com seguimentos mais prolongados.
A artrodese lombar que poderá ser realizada por via tradicional aberta, ou mais recentemente, por uma abordagem mini-invasiva. Os defensores desta abordagem mini invasiva alertam para as menores perdas sanguíneas intra-operatórias, recuperação física e retorno às actividades laborais mais célere, assim como menor tempo de estadia hospitalar.