Desde pequena que se recorda de ajudar os outros e de se preocupar com todos os que foram tocados pela pobreza. Aos 27 anos fez a primeira viagem de voluntariado e desde então, cada nova experiência, dá-lhe a certeza de que é a esta atividade que se quer dedicar. Depois da última viagem criou um grupo no Facebook para angariar fundos. O objetivo é ensinar as crianças a pescar, em vez de simplesmente lhes dar o peixe.
Como surgiu o interesse pelo voluntariado?
Não sei exatamente quando decidi que gostaria de fazer voluntariado, mas confesso que desde criança sempre que vinha a Lisboa com a minha mãe ou avó materna, fazia questão de trazer uma bolsa com todas as moedas “pequeninas” que ia guardando religiosamente para distribuir na Rua Augusta a todos quantos pediam e que precisavam.
Talvez já tenha nascido voluntária. Sempre senti que é dando que se recebe!
Tive o privilégio de uma infância muito feliz, sem riqueza mas com todos os elementos que considero essenciais para fazer uma criança feliz: Amor, Alimentação, Educação e Acesso a cuidados de saúde. Os meus pais fizeram tudo para nos dar o melhor que estava ao seu alcance. Sempre fui muita atenta e sensível às notícias da miséria no mundo, às dificuldades das pessoas mais pobres. Os meus pais foram de famílias muito humildes, mas em adultos, com uma vida de trabalho mas mais equilibrada, sempre os vi a partilharem o que tinham, e sempre os ouvi dizer que os seus pais faziam o mesmo.
A Madre Teresa disse que não há grandes feitos – apenas pequenos feitos realizados com um grande amor. O sentido de tudo isto é dar, é distribuir com amor e partilhar! Talvez já tenha nascido voluntária, sempre senti que é dando que se recebe!
Por onde começou?
A Índia sempre me fascinou! Sempre estive rodeada da tradição e cultura indiana na minha infância em Almada. Quando comecei a pesquisar mais sobre a história da Índia fiquei igualmente apaixonada pela história de Gandhi. Como é que um homem conseguiu mudar a história do seu país? Porque não há herdeiros diretos de bons corações e coragem?!
Em 2005 tentei juntar-me a algumas organizações não-governamentais para fazer voluntariado mas o valor exorbitante que me pediam era para mim impraticável. Em 2006 iniciei um projeto, fiz uma contextualização socio cultural e apresentei argumentos para o meu trabalho a desenvolver em Bangalore num orfanato que tinha contactado. Apresentei-o à Fundação Oriente e foi aprovado, e assim ganhei uma ajuda preciosa para as despesas e fui.
Voltei à Índia em 2012, numa viagem planeada a dois para conhecer o país. Considerando passar uns dias em Goa, antecipei os contactos com a ONG El Shaddai Charitable Trust, e a colaboração da Anita Edgar e do Matthew Kurian foram fundamentais para que tivesse oportunidade de visitar todos os orfanatos, centros de dia e pelo menos um dos bairros de lata onde intervêm continuamente. Apaixonei-me pelo projeto e quis ajudá-los em Portugal na sua divulgação e na ajuda a possíveis voluntários que tivessem a mesma paixão que eu. Fiz inclusivamente um website em Portugal e, para ajudar a voluntária do Brasil, fiz também gratuitamente a duplicação do meu para o Brasil.
Onde me sinto útil e realizada, é a ajudar quem mais precisa e, em especial, as crianças.
Sempre com interesse neste trabalho e informação sobre instituições e pessoas, este ano não consegui conter as borboletas e, mais corajosamente do que é habitual, falei no trabalho sobre a minha vontade, e a verdade é que comprei a viagem no final de Janeiro e a 1 de Março lá estava eu, sozinha, numa viagem de duas dezenas de horas, a caminho do Camboja, para ir ajudar e aprender no projeto de uma senhora portuguesa. Foi uma experiência de 10 dias, que me fez rever que é de facto o meu desígnio, a minha vontade maior. É verdadeiramente onde me sinto feliz e me sinto absolutamente útil e realizada, é a ajudar quem mais precisa e em especial as crianças.
A menina So foi a inspiração de Susana para criar a Teach How to Fish, uma forma de mudar a vida das pessoas mais pobres.
Qual a situação que mais a marcou?
Pela proximidade talvez a da “minha” menina So. O Sovann, um adulto com mais ou menos a minha idade, nasceu no seio de uma família paupérrima e agora, com mais possibilidades, criou o Kindergarten, onde as crianças pobres da sua aldeia têm acesso a educação. Numa das visitas à escola, rapidamente se formou uma roda para que alegremente entoassem palavras numa qualquer língua a que lhes soavam as canções em inglês. Olhei e vi de parte duas meninas, aproximei-me delas e agarrei nas suas mãos minúsculas levando-as para a roda. A minha princesa estava envergonhada, calada e triste. Íamos entregar kits de higiene a cada um dos 75 meninos, e fazer demonstrações e lavar a cabeça a pelo menos dois. Escolhi-a de imediato! Tinha o corpo negro, sujo, as roupas sujas também e rasgadas. Lavei-lhe a cabeça, e com toalhetes para bebé que tinha na mochila, limpei-lhes as pernas, os pés, os braços, as mãos e a cara. Acompanhava o lenço que lhe passava na cara para cheirar o seu perfume. E quando terminámos, sentada de joelhos à sua altura, levantei-lhe o queixo e sorri para ela e foi maravilhoso quando também ela sorriu para mim… pela primeira vez! Desde aí, parecia outra. Cantava e dançava, participando e interagindo com as outras crianças, sempre de forma muito discreta mas mais confiante.
Quando regressei a Portugal, deixei um pedido de coração à senhora com quem estive, que me ajudasse a saber mais desta menina. Descreveu-me um cenário de pobreza extrema, uma família que vive com apenas 50 USD por mês, tem dois irmãos mais bebés e um outro a caminho. A primeira solução foi dar-lhes comida, mas esta situação tirou-me a paz e o sono, e tinha de fazer mais. Em Portugal, motivada por esta situação, criei uma página e grupo no facebook a que chamei Teach How to Fish, cujo principal objetivo é a angariação e troca de ideias para desenvolver um projeto que permita mudar a vida das pessoas mais pobres de forma mais sustentada. Vamos desenvolver o primeiro projeto no Kindergarten, através de algumas soluções como a agricultura e a criação de animais, de modo a dar empoderamento a estas famílias. Em simultâneo, pretendemos dinamizar a qualidade de ensino a estas crianças e criar uma rede de voluntários para o ensino de inglês. Para começar, desenvolvemos o website do Kindergarten de modo a ser um canal de comunicação para todo o mundo e de ajuda direta sem necessidade de intermediários.
Apenas com trabalho e acompanhamento em permanência conseguimos resultados duradouros.
Acredita que tem conseguido fazer a diferença?
Tenho perfeita noção que a diferença que fazemos é no momento. Apenas com trabalho e acompanhamento em permanência conseguimos realmente ver resultados duradouros. Foi sempre pouco tempo para mim, dai a necessidade do projecto Teach How to Fish. Sem a minha presença, talvez tenha ajudado e contribuído de modo a fazer a diferença na vida da Susan, contribuindo mensalmente para os seus estudos. A Susan é uma menina acolhida pela Addhu no Quénia. Apadrinho a Susan há praticamente 5 anos. Tem excelentes notas, é uma menina muito doce e meiga, inteligente e que gosta de ajudar os outros. Gostaria de vir a ser cantora e escreve-me duas vezes por ano. Também recebo relatórios com as suas notas e outras informações importantes sobre ela.
O que tenho aprendido nestas experiências ou viagens?
Aprendo sempre tanto! Aprendi que a importância das coisas é sempre relativa, aprendi a dar ainda mais valor ao que tive enquanto criança, e também à sorte que tenho hoje por a minha vida de uma forma ou outra me ir permitindo ajudar. Aprendi que nunca me esquecerei de ninguém nem de qualquer momento, e que provavelmente também não nos esquecem e depositam em nós todas as esperanças. Aprendi que vale sempre a pena lutar, ter fé e esperança que mesmo poucos conseguimos, se não mudar, pelo menos melhorar consideravelmente a vida de alguém. Aprendi que a crise que o mundo atravessa é sobretudo de valores e não financeira. Aprendi a ouvir apenas o bem sobre este assunto e filtrar o mal para não me desgastar com o que não importa. Aprendi que quando é para acontecer, acontece mesmo. Aprendi que é a dar que se recebe de verdade!
Gostava de dedicar a minha vida a ajudar o mundo a ficar um lugar melhor para as crianças.
Qual o investimento que tem dedicado ao voluntariado?
Até ao momento não tive qualquer organização ou patrocínios. Todo o dinheiro que invisto é ganho por mim e é fruto do meu trabalho, e amealhado com este propósito. Para o Camboja posso dizer que tive de gastar cerca de 1.500€ (para 6 voos, refeições, deslocações e hotel modesto para os 10 dias). Fora deste valor está o valor que terei de pagar a troca dos dias por comissões, uma vez que optei por não usufruir de férias para não prejudicar a minha vida familiar com esta minha decisão que é pessoal. A título de esforço investido foram as horas de trabalho para a empresa, pós voluntariado, que fiz mesmo com as 7 horas de diferença, para não abandonar o meu posto de trabalho. Foi um compromisso assumido e sugerido por mim para com a minha diretora, como forma de agradecimento pela compreensão e disponibilidade que demonstrou quando lhe fiz o pedido.
Que projetos tem para o futuro nesta área?
O meu objetivo a curto prazo é regressar ao Camboja já no início do ano com um projeto em mãos do Teach How to Fish. Irei angariar donativos através do website Indiegogo para conseguir voltar nessa altura e conseguir ficar mais tempo. Pretendo manter o contacto com todas as pessoas e organizações com quem me relaciono hoje, mas ter um trabalho livre de burocracias. O que mais me apaixona é o trabalho no terreno, o ajudar as pessoas, as crianças, essa é a minha visão, o meu projeto. Tenho a obrigação moral de “Ensinar a pescar ao invés de dar o peixe” o que me dará certamente outras tarefas e trabalho a desenvolver também durante a minha estadia, no entanto nunca deixarei de passar tempo com as crianças a cantar e a brincar com elas, porque além de ser essencial para elas, é uma fonte de amor inesgotável para mim.
O meu grande sonho e projeto a longo prazo, é encontrar uma forma de financiamento para fazer do voluntariado a minha vida e poder dedicar-me localmente a 100%. Gostava de dedicar a minha vida a ajudar o mundo a ficar um lugar melhor para as crianças.
O QUE TRAGO PARA O DIA-A-DIA NO TRABALHO
“O voluntariado torna-me uma pessoa mais tolerante, compreensiva e com sentido de trabalho e de prioridades. No entanto, também tem o lado lunar, porque sou mais exigente e inflexível com a preguiça ou falta de sentido de responsabilidade.”