Registo de marcas. Vamos desta para melhor?

A jurista Bárbara Pestana analisa as principais alterações introduzidas pelo novo Código da Propriedade Industrial.

Bárbara Pestana, advogada e sócia da PMCM – Advogados.

Em plena era tecnológica, e sendo o Direito uma ciência viva, cabe-lhe acompanhar e contribuir para a dinamização da inovação, motivar o espírito empreendedor e, consequentemente, o desenvolvimento da economia.

É este o espírito das duas diretivas comunitárias que foram transpostas para o nosso ordenamento jurídico e deram origem ao novo Código da Propriedade Industrial. Uma, em matéria de marcas (Diretiva (EU) 2015/2436 do PE e do Conselho, de 16 de dezembro), outra, em matéria de proteção de know-how e segredos comerciais (Diretiva (EU) 2016/943 do PE e do Conselho, de 8 de junho).

No âmbito das marcas foram consideráveis (e algumas delas verdadeiramente inovadoras) as alterações trazidas pelo novo Código.

Marca: Desde logo o próprio conceito de Marca inspira e motiva o empreendedorismo, uma vez que permite dar asas à imaginação e registar como marca (para além das clássicas representações gráficas) cheiros, movimentos, sons, etc., desde que estes tenham, obviamente, um caráter distintivo, e desde que permitam determinar, de modo claro e preciso, o objeto de proteção. Diria mesmo que, cumpridos estes e outros requisitos legalmente previstos, a imaginação é o limite.

Ora, esta possibilidade altera potencialmente o comportamento dos agentes económicos, desenvolvendo a capacidade criativa, dinamizando a concorrência e trazendo para a nossa economia um empreendedorismo mais arrojado, podendo mesmo provocar, a médio prazo, uma alteração da consciência social. E só temos a ganhar com isso. Para a frente é que é o caminho!

A Ferrari perdeu a exclusividade da marca Testarossa por não ter conseguido provar o seu uso sério perante o tribunal.

Uso sério da marca: Nota-se neste novo Código uma verdadeira preocupação no sentido de garantir que a marca registada será efetivamente usada pelo seu titular durante todo o seu período de vigência.

É agora expressamente permitido o registo de uma marca nova que foi alvo de oposição pelo titular de uma marca idêntica previamente registada, há pelo menos 5 anos, e não fazia um uso sério da mesma.

Considera-se, como aliás já se considerava antes do novo Código, que a liberdade do registo de marcas é fundamental para que o comércio possa fluir com naturalidade. A liberdade do registo de marcas é do interesse público. Mesmo as que, embora gozassem de proteção, deixaram de ser usadas.

Recordemos o caso da Ferrari que, em 2017, perdeu a exclusividade da marca Testarossa para a Autec AG, uma empresa alemã, fabricante de brinquedos e pequenos eletrodomésticos. A Ferrari não utilizava a marca Testarrosa desde 1995 e, uma vez que não conseguiu provar o seu uso sério perante o Tribunal de Dusseldorf, que dirimiu o litígio, perdeu o direito ao seu uso exclusivo.

Moral da história: o uso sério da marca é fundamental para garantir a sua proteção, e as marcas de prestígio não são exceção a esta regra.

Reforço do direito de propriedade industrial: O novo Código confere ao titular do registo a possibilidade de impedir, no decurso de operações comerciais, a introdução, em território nacional, de mercadorias em trânsito, que provenham de países terceiros (extra EU) e que ostentem uma marca igual ou semelhante à marca registada para essas mercadorias.

Esta regra é uma medida de combate à contrafação, e veste o espírito de proteção reforçada que todo o Código revela relativamente a todos os títulos de propriedade industrial. Uma medida que merece aclamação!

De nada servirão as alterações legislativas agora trazidas, se não se aplicar a lei de forma célere e eficaz. É preciso desempoeirar todos os mecanismos e organismos que estão à nossa disposição e investir seriamente neste ponto.

Prazo e Taxas: O registo será válido por 10 anos, tal como antes, contudo, tal prazo será contado a partir do momento do pedido e não da concessão, como acontecia até agora.

O pagamento da taxa de registo terá dois instantes. O primeiro coincidirá com o momento do pedido de registo e, o segundo, com o momento da concessão do registo da marca, se aprovada.

Impugnação da validade da marca: O novo Código atribui ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial a competência para a anulação e declaração de nulidade do registo da marca, até agora reservada ao Tribunal da Propriedade Intelectual.

Aparentemente, esta alteração de competência facilitará a impugnação da validade da marca, esperando-se uma maior celeridade e simplificação do processo. Suscita-se, contudo, a dúvida, relativamente à eficácia desta medida, uma vez que a entidade que apreciará a anulação ou nulidade do registo, é a mesma que o concedeu e não, propriamente, uma entidade nova que, necessariamente, analisaria o pedido com outros olhos, livres de qualquer ideia previamente concebida.

Vamos desta para melhor? Acredito que sim. Contudo, de nada servirão as alterações legislativas agora trazidas, se não se aplicar a lei de forma célere e eficaz. É preciso desempoeirar todos os mecanismos e organismos que estão à nossa disposição e investir seriamente neste ponto. Bem sabemos que, em matéria de marcas, são muitos os conflitos que aguardam por uma decisão judicial, e conhecemos também a morosidade da nossa Justiça. Por isso, acredito que beneficiaríamos com um número acrescido de Tribunais de Propriedade Intelectual e de magistrados especializados na matéria.

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