Licenciada em Língua e Cultura Portuguesa, Raquel Mendes escolheu um caminho muito diferente para desenvolver a sua carreira. Começou a trabalhar em logística em 2002, tendo feito uma especialização em Gestão Industrial e, mais tarde, um MBA em Gestão Empresarial para reforçar as competências necessárias para fazer uma carreira sólida nesta área. Nos últimos quase 20 anos, Raquel Mendes trabalhou em diversas multinacionais nas mais diversas funções relacionadas com Supply Chain e nas mais distintas áreas de negócio, desde o setor ferroviário (na Alstom) e a grande distribuição (no Auchan e no Intermarché), aos operadores logísticos (como a Logiters e a Salvesen). Atualmente, é diretora de Logistica na Saica Pack, na Marinha Grande. Esta é uma das quatro empresas do Grupo Saica, um dos líderes na Europa no fabrico de papel reciclado para cartão ondulado, que tem uma produção anual de 3,3 milhões de toneladas. Com mais de 10 mil colaboradores em Espanha, França, Itália, Portugal, Reino Unido, Irlanda, Turquia, Luxemburgo, Holanda e, brevemente, nos Estados Unidos, o Grupo Saica tem quatro linhas de negócio: fabrico de papel reciclado para cartão ondulado (Saica Paper), gestão de resíduos e serviços meio-ambientais (Saica Natur), produção de embalagens de cartão ondulado (Saica Pack) e embalagem flexível (Saica Flex). Entre os seus principais clientes contam-se, entre outros, a Amazon, Nestlé, Procter & Gamble, Unilever, Henkel e El Corte Inglés.
A pandemia implicou grandes mudanças no ambiente laboral. Quais as principais aprendizagens que a sua empresa fez a este nível durante este período?
Penso que tivemos uma enorme capacidade humana de adaptação em relação ao meio, incluindo o organizacional. Muitas das ferramentas, se não todas, já estavam disponíveis, mas a pandemia serviu como uma alavanca propulsora do processo de transformação digital.
Na nossa atividade direcionada a clientes, parceiros, gestão de equipas, prospeção comercial, em que o normal tem muito que ver com reuniões e acompanhamento presencial, todo o contacto passou a ser feito à distância. Apresentar produtos, agendar reuniões e, por fim, fechar vendas são das tarefas que mais têm sofrido pois, muita da nossa comunicação, capacidade argumentativa e, acima de tudo, fatores de apoio à decisão baseavam-se em elementos presenciais.
Assim diria que a adaptabilidade foi a nossa maior aprendizagem. Adaptabilidade porque com muita rapidez conseguimos criar meios e ferramentas de forma a poder ter o maior número de colaboradores em teletrabalho (e como bem sabemos passar a trabalhar em casa onde a abjunção do trabalho versus vida familiar não é de todo fácil), conjugando o trabalho destes colaboradores com todos aqueles cujo carácter das suas funções tiveram de permanecer a trabalhar física e diariamente em fábrica, em particular as Operações (Produção e Logística).
O facto do nosso core business se centrar na produção de embalagens para a indústria de bens alimentares de primeira necessidade faz com que a nossa evolução seja mais estável do que a de outros setores.
Qual o impacto que teve no vosso negócio e como reagiram?
O facto do nosso core business centrar-se na produção de embalagens para a indústria de bens alimentares de primeira necessidade, como por exemplo: lacticínios e seus derivados, carnes e seus derivados, bolachas, conservas, bebidas; fabricação de embalagens de detergentes e desinfectantes e caixas para a indústria farmacêutica e higienização individual e industrial, a nossa actividade torna-se essencial à manutenção das cadeias de distribuição de tais matérias e como tal a nossa evolução é mais estável do que a de outros sectores.
Tivemos um pico de produção devido à loucura que se desencadeou com as compras nos supermercados, a qual foi diminuindo gradualmente e tem-se mantido um pouco abaixo do ano passado. Para além do incremento na área alimentar também as embalagens de e-commerce tiveram um acréscimo, no entanto notamos francamente que muita indústria parou.
Quais têm sido os seus principais desafios como diretora de logística neste novo contexto?
Com os avanços e recuos da propagação do vírus que alastrou a pandemia COVID-19 um pouco por todo o mundo, surgiram custos e riscos na gestão logística que tiveram de ser ainda mais balanceados, como por exemplo:
Gestão de stocks: a gestão de excessos de produção passou a representar perdas de recursos assim como as rupturas de stocks, as quais provocaram falhas na rentabilidade e produtividade. Por isso, é importante e vital ter uma maior visibilidade dos stocks disponíveis de forma a simplificar a preparação de pedidos e de toda a gestão logística honrando os compromissos e os níveis de serviço acordados com os nossos clientes.
Gestão de recursos humanos: especialmente em tempos adversos, a falta de mão-de-obra é um dos maiores desafios na gestão de armazéns. E uma má gestão do capital humano pode atrasar toda a cadeia, torná-la ineficaz e criar gastos desnecessários de recursos. É fundamental manter equipas motivadas e focadas na excelência do desempenho das suas tarefas.
Sistemas informáticos: O avanço tecnológico é a resposta mais assertiva e eficaz que podemos ter como aliado das operações logísticas. Sistemas que nos permitam aceder á informação de forma fácil e imediata, compilar informação e mensuração de KPI’s de forma a ter uma maior performance no nível operacional e de resposta aos clientes.
Flexibilidade: tornou-se ainda mais fundamental a adaptabilidade e flexibilidade da estratégia de gestão logística para responder às tendências actuais do mercado. Encontrar soluções no imediato, fora da caixa e para além da caixa e ter capacidade de resposta às solicitações por parte dos nossos clientes, nunca descurando nos custos associados, obviamente.
Mesmo antes da pandemia a logística já vinha a sofrer várias mudanças nas suas áreas de actuação, quer seja pela digitalização, robotização, rastreabilidade, etc.
Que impactos duradouros poderá ter esta crise no seu negócio e, em particular, na sua função?
O momento é sem dúvida complicado e inspira-nos preocupação pois queremos proteger a saúde dos nossos colaboradores e em simultâneo procurar manter a estabilidade produtiva da nossa unidade.
Acredito que pelo facto de produzimos embalagens para indústrias de bens de primeira necessidade os impactos serão menores. Quero com isto dizer que certamente iremos deambular entre os altos e baixos que a procura de mercado vai ditar aos nossos clientes e, consequentemente o que as suas necessidades nos ditarão a nós enquanto fornecedores.
Nesse cenário, sobrevivem as organizações preparadas para lidar com os impactos da recessão e que possuem a capacidade de se adaptar a novos mercados fazendo as escolhas operacionais acertadas, tendo o futuro em mente.
Mesmo antes da pandemia a logística já vinha a sofrer várias mudanças nas suas áreas de actuação, quer seja pela digitalização, robotização, rastreabilidade, etc.
O Covid-19 tem-se mostrado como um acelerador de algumas dessas tendências e, ao mesmo tempo, um desafio para uma outra parte desse grupo. Acredito que na maioria dos negócios haverá uma nova logística, ou pelo menos, desafios dentro de novos contextos globais.
Termino afirmando que se já antes sabíamos que esta era uma das áreas com maior crescimento e futuro, isto porque é crucial na manutenção das condições básicas de funcionamento da sociedade, agora, mais que nunca, derivado à situação pandémica que vivenciamos, a logística tornou-se vital e imprescindível! Nunca é demais relembrar que em situações extremas de calamidade a logística tem sido (e será!) uma das áreas mais estratégicas e com maior adaptabilidade às necessidades dos mercados e dos consumidores.