“Falta talento feminino nas áreas tecnológicas”

Como estão as empresas tecnológicas a captar e reter talento feminino? Que desafios aguardam as mulheres que se aventuram a empreender ou a fazer carreira nas IT? Cristina Gamito, da Deloitte, Ana Oliveira, da Samsung Electronics, Marta Belo, da EDP, e Amélia Santos, da Innuos, partilharam as suas experiências profissionais e um olhar sobre o setor.

Marta Belo, da EDP, Ana Oliveira, da Samsung Electronics, Amélia Santos, da Innuos, e Cristina Gamito, da Deloitte, no painel Mulheres na Tecnologia.

O terceiro painel de debate da 6.ª Grande Conferência Liderança Feminina debruçou-se sobre o tema das mulheres na tecnologia, com as contribuições de Cristina Gamito, partner da Deloitte, Ana Oliveira, diretora de marketing e retail da Divisão Mobile da Samsung Electronics, Amélia Santos, fundadora e CEO da Innuos, e Marta Belo, diretora de Serviços Corporativos da EDP Global Solutions. 

“Os processos de recrutamento nas empresas de tecnologia ainda são muito definidos pelos homens e marcados pela dificuldade em progredir na carreira. A discriminação de género aparece como primeira causa, seguida da falta de equilíbrio saudável entre a vida pessoal e profissional”, Cristina Gamito, partner da Deloitte.

A escassez de talento feminino nas áreas tecnológicas foi lembrada por Cristina Gamito, que se licenciou em Engenharia Electrotécnica há mais de duas décadas. “Falta muito talento feminino nesta área. A minha filha licenciou-se há relativamente pouco tempo e encarou exatamente a mesma realidade. Apesar das mulheres representarem a maior parte dos licenciados em Portugal, a presença feminina nestas áreas é muito reduzida. Acima disto, os processos de recrutamento ainda são muito definidos pelos homens e marcados pela dificuldade em progredir na carreira. A discriminação de género aparece como primeira causa, seguida da falta de equilíbrio saudável entre a vida pessoal e profissional. Também há falta de mentores na progressão de qualquer nível de carreira na tecnologia.”

Para Ana Oliveira,  a mudança tem que começar nos bancos da escola, ainda antes da faculdade. “A Samsung é uma empresa onde as mulheres ainda estão em minoria mas estamos a trabalhar muito para mudar essa realidade. E isso começa nas escolhas. É preciso que as mulheres vejam as carreiras em tecnologia como sendo uma área sexy. Precisamos de fazer ouvir as nossas vozes para combater a formatação que possa existir nas empresas.”

“Não há assim tantas mulheres empreendedoras [na área da tecnologia]. Tipicamente, os investidores gostam de negócios que possam escalar rapidamente e podem também não ter a abertura de espírito para perceber que certos negócios têm potencial de crescimento”, Amélia Santos, fundadora e CEO da Innuos.

Depois de 14 anos de carreira em empresas de IT, Amélia Santos decidiu lançar o seu próprio negócio, a Innuos. “Começou pelo meu interesse em música e por sentir que não havia soluções digitais com boa qualidade de som e que fossem fáceis de usar. Então decidimos lançar a nossa marca de audio digital com qualidade. Decidimos fazer bootstrapping [investimento com capital próprio ou receitas da empresa] do projeto. Hoje estamos muito bem estabelecidos, presentes em 40 mercados diferentes e recomendados por marcas relevantes, mas muitas outras empresas tecnológicas têm problemas em conseguir financiamento. Primeiro porque não há assim tantas mulheres empreendedoras nesta área. Eu própria era muito avessa ao risco e tive que pensar no pior que me podia acontecer se isto não corresse bem. Já tinha uma criança nessa altura e decidi com o meu marido deixar de trabalhar para nos dedicarmos à empresa. Tipicamente, os investidores gostam de negócios que possam escalar rapidamente e podem também não ter a abertura de espírito para perceber que certos negócios têm potencial de crescimento.”

“Sinto que nas equipas de projecto que tenho liderado há uma grande diversidade de género, mas que nem sempre as mulheres têm coragem de expor as suas ideias. Isso muda sempre que os líderes lhes dão uma atenção extra para ganharem a confiança de que precisam, até para evitar o fenómeno do mansplanning”, Marta Belo, diretora de Serviços Corporativos da EDP Global Solutions.

E para quem pensa que este setor é só para aqueles que cursam engenharias, desengane-se. Marta Belo vem de uma família de engenheiros mas formou-se em Economia. Ainda exerceu funções nessa área na indústria da cosmética, mas não perdeu a oportunidade de fazer a mudança para as IT. “Foi muito importante em termos de background mas entendi que aquilo que me fazia feliz todos os dias era mudar a vida de pessoas, sejam colaboradores ou clientes. Foi aí que entendi que queria investir na tecnologia e na transformação digital. Sinto que nas equipas de projecto que tenho liderado há uma grande diversidade de género, mas que nem sempre as mulheres têm coragem de expor as suas ideias. Isso muda sempre que os líderes lhes dão uma atenção extra para ganharem a confiança de que precisam, até para evitar o fenómeno do mansplanning. Se alguém acreditou em mim, porque é que eu não hei-de acreditar em outros também?”

Cristina Gamito acredita que é preciso fazer esforços para alargar o manancial de talento. “As nossas raparigas têm que dar à tecnologia o benefício da dúvida e entender que ela pode contribuir para a transformação do mundo. A Deloitte está a olhar de forma muito concreta para questões como o re-skill e o up-skill. Pegámos em engenharias não tecnológicas, como a química, civil ou a biomédica, e fizemos um programa de desenvolvimento de competências tecnológicas e com isso conseguimos incrementar muito o talento feminino na nossa área.” No sentido de promover a retenção de talento feminino, a empresa adoptou ainda estratégias de recrutamento mais eficazes e de integração entre a vida familiar e profissional, com programas de flexibilidade que põem homens e mulheres em pé de igualdade para assumirem responsabilidades parentais.

“Recusei uma hipótese de crescimento profissional, por achar que não era o momento. O meu marido disse-me depois que os homens não pensam assim, avançam e aceitam. Nós pensamos demasiado, achamos que não vamos ao encontro de todos os requisitos necessários para o cargo; eles arriscam mais”, diretora de marketing e retail da Divisão Mobile da Samsung Electronics.

“Somos nós que muitas vezes nos colocamos barreiras e que achamos que não somos capazes”, apontou Ana Oliveira, que diz ter aprendido isso da pior forma ao recusar uma oportunidade de crescimento numa outra empresa por achar que não era capaz. “Ele disse-me depois que não deveria ter recusado porque os homens não pensam assim, avançam e aceitam. Nós pensamos demasiado, achamos que não vamos ao encontro de todos os requisitos necessários para o cargo; eles arriscam mais.” 

O marido de Amélia Santos também foi o seu principal aliado, dando a confiança necessária para entender que ela era capaz. “Nós somos muitas vezes o nosso maior bloqueio. Fiz muitas vezes mudanças de funções e áreas ao longo da carreira e o meu marido sempre me disse isso. Muitas vezes as pessoas só não são melhores naquilo que fazem por falta de confiança em si próprias. Quem vem de outras áreas traz muitas vezes perspectivas muito importantes que os profissionais de IT não entendem. Deixo um conselho: se forem trabalhar para uma área de IT, anotem todos os termos técnicos que não conhecem e aos poucos vão perceber o que está a ser discutido. Até porque hoje, as empresas de qualquer setor, têm áreas de tecnologia associadas.”

Marta Belo acredita que o futuro das empresas de tecnologia passa não apenas pelos formados nessa área “mas também por comunicadores muito eficazes e pessoas boas na gestão de stakeholders. O recrutamento para esta área tem de começar nos liceus e nas universidades, com mulheres que possam servir de exemplos instigadores para as alunas. É preciso ainda apostar na retenção de talento, com mecanismos como a criação de narrativas e grupos de partilha de experiências com estas mulheres inspiradas. Temos que criar uma comunicação apelativa que faça as pessoas entender que esta é uma área transformadora e muito interessante.”

Ana Oliveira acrescentou: “A tecnologia é uma área em constante transformação, mas sintam sempre que a nossa voz é muito importante justamente por ser diferente.”

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