Maria João Carioca:”Saiam da zona de conforto e não se limitem”

É uma das duas mulheres que integra a Comissão Executiva da CGD, mas prefere realçar que é o seu elemento mais novo. Nesta entrevista fala sobre os maiores desafios da sua carreira, a decisão mais difícil que tomou e as barreiras invisiveis que as mulheres enfrentam.

Maria João Carioca está entusiasmada com os desafios que enfrenta na CGD

Diz que o tema das quotas é cruel para a sua geração, mas que é um preço que está disposta a pagar para que as suas filhas de 11 e 15 anos não tenham de passar pelo mesmo. No microondas tem a frase ‘faz todos os dias algo que te assuste’ e não hesita em sair da zona de conforto sempre que a oportunidade surge. Reconhece que foi nessas alturas que teve os seus melhores momentos profissionais e agora vive um deles. É administradora e membro da Comissão Executiva da CGD desde julho de 2013 e apesar do contexto difícil garante que trabalha com a alegria de ver as suas equipas motivadas para que a instituição saia mais sólida e preparada para novos desafios.

Como justifica o facto de ser uma das duas mulheres que integram a Comissão Executiva da CGD?
Tenho por hábito não justificar nada pelo facto de ser mulher. Imagino que a escolha tenha sido feita por um conjunto de critérios como a disponibilidade, competência e probidade. Mas não deixa de ser curioso que ainda me pergunte porque sou uma das duas mulheres, quando não perguntaria a nenhum dos meus colegas por que é um dos quatro homens. A verdade é que ainda temos esta barreira.

Dizerem-me que tenho mais oportunidades porque sou mulher é um murro no estômago.

É contra ou a favor das quotas?
Para a nossa geração o tema é cruel. Porque é preciso uma grande dose de autoconfiança para não nos sentirmos encostadas à parede quando alguém insinua que estamos onde estamos porque somos mulheres. Eu lido com as quotas como um preço que eu pago na esperança de que as minhas filhas não tenham de o suportar.

E essa é uma situação desconfortável?
Obviamente. Por vezes dizem-me que agora estou numa idade propícia, tenho um percurso de gestão bastante sólido e o facto de ser mulher vai abrir-me uma série de oportunidades. E isto para mim é um murro no estômago porque em toda a minha vida profissional nunca senti qualquer diferença por ser mulher. Nunca me achei nem mais nem menos capacitada, e sempre tive o privilégio de trabalhar com pessoas que nunca colocaram a minha competência em causa por ser mulher. Por isso, ouvir a insinuação de que é a quota que está a fazer o meu percurso profissional, é duro

O que se pode mudar para ajudar as mulheres a progredirem?
Há um conjunto de mecanismos que por vezes são tão intrinsecos às organizações que se não houver um elemento externo que produza alguma necessidade de mudança eles continuam instalados. Um dos temas que sinto que é uma especie de sombra, é o facto de os percursos de carreira terem perfis esperados, mas que não contemplam a maternidade. Essa foi a enorme diferença que senti. Não senti nunca diferença por ser mulher, mas senti por ser mãe. De repente, uma coisa que eu sempre tinha conseguido fazer, completamente a par com os meus colegas – com o mesmo ritmo, a mesma progressão, os mesmos desaires, os mesmos sucessos – quando cheguei ao fim do primeiro ano de vida da minha primeira filha, estava completamente exausta. Foi o meu ano profissionalmente mais bem sucedido, mas as viagens e o ritmo deixaram-me exausta. Acreditava-se que eu voltaria de licença de maternidade e conseguiria manter o ritmo e cumprir todos os objetivos traçados, que eram iguais aos dos meus colegas que não passaram por isto.

Quando se trabalha em culturas de excelência é mais fácil decidir sair do que pedir ajuda.

Foi essa questão que a fez sair da McKinsey?
Saí quando fiquei à espera da minha segunda filha. Gostava imenso do que estava a fazer mas não estava a conseguir encontrar a solução para fazer as coisas como eu as queria fazer. Durante os 4 anos que as minhas filhas têm de diferença tentei varias formas de me organizar, trabalhei em part time, mas tive muitas dificuldades em manter o vigor e a disponibilidade mental ao nivel do que queria estar a fazer. E portanto fui à procura de espaço. E não me arrependo.

Maria João

Maria João admite que logo após a maternidade não é fácil manter o mesmo ritmo e desempenho.

A organização não tentou segurá-la?
Quando se trabalha em culturas de excelência e de meritocracia, não é fácil dizer ‘eu não estou a conseguir fazer, preciso de ajuda’. Preferi dizer ‘eu vou sair’. Claramente, não havia muitas alternativas e ir à procura do meu espaço, reconquistar a minha confiança e voltar a ter solidez naquilo que estava a fazer, foi a minha opção.

Acha que é só a questão da maternidade que prejudica a progressão das mulheres ou também alguma falta ambição?
Não gosto de generalizações, mas acho que muitas delas quando confrontadas com períodos em que é muito dificil manter a ambição profissional e o mesmo nivel de desempenho a que estavam habituadas enquanto universitárias e profissionais, desistem. Porque não é fácil para o ego entender por que razão foi a melhor aluna na faculdade e agora de repente há meia duzia de pessoas que são melhores do que ela e que não consegue acompanhar mesmo que corra o dia inteiro.

Como fizeram um caminho mais duro, quando chegam ao topo as mulheres são muito assertivas.

E são mesmo melhores?
Naquela altura são, mas fora do periodo da maternidade não tenho a mais pequena dúvida de que as mulheres competem ao mesmo nivel dos homens. Tenho alguns diretores que admitem que quando as mulheres chegam a determinadas posições são exponencialmente melhores. Como fizeram um caminho mais duro, quando chegam ao topo são muito assertivas, bem preparadas para tomar decisões e assumir riscos.

Quais os momentos mais desafiantes da sua carreira?
A saida da McKinsey foi obviamente um deles, mas desempenhar uma posição executiva num banco desta dimensão também é um desafio enorme. Sou o elemento mais novo da comissão executiva e a Caixa é uma grande instituição, por isso para quem quer que seja é um grande desafio. Aceitá-lo obrigou-me a respirar fundo e olhar para dentro para perceber se reunia o conjunto de valências que me permitiriam fazer este cargo ao nivel que gosto de trabalhar. Nunca aceitaria um desafio se pensasse que não conseguiria fazer um bom trabalho. Estou a gostar muito do que faço aqui. Apesar do contexto dificil, temos feito um bom caminho.

Qual a sua principal missão na CGD?
A missão é muito partilhada a toda a Comissão Executiva e é a de garantir que a Caixa sai deste periodo de dificuldades mais sólida e preparada para todo o contexto diferente de mercado com que vamos ter de lidar. A missão é a de atravessar um periodo de turbulência, resolvendo aquilo que lhe deu origem, sustentando aquilo que é preciso para passar or ela e criando condições para continuarmos sólidos e a ser uma instituição de referencia.

Preciso da solidez de ter estudado as matérias. Não falo de cor.

Como faz isso no dia-a-dia?
Tenho áreas relativamente diferentes: marketing, operações, tecnologias de informação, organização e recuperação de crédito de empresas. São aparentemente díspares mas que se integram bem. A Caixa tem excelentes gestores. Esta não era uma casa habituada a ter resultados negativos. É preciso conseguir que as pessoas tenham consciência de que os resultados são mesmo negativos e consequência de um conjunto de coisas que temos de fazer de maneira diferente, mas que também percebam que não estamos no chão, que somos a Caixa e que é só uma questão de estarmos ao nivel da Caixa para conseguir passar por cima disso tudo. Quanto temos resultados trimestrais falo com as pessoas que trabalham diretamente comigo para lhes deixar uma mensagem de responsabilidade, mas ao mesmo tempo de ânimo e de motivação.

Quais são os seus pontos fortes?
Preciso da solidez de ter estudado as matérias, de saber do que é que estou a falar, de fazer o trabalho de casa. Não falo de cor. É óbvio que quando se tem uma posição executiva e um nivel já senior na organização, não conhecemos os detalhes todos, mas preciso de olhar para os dossiers o suficiente para saber fazer as perguntas certas e ter um pouco de crivo para avaliar as respostas. Isso não quer dizer que tenha de fazer a microgestão das minhas equipas, mas gosto de ser presente e envolvida nas matérias.

E ao longo da carreira sentiu que houve áreas que teve de desenvolver?
Continuo a ter imensas. Gerir é bastante diferente de fazer. e eu fiz muito esse processo de não ceder à tentação de fazer eu quando alguém não fazia as coisas exatamente como eu queria. Foi uma aprendizagem pesada. Saber ter os mecanismos certos para delegando conseguir ter a certeza de que depois o resultado está lá, é dificil de fazer. E muita gente não faz, porque delegar não é só pôr o trabalho do lado de lá, mas é depois saber as perguntas que devem ser feitas, saber os resultados que se podem esperar, e o ritmo a que se tem de questionar para depois não se ter surpresas.

Sou mais um motor de continuidade do que um gerador de emergência.

Qual a parte de que mais gosta das suas funções?
O que mais gosto é criar as condições para ver as pesoas fazerem o trabalho de uma forma entusiasta. Gosto de perceber que condições devem estar reunidas, quem deve estar envolvido, perceber se temos os recursos e as circunstâncias para que o que queremos aconteça. Trocar ideias com as pessoas para saber se estamos realmente alinhados, se as ideias são realmente coisas que as pessoas queiram fazer, e depois deixá-las trabalhar sozinhas. Dá-me muito prazer saber que posso não estar cá amanhã e as pessoas vão continuar a fazer um bom trabalho. Sou mais um motor de continuidade do que um gerador de emergência.

Que conselhos deixaria às jovens executivas que ambicionam uma carreira na banca?
Não se limitem, não tomem decisões a achar que não conseguem fazer uma coisa. Pelo contrário, atirem-se à piscina de vez em quando. Abram caminho. Mesmo que tenham uma preocupação de família experimentem antes de deixar que a familia seja uma limitação. E quando não souberem que empresa escolher, escolham a mais exigente, porque isso vai fazê-las crescer. Saiam da zona de conforto e não se limitem.

CV

2011 a julho de 2013 – Membro Executivo do Conselho de Administração da SIBS Pagamentos

2009 a julho 2013 – Membro Não Executivo do Conselho de Administração da MULTICERT – Serviços de Certificação Electrónica, S.A.

2008 a julho de 2013 – Diretora do Gabinete Corporativo e de Estratégia da SIBS Forward Payment Solutions / SIBS SGPS

2004 a 2008 – Diretora Coordenadora do Gabinete de Análise Estratégica (GAE) da UNICRE

1994 a 2004 – Consultora e posteriormente Associate Principal da McKinsey & Company

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