Margarida Martinho: “A maioria dos miomas são assintomáticos”

Os miomas podem afetar a fertilidade e a qualidade de vida das mulheres. Margarida Martinho, ginecologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, explica as suas principais implicações e sublinha a importância de fomentar a literacia em saúde como uma forma de promover a saúde da mulher.

Margarida Martinho é ginecologista no Hospital de São João, no Porto.

Levar as mulheres a falarem mais sobre os miomas uterinos, uma patologia que afeta 1 em cada 4 mulheres em idade reprodutiva e 8 em cada 10 mulheres ao atingir a menopausa, é o objetivo da campanha Women Talking Fibroids (WTF) | Mulheres que Falam de Miomas, que a Gedeon Richter lançou no Dia Internacional da Mulher, com o apoio científico da Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG). É sobre isso que nos fala Margarida Martinho, ginecologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto e secretária-geral da SPG, numa entrevista em que explica as principais implicações dos miomas e sublinha a importância de fomentar a literacia em saúde como uma forma de promover a saúde da mulher.

 

Quais as principais queixas das doentes na Ginecologia e quais as patologias mais frequentes?

Queixas relacionadas com as vulvovaginites, ou seja, com as infeções vaginais, são as que mais levam as mulheres ao médico, nomeadamente em contexto de urgência. As patologias mais frequentes diferem de acordo com a idade. Nas mulheres mais jovens são as que estão ligadas à presença dos miomas, além das vulvovaginites. Nas mulheres na menopausa são as queixas da menopausa, se considerarmos que é uma patologia – podemos divergir se é uma patologia ou se é um estado fisiológico, porque é próprio da menopausa ter essas queixas. E muitas vezes também os pólipos. Com a idade, há ainda maior probabilidade de as doenças poderem ter uma natureza maligna.

Os miomas uterinos afetam cerca de dois milhões de mulheres em idade fértil, em Portugal. São mais comuns em faixas etárias específicas ou podem surgir em qualquer idade?

Os miomas podem ser diagnosticados em qualquer idade, embora sejam muito mais prevalentes e muito mais típicos na idade reprodutora, desde os 20 até aos 50 anos, sensivelmente. Na menopausa não é muito frequente haver um diagnóstico pela primeira vez de um mioma, a não ser que a mulher nunca tenha ido ao ginecologista e já tenha esse mioma há muito tempo e só nessa primeira consulta se faça o diagnóstico do mioma.

Quais as principais causas dos miomas uterinos?

Há fatores genéticos a ter em conta, nomeadamente há uma maior frequência de miomas nas mulheres de raça negra. Há também fatores de risco que podem contribuir para o desenvolvimento de miomas, como o tabaco. E há também fatores ligados à parte hormonal, ou seja, uma mulher que tem uma função menstrual há mais tempo – que teve o aparecimento da primeira menstruação mais precoce ou que tem uma menopausa mais tardia, por exemplo, acima dos 55 anos – tem mais predisposição para ter miomas. Esta é uma patologia muito ligada à parte hormonal, embora os fatores genéticos também sejam muito importantes e nós vemos com alguma frequência mulheres na mesma família terem miomas. Outro fator de risco é a idade: a idade faz com que as mulheres tenham mais probabilidade de ter miomas.

 

Os miomas podem ser silenciosos e durante muito tempo

Quais os sintomas mais comuns a que as mulheres devem estar atentas e em que situações devem procurar uma consulta de Ginecologia?

Os sintomas vão diferir de acordo com o tipo de mioma, nomeadamente quanto à sua localização e quanto ao seu tamanho. Se imaginarmos o útero como um órgão muscular que tem uma cavidade a que chamamos de cavidade uterina, que é o sítio onde a gravidez ocorre, podemos dizer que os miomas que estão localizados ou que fazem saliência nessa cavidade uterina são os miomas submucosos. Os miomas submucosos vão ter, habitualmente, maior tendência para causar hemorragias uterinas significativas: quer um período menstrual mais exagerado, quer perdas de sangue fora do período menstrual. Quando os miomas estão dentro da parede uterina, ou seja, dentro do miométrio, que é o músculo do útero, são designados por miomas intramurais e, dependendo do seu volume, podem causar hemorragia, mas sobretudo já numa fase mais tardia, quando atingem maiores dimensões. E aí podem também levar ao aumento do volume uterino e causar, por exemplo, sintomas de compressão: ou seja, o útero ocupa maior espaço na pelve e como que vai empurrando os órgãos vizinhos.

O que significa que os miomas, quando aparecem, podem ser silenciosos?

Podem ser silenciosos e durante muito tempo.

Daí também a necessidade de consultas frequentes de Ginecologia?

Sim. A importância das consultas de Ginecologia tem muito a ver com a saúde da mulher em geral: são consultas que devem fazer parte daquilo que são os cuidados primários ou os cuidados de prevenção na mulher. Portanto, a mulher deve ir ao seu ginecologista pelo menos uma vez por ano. Isso aumenta as probabilidades de detetar miomas mais precocemente, numa altura em que pode ser mais fácil tratá-los e em que a vigilância vai determinar se é preciso tomar uma atitude mais radical ou não. E efetivamente, a maioria dos miomas são assintomáticos, ou seja, não causam sintomas e vão manter-se assim ao longo da vida da mulher.

Todos os miomas requerem cirurgia ou há diferentes graus de gravidade e diferentes tratamentos consoante essa gravidade?

É muito importante dizer que nem todos os miomas necessitam de tratamento. E o tratamento dos miomas pode ser um tratamento cirúrgico, ou seja, retirar o próprio mioma, através de uma miomectomia ou retirar o útero, através de uma histerectomia. Contudo, é verdade que numa parte significativa dos miomas, sobretudo nas mulheres mais jovens – aqueles que, habitualmente, têm mais impacto, quer em termos de qualidade de vida, quer em termos de fertilidade –, pode ser necessário uma intervenção, quer médica, quer cirúrgica.

 

Os miomas afetam a saúde e a qualidade de vida das mulheres

Quais as consequências dos miomas uterinos, quer na saúde, quer no dia-a-dia da mulher?

A perda menstrual, muitas vezes, já é algo incómodo para as mulheres. Quando ela se torna exagerada e quando se torna quase que insuportável, condiciona gravemente a vida das mulheres. Condiciona de tal modo que, muitas vezes, pode impedir a mulher de trabalhar ou colocá-la perante situações desagradáveis. Por outro lado, uma hemorragia muito abundante ou muito persistente ao longo do tempo conduz quase sempre a uma anemia, e isso condiciona francamente a qualidade de vida da mulher. A mulher sente-se cansada e, muitas vezes, nem relaciona esse facto com as perdas que tem. Até porque muitas vezes é educada a pensar que uma perda menstrual mais abundante é normal ou está relacionada com a idade, pelo que vai protelando e vai-se sentindo cada vez mais cansada e, inclusivamente, pode andar à procura de causas noutras áreas, quando afinal esse sintoma está relacionado com essa perda.

Qual o impacto dos miomas na fertilidade?

Os miomas também podem ter um impacto importante na fertilidade, embora nem todos os tipos de miomas tenham uma relação com a fertilidade. Sabe-se que o mioma subseroso tem menor probabilidade de condicionar a fertilidade numa mulher, a não ser que atinja dimensões muito significativas. No entanto, os miomas submucosos, ou seja, aqueles que crescem para dentro do útero, ocupando o espaço onde a gravidez se desenvolve, têm habitualmente um impacto muito importante na fertilidade e, portanto, terão de ser tratados de maneira a possibilitar um incremento dessa fertilidade. Quanto aos miomas que crescem na parede uterina, ou seja, os intramurais, há uma maior discussão, mesmo no seio da comunidade médica ginecológica, sobre qual será o impacto desses miomas ao nível da fertilidade. Mas dependendo do seu tamanho, e sobretudo quando não há outra causa para a infertilidade, acima de 5 centímetros, habitualmente, considera-se que podem interferir com a fertilidade das mulheres.

Há algo que as mulheres possam fazer para prevenir o aparecimento dos miomas?

Há alguns fatores de risco que podem ser alvo de intervenção. Sobretudo a cessação tabágica e, por vezes, uma melhor alimentação podem contribuir nesse sentido. No entanto, há outros fatores mais difíceis de controlar: não conseguimos controlar a idade em que vamos menstruar ou em que vamos deixar de menstruar e a nossa carga genética também é muito difícil de modificar. O que podemos é estar atentas e, por exemplo, se as nossas mães tiveram miomas, tentarmos perceber mais cedo se temos maior propensão para isso e fazer uma vigilância ativa. Por outro lado, o facto de a mulher querer – e bem – ter a sua vida profissional e a sua carreira e, muitas vezes, em função disso, protelar a maternidade, também é um fator a ter em conta. Uma mulher que vai protelando a decisão de ser mãe pode com isso condicionar a sua fertilidade, porque sabemos que a idade é um fator de risco. Nesse sentido, não aconselhando a que a mulher abdique dos seus sonhos ou da sua carreira, pode ser importante tentar encontrar um equilíbrio, sobretudo se a maternidade é um dos projetos que a mulher em questão valoriza.

 

Levar as mulheres a falarem mais sobre os miomas

Quais os principais objetivos da campanha WTF | Mulheres que Falam de Miomas, lançada pela Gedeon Richter e SPG no Dia da Mulher?

Com esta campanha procuramos cumprir aquilo que é a missão principal da SPG, que é contribuir de todas as formas para uma melhoria da saúde da mulher. Por outro lado, promover a literacia em saúde também é fundamental para que as mulheres possam ser “donas” da sua própria saúde, saber quando devem procurar um médico, que sintomas devem valorizar, saber que há tratamento, saber como lidar com as patologias que vão surgindo. Tendo em conta que a missão principal da SPG é promover a saúde da mulher, nada melhor do que promover a literacia em saúde da mulher e promover estes fóruns de debate e partilha de ideias com uma informação credível, o que também é muito importante, servindo de alerta consciente.

Que mensagem final gostaria de deixar sobre este tema?

Preocupem-se em conhecer o vosso corpo, em conhecer os sinais de alerta de que algo possa estar mal, para tranquilamente saber como agir e procurar ajuda médica se necessário. É importante que as mulheres estejam atentas, tranquilas e que possam saber mais, participar e partilhar informações com outras mulheres e com os profissionais de saúde também.

 

Campanha WTF | Mulheres que Falam de Miomas

campanha WTF | Mulheres que Falam de Miomas

 

Na plataforma online lançada no âmbito da campanha WTF | Mulheres que Falam de Miomas, encontra as informações necessárias para saber mais sobre miomas, com a ajuda de outras mulheres e dos seus testemunhos. Um “Verificador de Sintomas” que pode servir como ponto de partida para perceber se deve consultar o seu médico sobre a possibilidade de ter miomas, inquéritos para conhecer a sua perspetiva sobre os miomas uterinos, estatísticas sobre esta doença e os relatos de outras mulheres sobre como lidam com os miomas são algumas das ferramentas úteis que estão ao seu dispôr.

Mantenha-se bem informada seguindo a campanha no Facebook e no Instagram.

 

Leia outros artigos sobre saúde aqui.

Parceiros Premium
Parceiros