Deixou a vida e carreira construídas em Lisboa para ir viver para o Ribatejo e se assumir como uma das forças dinamizadoras da região. Margarida Barbosa é organizadora do Fórum Regional do Capital Humano, cuja 1ª edição se realizou no Sardoal, em novembro de 2016, com o apoio e patrocínio de 20 organizações da região e juntando mais de uma centena de participantes. A nova edição está já agendada para 3 de novembro deste ano, em Rio Maior. A iniciativa, que nasceu de uma ideia sua em parceria com a amiga Joana Ramos, impõe-se já como uma importante plataforma de debate das melhores estratégias para o desenvolvimento económico, humano e educativo da região. Pretende ser, nas palavras da sua mentora, “um motor agregador de novas tendências regionais ao nível das políticas de desenvolvimento do capital humano.”
A sua paixão pela região levou-a ainda a criar o projeto Love Ribatejo, uma organização sem fins lucrativos materializada num portal online que promove e valoriza património, cultura, organizações e pessoas da região. E defende-a apaixonadamente: “Esta é a verdadeira planície de Portugal, a única região que não tem contacto com o mar ou com Espanha. Portanto, se existe interior, somos nós. Se existe centro, está no Ribatejo. E se há um coração de Portugal, ele está no Ribatejo, pois é precisamente aqui que todos se encontram.”
Com mais de 20 anos de experiência profissional, Margarida Barbosa dedicou grande parte da sua carreira aos recursos humanos. Foi consultora sénior na Michael Page e na Hays Plc; assumiu funções de gestão e definição estratégica de negócio na ManpowerGroup; participou em projetos de pesquisa especializada; foi professora convidada do Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa (atual Nova IMS), onde preparou finalistas para a entrada no mercado de trabalho. Falámos com a especialista a propósito das suas iniciativas e experiência em gestão de capital humano.
“Nos anos em que trabalhei diretamente com pessoas pude constatar que a maior parte dos profissionais não sabe o que é uma carreira, como potenciá-la e muito menos como procurar emprego de forma eficaz e estratégica.”
Um dos conceitos que advoga é o de educação profissional. Em que consiste e como pode preparar-nos para uma escolha de carreira mais estruturada?
O conceito surge como resultado da minha experiência em recursos humanos, mais propriamente em recrutamento. Nos anos em que trabalhei diretamente com pessoas pude constatar que a maior parte dos profissionais não sabe o que é uma carreira, como potenciá-la e muito menos como procurar emprego de forma eficaz e estratégica. Procurar emprego e ser inteligente na gestão da nossa carreira é isto, ser prático, empírico, observador e, acima de tudo, eficiente; é entender quais as tendências de mercado e otimizá-las em seu proveito profissional, usando as ferramentas disponíveis. Por exemplo, a escolha de uma especialização ou estudos avançados complementares deve ser feita tendo por base um interesse profissional concreto, onde a vantagem que se deve alcançar é a capacidade de marcar a diferença ao nível da sua organização, ou seja, ser capaz de criar, inovar e propor melhorias à gestão ou metodologias vigentes. O conhecimento deve ser visto como “camadas na evolução profissional” e se não cumpre essa função, então a escolha é meramente centrada no ego e não na eficácia posterior da escolha.
Assim, a educação profissional deve ser um conjunto de boas práticas que permitem a qualquer profissional, independentemente do seu grau de qualificação ou experiência, proceder a escolhas mais eficazes na gestão da sua carreira. Se isto for uma realidade, as organizações serão também certamente mais competitivas, criativas e inovadoras. Por este motivo, devemos trabalhar o capital humano e a inteligência emocional associada ao individuo ao longo da sua vida educativa ou de forma transversal ao seu percurso educativo.
“Lembro-me que no primeiro dia de aulas perguntava sempre aos meus alunos quantos deles achavam que iriam estar numa posição de gestão num período máximo de 3 anos e a grande maioria levantava o braço.”
Quais os grandes mitos e erros que moldam a mentalidade dos jovens recém-formados, pouco antes de chegarem ao mercado de trabalho?
De um modo geral, o conhecimento do finalista sobre o mercado de trabalho pode ser avaliado não só pela área profissional em que está inserido, mas também pela sua estrutura pessoal e familiar, ou seja, em mercados ou segmentos mais competitivos ou apetecíveis existe à partida uma noção maior de facilidade em relação ao sucesso profissional imediato que se pode alcançar em detrimento de outros mercado mais estagnados. Por outro lado, a família e a herança individual têm um papel fulcral não só na maturidade pessoal do profissional, mas na forma como este incorpora contextos negativos, fracassos individuais ou obstáculos que vai encontrando ao longo do processo de integração na vida ativa. Estes dois fatores são determinantes, não só na carreira a longo prazo, mas essencialmente nos primeiros 3 anos em que o mercado os considera juniores ou imaturos para funções mais ambiciosas.
Na minha experiência como educadora profissional, o maior erro que o futuro profissional comete é deixar a sua procura ativa de emprego ao acaso, isto é não planear atempadamente o que quer fazer ou ser em termos profissionais. Na maioria dos casos, observei inclusive que estes futuros profissionais não possuem sequer ferramentas para olhar para dentro e fazer uma avaliação racional e objetiva das suas limitações ou competências. Como consequência, a maioria procura com base em critérios pouco estratégicos — basicamente, tudo o que aparece e parece ser interessante e não o que é valioso a médio prazo, em termos de carreira.
Por outro lado, o maior mito que o finalista carrega antes de se estrear profissionalmente é acreditar que em dois anos poderá exercer funções de liderança ou gestão. Lembro-me que no primeiro dia de aulas perguntava sempre aos meus alunos quantos deles achavam que iriam estar numa posição de gestão num período máximo de 3 anos e a grande maioria, em todos os anos que lecionei, levantava o braço. Isto acontece porque há uma noção generalizada de que todos devemos ser empreendedores, como se de alguma forma fosse o mais natural na evolução profissional, quando na realidade devemos procurar ser intraempreendedores e só a minoria estará apta a caminhar sozinha, criando a sua própria estrutura organizacional.
A 2ª edição do Fórum Regional do Capital Humano será subordinada ao tema “O ensino superior no desenvolvimento da pessoa”. Que papel podem ter os institutos de ensino superior no desenvolvimento das comunidades e economias locais?
As entidades académicas, em especial os politécnicos no interior do país, possuem um papel crucial no desenvolvimento das comunidades sociais e económicas envolventes. São, na maioria das situações, empregadores de grande expressão local, quase sempre as únicas entidades ao nível local e regional que compreendem de forma prática as dinâmicas de fixação de empresas que podem gerar investimento e são verdadeiros motores de cooperação multidisciplinar ao nível local e regional.
À sua volta e na sua dependência estão inúmeras famílias e trabalhadores, o que lhes confere um papel incontornável que devemos valorizar e potenciar, não castrar ou tentar regê-los pelas regras das universidades que estão em contextos sociais e económicos bem diferentes. Adicionalmente, no interior, em especial no Ribatejo, o politécnico é ainda o único veículo de saber superior ou qualificado e, por conseguinte, de valorização individual e pessoal. Ou seja, atua também como interveniente no desenvolvimento de dinâmicas de inclusão social e integração profissional.
Decidi trabalhar neste tema quando ainda ouvia um dos últimos oradores da I edição e compreendi que seria magnífico detalhar e racionalizar estas dinâmicas e realidades, que podem ser instrumentalizadas no desenvolvimento de políticas sociais e económicas mais intencionais e eficazes. Talvez quem sabe dar uma nova importância e papel aos politécnicos no contexto do desenvolvimento do interior e das suas comunidades.
“Quando olhamos para os números dos últimos censos e verificamos que no total de população ribatejana, cerca de 425 mil habitantes, apenas cerca de 44 mil tem o ensino superior — ou seja, pouco mais de 10%.”
Quais são as grandes necessidades atuais da região ribatejana no que toca à formação de capital humano?
O Ribatejo — e por motivos que não dizem respeito ao interesse estratégico da região — está espartilhado entre grande Lisboa, Alentejo e Centro. Esta divisão puramente administrativa esvaziou de conteúdo e eficácia a implementação de potenciais políticas estratégicas ou transversais de desenvolvimento do capital humano e intelectual também. Hoje, a região tem um problema grave de qualificação porque na realidade ela não é pensada como um todo e, portanto, as duas comunidades intermunicipais [Lezíria e Médio Tejo] têm princípios orientadores distintos, seguindo no terreno políticas diversas e opostas. Quando olhamos para os números dos últimos censos verificamos que no total de população, cerca de 425 mil habitantes, apenas cerca de 44 mil tem o ensino superior — ou seja, pouco mais de 10%. Tão mais grave este contexto nos parece ao verificarmos que a fatia substancial deste total demográfico ficou pelo 1º ciclo do ensino.
A região do Ribatejo precisa, em primeiro lugar, de convencer os jovens ribatejanos que vão estudar para Lisboa ou para outros grandes centros urbanos a regressarem porque não contribuem para esta estatística e é do seu conhecimento que a região precisa. Por outro lado, a região ribatejana precisa também de pensar em práticas mais eficazes de disseminação de conhecimento e qualificação profissional para ser mais atrativa às empresas que geram emprego. Se os principais agentes regionais tiverem isto em consideração ainda é possível inverter esta tendência.
Que objetivos estiveram na origem da criação do projeto Love Ribatejo?
O Love Ribatejo é a minha missão, a minha causa pessoal. Não foi algo óbvio, racional ou intencional, pois quando decidi deixar toda a minha vida em Lisboa e mudar-me para o Ribatejo, onde tenho uma parte da família, o meu grande objetivo era trabalhar como freelancer no desenvolvimento de boas práticas ao nível da educação profissional junto de politécnicos e universidades e, durante algum tempo, foi o que aconteceu. Porém, quando comecei a conhecer as pessoas da região, a constatar as necessidades gritantes do interior em relação aos grandes centros urbanos e a viajar pela região a propósito da minha paixão pela fotografia acabei por racionalizar um conjunto de ideias que quis colocar em prática. O Love Ribatejo é o resultado não só desta constatação, mas do profundo amor que recebi da minha família ribatejana nos verões que aqui passava, herança afetiva que contribuiu decisivamente para ter o espírito combativo e empreendedor que hoje tenho.
O projeto tem como missão primordial compreender, valorizar e potenciar a identidade única e una do Ribatejo, tendo por base o conceito geográfico que caracterizou e definiu a região no passado. Sendo o Ribatejo uma região natural e cultural, não correspondente a uma qualquer divisão administrativa em vigor ou formal, o modo como as políticas autárquicas, nacionais e internacionais são disseminadas no seu território não têm em consideração o seu valor específico e único. O impulso gerador do conceito consiste em valorizar o Ribatejo como um “produto” único e uno, em que as suas áreas – Bairro, Lezíria e Charneca – correspondem aos valores da marca.
O Love Ribatejo surge por isso como um agente de ligação, um mobilizador ou facilitador de iniciativas ou projetos que potenciem e valorizem a região, mas também organizações, pessoas e património, cultura, pois só nesta valorização se pode devolver a unicidade que a região outrora teve. Deste modo, seremos brevemente uma associação e a nossa missão é promover o valor único e específico da região do Ribatejo através da mobilização dos diversos intervenientes regionais e facilitar a disseminação e concretização de ideias, projetos, negócios ou eventos de apoio ao desenvolvimento local e regional, potenciando assim uma maior projeção identitária, a nível nacional e internacional.
O valor do Ribatejo reside no facto de ser uma região de confluências de culturas, tradições e costumes. A região possui imensos ex libris, nomeadamente a linha dos castelos do Tejo, a herança Templária associada, os monumentos religiosos dispersos pela região e também os percursos pedestres ao longo dos principais rios regionais e reservas naturais. Pessoalmente, tenho um ritual que faço sempre que posso e que é o meu ex libris: percorrer de carro a N118. Esta estrada que começa em Alcochete foi construída para ser a Marginal de toda a margem esquerda do Rio Tejo, sendo, portanto, uma estrada estratégica a sul do Tejo, terminando em Nisa, Portalegre. Ao longo dela podemos observar a alternância de paisagem entre Lezíria e a Charneca, mas também usufruir de um Ribatejo mais recôndito, mais caloroso e em especial mágico. Para os interessados sugiro uma paragem em Muge, nas Bifanas do Silas, em Alpiarça, na Casa dos Patudos e na Chamusca para subir a longa escadaria da Ermida da Nossa Senhora do Pranto. Quem consegue chegar lá acima tem a rara oportunidade de contemplar a Lezíria na sua extensão. Garanto, vale a pena o sacrifício.