Liliana Farinha, licenciada em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores pelo IST, iniciou a carreira participando em programas de transformação nos principais bancos nacionais. Especializou-se em Pagamentos, tendo liderado iniciativas estratégicas em colaboração com os principais players nacionais, e foi responsável por importantes programas de integração na sequência de algumas das principais fusões/aquisições nos anos recentes em Portugal. Na sua nova função de managing diretor em Serviços Financeiros, Liliana Farinha tem como missão apoiar a indústria de serviços financeiros nos seus programas de transformação e de crescimento, bem como no desenvolvimento de novos modelos de negócio, através da mobilização das capacidades da Accenture nas áreas de inovação e do digital, de definição estratégica e de desenvolvimento tecnológico.
O que a levou a escolher a formação em Engenharia eletrónica e de computadores?
Nunca fui uma daquelas crianças ou adolescentes que sabia exatamente o que queria ser quando crescesse. Sabia apenas, que independentemente do que fizesse, teria de o fazer bem! Não escolhi Medicina, porque achei que não era a minha vocação. Pensei em escolher Química ou Arquitetura, as duas áreas que mais gostava na altura do secundário, mas acabei por enveredar pela Engenharia. Fi-lo num misto entre a influência dos meus pais (que são ambos engenheiros) e a certeza de que a Engenharia me permitiria manter em aberto várias opções – entre as quais a hipótese de não ter de exercer Engenharia, o que veio mais tarde a tornar-se realidade.
Começou a sua carreira na Accenture. Como chegou à empresa e o que foi mais complexo para si, em início de carreira?
Cheguei à Accenture por mero acaso, por sugestão de um amigo e colega do Instituto Superior Técnico. Inscrevemo-nos no curso de entrada, que fazia parte do processo de candidatura e seleção da Accenture e, após um mês intenso de formação, fomos ambos admitidos. Ele, eu e mais três colegas do IST. A consultoria exige uma grande capacidade de aprendizagem. Exige, sobretudo, uma genuína colaboração entre pessoas e equipas – e eu identifiquei-me com essa cultura de forma quase imediata. O mais complexo para mim, talvez tenha sido aprender e apreender rapidamente os conceitos de Banca, já que fui enquadrada de imediato na área de Serviços Financeiros da Accenture. Mas, uma vez mais, pude contar com a ajuda de pessoas e equipas muito inclusivas dentro da nossa organização.
Acredito desde sempre que o trabalho, a dedicação, a honestidade, a interajuda, a integridade e a coragem são os ingredientes fundamentais para o sucesso. Acredito que se tivermos essa “inteligência coletiva”, todos crescemos.
Como descreveria as suas funções e responsabilidades atuais a alguém que não está familiarizado com esta área?
Costumo dizer que “apoiamos os bancos e seguradoras no crescimento e transformação do seu negócio, desde a definição dessa agenda de crescimento, à implementação de soluções e à operação de parte do seu negócio”. Quando me perguntam “e tu especificamente, o que fazes?” respondo sempre que tive e tenho a sorte de fazer parte de uma equipa extraordinária, de aprender muito com ela e com aqueles que a lideraram, e de hoje assumir também parte dessa responsabilidade de liderança”.
Há 16 anos na mesma empresa, como se deu a sua progressão profissional e como precisou de se preparar para vir a assumir funções cada vez mais exigentes?
Acredito desde sempre que o trabalho, a dedicação, a honestidade, a interajuda, a integridade e a coragem são os ingredientes fundamentais para o sucesso. Ao longo de toda a minha carreira profissional tentei sempre honrar esses princípios. Fui recebida assim na empresa. Foi isso que me ajudou a crescer profissionalmente. Quero replicar e ajudar a minha equipa a crescer. Acredito que se tivermos essa “inteligência coletiva”, todos crescemos.
Alguma vez considerou mudar de setor?
Não, nunca.
O que a apaixona mais naquilo que faz?
Esta é fácil: as pessoas com quem trabalho.
Tem vindo a participar em programas de transformação nos principais bancos nacionais. Quais foram os projetos mais desafiantes e complexos em que assumiu responsabilidades (e porquê)?
Independentemente do contexto de negócio, ou das especificidades técnicas dos vários programas nos quais participei e/ ou ajudei a liderar, quando penso naqueles que foram os projetos mais complexos e desafiantes, o seu denominador comum é sempre o mesmo: a gestão e mobilização de equipas de grande dimensão, bastante heterogéneas, e algumas com contextos complicados. Conseguir “mover massas” e construir algo novo em torno de um objetivo comum – seja o desenvolvimento de um projeto complexo, com muitas dependências e/ ou riscos, seja o cumprimento de prazos difíceis – são, sem dúvida, os maiores desafios que tive a sorte de encontrar.
Quais serão, em seu entender, os grandes desafios que a área dos serviços financeiros virá a enfrentar?
A já tão debatida necessidade de transformação digital e a sucessiva entrada de novas entidades na prestação de serviços que tradicionalmente eram assegurados por Bancos (exemplo disso são os Meios de Pagamento), continuam a ser dois dos grandes desafios na área dos serviços financeiros. Assim como o são as contínuas imposições regulatórias (especialmente na Europa), às quais as entidades financeiras terão de se manter cumpridoras, e a necessidade de resposta a Clientes cada vez mais sensíveis a uma oferta mais personalizada e relevante. Se a isto adicionarmos o contexto de pressão sobre a rentabilidade do sector, é natural que Bancos e Seguradoras procurem novas linhas de receita (e de crescimento da sua base de Clientes – incluindo os não tradicionais) através de novos modelos de negócio, alavancados em novos ecossistemas de parcerias.
Creio na diversidade de experiências passadas, na diversidade de opiniões, de argumentos, de abordagens aos problemas, de gestão de conflitos e de construção de soluções e “pontes”.
Esta atividade obriga-a a fazer formação contínua — de que tipo?
Temos de ter formação técnica porque o Mundo está em mudança constante e é cada vez mais exigente. Temos de ter um grande acompanhamento das novas tendências, em especial das novas tecnologias e das novas plataformas e metodologias digitais. E também formações em Liderança e Comunicação que são fundamentais à construção de “pontes” de entendimento e à integração de novas gerações no mercado de trabalho – quer na nossa empresa quer nos nossos clientes.
Quais as competências e aptidões que considera essenciais para se ser bom naquilo que faz?
Correndo o risco de me repetir: o trabalho, a dedicação, a honestidade, a interajuda, a integridade e a coragem.
E o que valoriza mais nos colaboradores que integram as suas equipas?
Além das características que já referi, valorizo muito a frontalidade, o não ter medo de errar, o gostar de aprender, o estar disponível para a equipa e o assumir de responsabilidades e lutar por um objetivo comum.
Como está a presença feminina nas equipas que lidera? O que traz a diversidade de género de positivo à vossa atividade?
Sendo absolutamente fã de uma “espinha dorsal” comum – as tais características e valores de que falei anteriormente – creio profundamente na diversidade dentro e entre equipas. Creio na diversidade de experiências passadas, na diversidade de opiniões, de argumentos, de abordagens aos problemas, de gestão de conflitos e de construção de soluções e “pontes”. A diversidade de género, entre outras, contribui para essa riqueza e inteligência coletivas.
A presença feminina no setor das tecnologias ainda é muito baixa, em todo o mundo. Que iniciativas devem ser levadas a cabo, em seu entender, para trazer mais mulheres para as áreas STEM, nas próximas gerações?
Quando entrei no Instituto Superior Técnico, em 250 caloiros do meu curso de Engenharia, creio que 15 eram mulheres. Sei que hoje essa percentagem já não é tão ínfima, mas ainda assim concordo que ainda há um caminho a percorrer. E não apenas na entrada nas faculdades, mas também na entrada no mercado de trabalho. Temos de comunicar cada vez mais cedo com as escolas, com as estudantes, e mostrar-lhes as opções e as oportunidades. É importante que partilhemos e apresentemos, na primeira pessoa, os desafios, mas também os casos de sucesso nas ciências, nas tecnologias, nas engenharias e nas matemáticas. A formação de base é importante, mas a sociedade e as empresas também têm um papel a cumprir, especialmente numa contínua mudança cultural, mais inclusiva, mas sempre meritocrática.
Um líder preocupa-se em criar equipas e oportunidades (…) tem ainda a coragem de dar o exemplo nas horas difíceis. Um líder inspira, mas também é inspirado por outros; um líder motiva, mas também se sente motivado pelos outros.
Qual foi a decisão mais difícil que teve que tomar, enquanto líder de equipas?
Num projeto muito difícil, de grande exposição, em que todos estávamos a trabalhar de forma muito intensa, pedi a uma pessoa da minha equipa – que eu sabia estar com um constrangimento pessoal sensível – que viesse trabalhar e assumisse a resolução de uma das componentes que estava em risco de falhar. A pessoa veio, sem hesitar, “arregaçou mangas”, e foi absolutamente fulcral na resolução dessa componente e no sucesso global do projeto. Eu sei o que lhe custou. Foi a decisão certa para a equipa e para o projeto, mas foi a decisão errada para a pessoa. Felizmente, correu tudo bem, mas essa decisão marcou-me até hoje, e não há desculpa ou sucesso que me façam pensar que decidi bem. Apesar de uma equipa ser muito mais do que a mera soma dos indivíduos que a compõem, cada um desses indivíduos é, em si, um pilar, e nós, enquanto gestores de equipas, mas principalmente enquanto gestores de pessoas, temos de ser capazes de liderar o grupo, cuidando, no entanto, de cada um dos pilares. Depois desse episódio, em circunstâncias semelhantes, não voltei a decidir da mesma forma.
E qual a lição de liderança mais importante que aprendeu on the job?
A lição é uma, mas vou transmiti-la de duas formas: (1) parafraseando o que o líder da equipa da qual eu fazia parte me disse há muitos anos e (2) partilhando uma imagem que tenho sempre presente:
(1)“Todo este trabalho que temos para fazer é um bolo enorme. Se cada um de nós, à medida que termina a sua fatia de bolo, for tirando a próxima, vamos terminar o bolo melhor e mais depressa!”
(2)
Que caraterísticas acredita que serão mais valorizadas e necessárias nos líderes do futuro, sobretudo nos das áreas tecnológicas?
Do ponto de vista técnico, vejo que têm de ser pessoas que acompanhem as tendências e a evolução tecnológica, que conheçam o contexto e necessidades das empresas, que tenham visão e formem opiniões inovadoras, e que definam “o quê” e não apenas “o como”. Além disto, para mim um líder preocupa-se em criar equipas e oportunidades, assume o compromisso pessoal para com o sucesso da sua empresa, dos seus clientes e das suas pessoas. Tem ainda a coragem de dar o exemplo nas horas difíceis. Um líder inspira, mas também é inspirado por outros; um líder motiva, mas também se sente motivado pelos outros.
Que atitudes ou hábitos diários acredita que têm contribuído para o seu sucesso e equilíbrio profissional
Procurei ser sempre fiel aos meus valores e princípios, e procurei aprender com os melhores exemplos, mas também com os erros (os meus em particular). Lembrarmo-nos do que fizemos, e vimos fazer, menos bem, é tão importante quanto o que fizemos, e vimos fazer, muito bem. Porque quando chegar a nossa vez de o fazer, vamos querer fazer melhor.
Fala cinco línguas, inclusivamente búlgaro. A que se deve esta sua proficiência linguística? Foi resultado da formação educativa ou de uma vocação e interesse pessoais? É um skill vantajoso na sua área de atuação?
Sou filha de pai português e de mãe búlgara, nasci na Bulgária, mas fui criada até aos 6 anos na Alemanha. Entre o búlgaro, que o meu pai “arranhava” e aprendeu a “dominar”, o alemão, que se falava em casa e no kindergarten [jardim infantil] onde andei, e o inglês, que ouvíamos na televisão e nas músicas que a minha irmã e eu gostávamos de cantarolar, aprendi o português quando nos mudámos para Portugal, em casa, com a minha avó e tias paternas. O castelhano aprendi anos mais tarde, já por razões profissionais, na Accenture. Por ter sido exposta a diferentes idiomas, sempre tive muita facilidade em identificar e memorizar sons, pronúncias, palavras… E sim, sem dúvida que é uma competência relevante e, por vezes, diferenciadora. Permite-me comunicar sem barreiras, compreender diferentes culturas, inclusive o seu humor. Sou muito grata pelo contexto e formação que os meus pais me proporcionaram.
Quando não está a trabalhar, quais são as outras paixões? Como recarrega baterias nos tempos livres?
Viajo sempre que posso, deleito-me com a gastronomia do “mundo” e vejo documentários/séries. Este é, sem dúvida, o meu top 3!
O que aconselharia a uma jovem profissional da sua área, com ambições de progressão profissional?
Vou ter de me repetir, mas eu diria: “Faças o que fizeres, respeita o trabalho, dedica-te, sê honesto, colabora, sê íntegro e sê corajoso. O resto aprende-se.”