Lídia Tarré é a terceira geração da família à frente da Gelpeixe, empresa de processamento e comercialização de alimentos congelados, que funciona na localidade de Sete Casas, Loures, nos terrenos onde os seus bisavós tinham hortas. O negócio inicial era uma pequena loja de eletrodomésticos localizada na rua principal de Loures, que Francisco Tarré, avô de Lídia e proprietário, juntamente com os filhos, Manuel e Joaquim, foram transformando num nome importante da indústria alimentar. Em 1977 passaram a vender arcas frigoríficas para guardar gelados Olá e produtos congelados da Gelmar. O passo seguinte foi vender gelados para garantir que os comerciantes não devolviam as arcas, e para contornar a sazonalidade do negócio, iniciaram-se também na comercialização de peixe congelado. No início da década de 1990 já vendiam congelados para todo o país e, em 2014, o pai de Lídia, Manuel Tarré, comprou a parte da empresa ao irmão. Lídia Tarré está na empresa desde 2006, primeiro como responsável pelas exportações, depois com o pelouro financeiro e desde 2015 como administradora executiva. Neste papel e no de membro da Direção da Associação das Empresas Familiares, Lídia Tarré conhece bem os desafios das mulheres na sucessão das empresas familiares.
Que desafios específicos ou acrescidos enfrentam as mulheres na liderança de empresas familiares?
Hoje, todas as mulheres, de uma forma geral, ainda enfrentam desafios acrescidos e a mulher na liderança de empresas familiares não foge à regra. Somos tudo! Somos mulheres, mães, parceiras, filhas, amigas, educadoras, donas de casa, profissionais e muito mais… e cada fase da nossa vida exige um foco de energia diferentes. Há “tempos diferentes” e há que saber viver cada um desses “tempos” com tempo e ao seu tempo.
Se há super-homens, também há super-mulheres e sermos “super-mulheres” é termos a humildade e o dom de saber viver cada “super-poder” no seu melhor e no seu tempo. O equilíbrio entre tudo é o mais desafiante!
Quais foram os desafios mais difíceis com que teve de lidar e como os ultrapassou?
Ser a única mulher ou uma das poucas mulheres em viagens, reuniões, eventos e mesmo salas de aula é ainda normal. Sentir na pele a luta que ainda temos em muitos contextos para que a nossa voz seja ouvida, respeitada e vista como igual é o grande desafio! Mas o “caminho faz-se caminhando” e ter acesso a estes contextos e poder desafiar esta visão menos inclusiva é um propósito que recebo com muita responsabilidade, respeito, consciência, empatia e muita muita muita resiliência.
É mais difícil provar a competência perante a família ou perante os colaboradores? Como agir com uns e com outros?
Hoje, já muitas empresas familiares têm e respeitam um documento muito importante para a gestão de expectativas de todos e para o bem-estar da família e da empresa que é o “protocolo familiar”.
Este documento define, para além de muitas outras regras, competências e experiências mínimas à entrada na empresa. Aconselho vivamente a todas as empresas familiares que passem por este processo que é, para além de tudo, um processo de aprendizagem por ser um caminho que traz assuntos fáceis mas também outros mais desafiantes para cima da mesa.
Hoje, em muitos casos, para além de um percurso académico, já existe uma experiência profissional, que normalmente varia de 3 a 5 anos, reconhecida por todos antes “da entrada” na nossa empresa familiar, momento esse tão importante para a pessoa que entra, mas também para os familiares e para todas as pessoas que recebem este novo elemento.
Há um apoio extra do entorno familiar ou pelo contrário a família pode ser uma força de bloqueio?
Existe de tudo, mas de uma forma geral existe sim um apoio extra baseado num propósito comum de uma verdadeira empresa familiar que todos pretendemos que seja “maior que nós mesmos”. É muito importante que hajam boas ferramentas de comunicação para o alinhamento entre todos.
6 conselhos a sucessoras em empresas familiares
Conhece-te!
Quem nasce numa família empresária é normal que tenha desde cedo uma determinada relação emocional com a empresa. É muito importante percebermos que somos seres individuais dentro de um sistema familiar e que o nosso bem-estar consciente enquanto ser humano é fundamental para vivermos a nossa vida, seja dentro seja paralelamente à empresa.
Separa a mesa de reuniões da mesa de jantar
É fundamental haver momentos em que só se vive “família” sem trazer assuntos da empresa. Parece fácil? Garanto que não é! Estes momentos de reunião familiar alicercem e solidificam os laços entre as pessoas, porque todos são importantes e todos têm o seu lugar: a vida da família!
Tem e retém uma boa equipa
Haver uma equipa capaz, competente, resiliente, ágil, comprometida que se reveja na cultura e na alma das organizações é imprescindível para a sustentabilidade de qualquer empresa e para a manutenção do bem-estar nas empresas familiares, a curto mas principalmente a longo prazo.
Elabora e promove um modelo de governance e modelo de comunicação transparente
Ter e respeitar um modelo de governance atual e uma visão de futuro previne muitas potenciais discussões à volta da gestão de responsabilidades e expectativas e permite que todos, familiares ou não, saibam e respeitem “o lugar” de cada um. Sistematizar a forma de comunicar transparente e sem agendas paralelas ou omissas promove a saúde de todo o ecossistema.
Trilha o caminho do “Protocolo Familiar”
Fazer um protocolo familiar é um convite a um caminho, muitas vezes desconfortável, mas que assegura as condições necessárias para um maior conforto futuro de todos e que antecipa e prevê futuros problemas. Traz para cima da mesa assuntos, alguns deles “tabu”, assegurando com clareza e regras fundamentais para a gestão de expectativas.
Mas ainda mais importante que o fazer, é que todos o respeitem! Este documento deverá também ser revisto quando necessário adaptando-o a novas realidades familiares e de empresa.
Faz parte de ecossistemas de liderança – networking
A partilha de experiências e o espírito de pertença é importante para fazer esta caminhada de liderança no feminino. Como membro da Direção da Associação das Empresas Familiares e da Comissão Dinamizadora da Rede Mulher Líder, vejo o valor que estes ecossistemas de liderança proporcionam a todos.
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