Um livro escolhe outro livro. Pode ser um tema, um verso, uma citação, uma ideia. Não são romances, mas os livros perfeitos para quem gosta de aproveitar esta pausa para refletir.
Verso de Blake liga catolicismo zombie a Churchill
Saiu em França com todo o buzz que os livros de Emmanuel Todd provocam naquele país. Quem é Charlie? – Sociologia de Uma Crise Religiosa abre com uma epígrafe com um verso de William Blake: “Amemos todos a forma humana/ em turco, judeu ou pagão/ onde Perdão, Amor e Piedade morem/ Aí mora Deus também”. Baseia-se na antropologia das estruturas familiares e na sociologia das religiões para a sua análise do “francês exasperado” com o comportamento inigualitário e antiliberal das classes dominantes.
Mas a sua principal tese é que as manifestações posteriores ao atentado ao Charlie Hebdo a 10 e 11 de janeiro espelham uma França periférica, envelhecida, branca, burguesa e de cultura católica. Desmontar “a maquinaria infernal que leva do catolicismo zombie à islamofobia e anti-semitismo” é um dos objetivos de Emmanuel Todd, que se rebela contra o que denomina “a nova histeria laicista”. Este demógrafo que previu a debacle do império russo e a acentuação das desigualdades nas sociedades europeias é, como escreveu o Le Monde, “filho da intelligentsia francesa” pois é neto do escritor Paul Nizan, primo de Claude Lévi-Strauss e filho do jornalista Olivier Todd.
Boris Johnson é um político excêntrico e controverso e que confessa que escreveu o livro O Factor Churchill porque hoje os jovens acham que Churchill é o gato dos anúncios da seguradora Churchill. O ponto central de Boris Johnson é o de que um homem pode fazer a diferença, e o fio que o liga ao livro de Todd é um verso de William Blake: “Que bigorna, que corrente, em que fornalha se formou o seu cérebro”. No entanto, John Kampfner salientava no The Guardian que na pré-publicação do livro havia uma indisfarçável associação entre o mayor de Londres e Winston Churchill como “two men as supreme orators, literary masters and slayers of spineless Conservatives and perfidious foreigners”. Boris Johnson deputado dos Conservadores na Câmara dos Comuns, ex-editor da revista The Spectator, e autor de livros como The Spirit of London e Dream of Rome.
Quem é Charlie? – Sociologia de Uma Crise Religiosa, Emmanuel Todd, D. Quixote, 240 pp. 17,90 Euros
Fator Churchill, Boris Johnson, D. Quixote, 456 pp, 25,90 Euros
Assaltos ao Estado das empresas
“Privataria” é um neologismo que mistura privatização e pirataria e foi criado pelo jornalista brasileiro Elio Gaspari para caracterizar o processo de privatizações brasileiro. Foi o mesmo termo escolhido pelos dois membros do Bloco de Esquerda, Jorge Costa e Mariana Mortágua, para descrever o longo processo de privatização e liberalização da economia portuguesa. O ponto de partida ideológico considera que este processo foi a “eliminação de um campo de possibilidades para a iniciativa pública e para uma real autodeterminação económica”. Em Portugal à Venda, Ana Suspiro, jornalista do Observador, conta algumas das mesmas história mas de outra forma, pois partiu dos factos e foi procurar algumas das razões. Nos últimos seis anos, empresas e investidores portugueses alienaram ativos num valor superior a 30 mil milhões de euros, mais de 20% do Produto Interno Bruto e assim grandes empresas nacionais, como a PT, EDP, Tranquilidade, ANA ou CTT, deixaram de ser portuguesas. Há uma ausência de capital nacional, as empresas estão muito endividadas, o Estado e a banca têm grandes vulnerabilidades e fragilidades financeiras, por isso há uma grande necessidade de atrair capital estrangeiro. No entanto Ana Suspiro tentou ir mais além e tentar compreender negócios como a venda da Vivo feita pela PT à Telefonica, por 7500 milhões de euros, o maior negócio em valor realizado por uma empresa portuguesa, a venda das ações da CGD na Cimpor à brasileira Camargo Corrêa, e a privatização da ANA. Nesta digressão procura revelar quem são os novos donos de Portugal.
Privataria – Quem Ganha e Quem Perde com as Privatizações em Portugal, Jorge Costa e Mariana Mortágua, Bertrand, 168 pp., 15,50 euros
Portugal à Venda, Ana Suspiro, A Esfera dos Livros, 190 pp., 15 euros
A mesma pergunta: Para onde vai Portugal?
Raquel Varela parte da pergunta Para onde vai Portugal? Por sua vez Ricardo Paes Mamede começa por se questionar sobre o passado deste presente – “Como chegámos aqui?” – para depois se interrogar sobre o futuro com o inevitável Para onde vai Portugal?. Nas palavras de Raquel Varela, “segue o ritmo premeditado de um ensaio, uma reflexão, sobre as prováveis saídas de desenvolvimento ou regressão social, o significado político do Estado social hoje e do pleno emprego e de como estes podem ser a alavanca de uma resposta civilizada à decadência nacional; é um ensaio também sobre as origens da baixa participação política dos mais jovens em Portugal e as propostas para enfrentar a crise atual do sindicalismo e da organização social. É ainda uma reflexão sobre relações humanas, costumes, sexo, amor, numa crítica à padronização/mercantilização quase total dos comportamentos sociais, que atingiu níveis inéditos, da alimentação à intimidade”.
Se Raquel Varela, historiadora, escreveu o livro tendo por guia as palavras realismo e esperança, Ricardo Paes Mamede, professor de economia, guiou-se pela citação de Gramsci, “do pessimismo da razão ao optimismo da vontade”. No entanto os pontos de chegada não são muitos diferentes. Como escreveu Raquel Varela, “creio que há soluções, este é o eixo deste ensaio, que garantem uma produção racional de bens e serviços, o pleno emprego, o Estado social e o acesso ao lazer para todos. (…) Escrevi este livro com estas duas ideias: realismo e esperança. Não sei se consegui ter ambos. Isso só os leitores poderão avaliar”. Por sua vez Ricardo Paes Mamede critica a liberalização da economia portuguesa nos anos 80 e 90, e numa entrevista chega a dizer que “o que aconteceu na década de 90 em Portugal foi um verdadeiro desastre para o País. Houve uma opção de reconstruir os grupos económicos portugueses, colocando a banca e os grupos financeiros à frente da economia. E uma obsessão em colocar Portugal no pelotão da frente da moeda única”. É a razão por que defende um Estado qualificado e interventivo e sobretudo uma política que nos tempos actuais crie mais investimento e mais emprego.
Para Onde Vai Portugal?, Raquel Varela, Bertrand Editora, 264 pp., 15,5 euros
O Que Fazer Com Este País, Ricardo Paes Mamede, Marcador, 240 pp., 15,75 euros
Presos políticos
O livro do jornalista Fernando Esteves, Cercado. Os Dias Fatais de José Sócrates, descreve a forma como o ex-primeiro ministro desceu ao Inferno da prisão, enquanto a realidade deste inferno é base autobiográfica do livro de Isaltino de Morais, ex-presidente da Câmara de Oeiras e episódico ministro. Aliás, este usa a expressão “descida aos Infernos” para explicar o ambiente prisional que viveu. A Minha Prisão é um diário dos 427 dias em que esteve preso, em que descreve as rotinas, o ambiente, as histórias no estabelecimento prisional da Carregueira. Não deixa de refletir sobre este mundo carcerário e refere a falta de assistência médica, a pouca qualidade da alimentação e que muitas vezes as greves dos guardas prisionais geram o caos. Por sua vez, Cercado. Os dias fatais de José Sócrates conta os últimos dias no poder, a sua campanha eleitoral e depois o seu recuo para Paris e a perseguição judicial que levaria à sua prisão em Novembro de 2014.
Cercado. Os dias fatais de José Sócrates, Fernando Esteves, Matéria Prima, 292 pp., 15,80 euros
A Minha Prisão, Isaltino Morais, A Esfera dos Livros, 496 pp., 17,10 euros