Clara Casanova Ferreira divide a sua vida entre o bulício citadino e a paz do campo. Em Lisboa, ela é senior account manager na Lewis, uma agência de comunicação integrada e de relações públicas, mas nos seus tempos livres é apicultora, militante da causa da conservação da vida selvagem e adepta da observação de aves.
É ao pai que deve a sua paixão pela conservação da Natureza e por observar os animais nos seus habitats, conta. “Felizmente, o meu pai também gostava muito destas coisas. O meu pai estava reformado — teve filhos já tarde — e a maior parte das nossas férias eram passadas na zona da Serra da Estrela, onde tínhamos todo o contacto com a natureza, várias vezes por ano. Lembro-me de haver sempre uma grande preocupação com a conservação das espécies, de o meu pai nos mostrar tudo, de plantar árvores desde pequena.”
Licenciada em Comunicação Empresarial e Relações Públicas pela Escola Superior de Comunicação Social e com uma pós-graduação em gestão de marketing pelo ISEG, Clara passou pelo marketing da Facesport, onde acompanhou os patrocínios ao Comité Olímpico e Paralímpico; pela Inosat, foi responsável de comunicação e marketing da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA, onde “ganhou o bichinho pela conservação das espécies de aves” e teve oportunidade de trabalhar de perto com a comunidade de cientistas portugueses) e foi account manager na Porter Novelli. Mais tarde, integrou ainda a equipa de marketing da International Masters Pusblishers e da COSEC. Está na Lewis desde o final de 2015 e há 9 anos que é voluntária da SPEA, a cujo board preside. “É muito gratificante ter a oportunidade de continuar a promover a conservação da Natureza em habitats como os Açores, Madeira ou Douro Internacional, onde temos agora projetos a decorrer.”
Águias e cegonhas em Sagres
Na SPEA, organizam-se saídas de campo para a observação de aves nos seus habitats naturais. A sociedade está também a tentar dinamizar o turismo ornitológico, promovendo atividades para famílias e para comunidade. Mas se em países como o Reino Unido, Estados Unidos ou os países nórdicos a observação de aves é uma atividade com forte tradição, entre nós ainda não é tão expressiva, apesar do número de adeptos ter vindo crescer, segundo Clara.
“A observação de uma cegonha negra, que é uma espécie em risco, é um momento raro e único. Já tive oportunidade de ver duas ou três que estavam juntas e o entusiasmo é contagiante.”
Todos os anos, a SPEA organiza o Festival de Bird Watching no Algarve, que decorre habitualmente na primeira semana de outubro e que tem vindo a registar cada vez mais participantes, nos últimos anos. “Sagres é um local privilegiado para acompanhar a migração para sul das grandes aves de rapina — abutres, águias, milhafres, cegonhas brancas e negras — mas também para passar a mensagem da conservação.” Há 300 espécies de aves que ocorrem em Portugal, mas o caso de Sagres é interessante, uma vez que é ali que as aves mais jovens (ou mais velhas) vão parar muitas vezes, devido à sua inexperiência ou à força dos ventos, quando deveriam passar mais por cima de Gibraltar, onde atravessam para o continente africano. Uma espécie de “erro de GPS” que as desvia da rota, mas que proporciona momentos únicos aos amantes do estudo das aves. “A observação de uma cegonha negra, que é uma espécie em risco, é um momento raro e único. Já tive oportunidade de ver duas ou três que estavam juntas e o entusiasmo é contagiante”, recorda.
Mas a SPEA também se tem mantido ativa em campanhas que estão a contribuir para salvar espécies de aves em risco, em Portugal. É o caso do priolo, espécie que apenas existe no nordeste da ilha de S. Miguel, hoje considerada ‘vulnerável’ mas que já esteve perto da extinção. “Poucos açorianos tinham ouvido falar o priolo, mas conseguimos fazer uma grande campanha e há hoje turismo ornitológico que nasceu desse trabalho de consciencialização. É uma ave que é nossa e que não existe em mais lugar nenhum no mundo. Se desaparecer, todo o ecossistema é afetado. Mas esta preocupação ambiental, infelizmente ainda não está na nossa génese.” O mecenato para a conservação animal ainda é muito reduzido no nosso país, logo, o trabalho de conservação é ainda mais árduo.
Um doce de inseto
A apicultura não é uma atividade com tradição na família de Clara Ferreira. “Mas desde cedo, o meu pai sempre nos ensinou a não matar as abelhas, que eram religiosamente afastadas e protegidas.” Foram uns primos residentes no Canadá, mas entusiastas das férias em Portugal e com colmeias no norte do país, que passaram o ‘bichinho’ a Clara e ao marido, há quatro anos. “Acabámos por comprar três colmeias e fizemos alguma formação. No Inverno, quando os meus primos estão no Canadá, tomamos conta das colmeias deles e quando eles estão em Portugal, no verão, dão-nos uma ajuda com as nossas colmeias na Serra da Estrela. Acaba por ser uma atividade de família, que fazemos por gosto.”
Os incêndios que fustigaram o país nos últimos dois anos não têm ajudado a que as abelhas tenham acesso ao pólen natural das flores, essencial ao mel de boa qualidade. Quando assim é, os enxames têm de ser alimentados com açúcares e farinhas de soja, de modo a sobreviverem, mas o resultado é um mel ralo, sem qualidade para consumo. “Continuamos sem produção porque o inverno foi muito rigoroso, o mato não cresceu e a serra continua queimada. Não devemos conseguir ter muito mel ainda este ano, mas estamos com esperança de que, pelos menos, consigamos manter os enxames vivos e saudáveis.” O ano passado contavam com uma produção de 80 litros, mas acabaram só por conseguir recolher 30. Por enquanto, só vai dando para consumo familiar, mas não é pela perspetiva de fazer negócio com esta atividade que Clara se dedica a ela. “Temos as colmeias a 300km de casa e isto torna-se um hobbie caro. Nem fizemos as contas ao quilo de mel, se o vendêssemos, porque não vale a pena. Por enquanto, é produzido para a família e amigos e com muito gosto.”
“Tenho dois filhos e tento passar-lhes a necessidade de cuidarmos do meio ambiente, tal como o meu pai fez comigo. Quero que possam beneficiar disso e passar as férias em contacto com a Natureza, junto ao rio, como aconteceu comigo.”
Clara e o marido até já são chamados por amigos e conhecidos para apanharem enxames de abelhas encontrados dentro ou perto de habitações, na zona de Lisboa. “Há quem queira matá-las com inseticida, por isso aproveitamos estas ocasiões para fazer alguma educação ambiental.” Também graças a estes “salvamentos” de urgência conseguiram aumentar o seu apiário, que chegou a ter 14 colmeias — cada uma pode conter até 60 mil abelhas. “Infelizmente, já perdemos algumas e temos hoje 9, no total. Temos pena quando não conseguimos que a mudança delas para outro local seja um sucesso. Afinal, elas são o nosso ‘gado’, como costumamos dizer — e não queremos que o gado morra. O desafio maior é conseguir mantê-las, porque podem não ter comida suficiente ou estar saudáveis. Há todo um acompanhamento que é necessário e não conseguimos fazer todos os dias a tempo inteiro.”
Este é também um hobby que lhes toma muitos fim de semana e que passou a roubar espaço na agenda para outras atividades de eleição, como o mergulho. Mas para Clara e para a sua jovem família, o esforço vale a pena e traz muito mais recompensas. “Tenho dois filhos e tento passar-lhes a necessidade de cuidarmos do meio ambiente, tal como o meu pai fez comigo. Quero que possam beneficiar disso e passar as férias em contacto com a Natureza, junto ao rio, como aconteceu comigo.”
Não são apenas os incêndios, a poluição ou as mudanças climáticas que põem as abelhas em risco. A mais recente ameaça dá pelo nome de vespa asiática e está a tornar-se numa praga, em Portugal. Esta espécie é predadora das abelhas e tem armas verdadeiramente assustadoras. “Têm um ferrão com 6mm de veneno, muito mais potente do que a nossa vespa comum (vespa germânica), e podem picar as vezes necessárias sem o perderem, ao contrário das abelhas. Dizima apiários inteiros e há apicultores com centenas de colmeias que estão a perder mais de metade da produção. São também um perigo real para os humanos — já há casos de mortes em Espanha. Podemos perder as nossas abelhas, não porque não estejamos a fazer esforços de conservação, mas porque este é um invasor sem predadores que se está a disseminar.”