Filipa Fixe ingressou na Glintt em 2016 como diretor da HealthCare, após uma carreira internacional de 15 anos de experiência profissional em um ambiente B-2-B e B-2-C, sendo responsável pelo desenvolvimento de negócios, inovação, definição de estratégia e implementação de soluções em diferentes contextos: ciências da vida, tecnologia e saúde.
É desde 2018 administradora executiva desta multinacional tecnológica. Como primeira mulher na Comissão Executiva da Glintt, Filipa Fixe gostaria de deixar como marca trazer mais uma mulher a bordo – “isto obviamente além de ajudar a empresa a atingir os seus objetivos” -, porque considera fundamental aumentar o pipeline feminino para que mais mulheres tenham a possibilidade de ascender a cargos de gestão. Filipa Fixe conhece bem esta necessidade pois na área de life science, onde desenvolveu grande parte da sua carreira, mais de metade dos profissionais são mulheres, mas na gestão não são mais de 3%.
Filipa Fixe licenciou-se em Engenharia Química, é mestre em Engenharia Bioquimica, fez o doutoramento em Bio/Nanotecnologia no desenvolvimento de chips de DNA para a deteção de alterações genéticas. O seu percurso profissional é caracterizado por uma forte presença em áreas ligadas à tecnologia e à gestão da saúde. Filipa foi nomeada em junho de 2020 para Supervisor Board Member para o EIT Health Innostars, e era membro do Strategic Education Board do EIT Health, cargo que irá manter. É membro da direção da APDSI e Professora Auxiliar Convidada na Universidade de Lisboa. É autora e coautora de várias publicações em jornais e em conferências internacionais nas áreas da bioeletrónica, biomedicina, biotecnologia, educação e ehealth.
Nesta entrevista, fala-nos sobre o seu percurso, sobre o que mais a marcou nos últimos anos e sobre o seu principal desafio como administradora executiva da Glintt.
A tecnologia e a saúde dominam o seu percurso. Qual era o seu sonho quando escolheu a licenciatura de Engenharia Química?
O que me moveu para escolher Engenharia Química foi a paixão pela componente laboratorial de experimentação, investigação e pelas novas descobertas que seriam possíveis no campo da Química/Física. Mais tarde e já durante a licenciatura o ramo de biotecnologia trouxe-me efetivamente uma ligação muito forte com a área da saúde e com a combinação de muitas outras disciplinas que podem potenciar o desenvolvimento das ciências da vida e da medicina.
Se me perguntassem se não teria sido preferível ter entrado no mundo empresarial antes de fazer o doutoramento diria que não. Cresci muito, foi-me muito útil este percurso tanto ao nível pessoal, como profissional.
Não é habitual ter gestores com artigos científicos publicados. Quando e por que razão decidiu deixar a academia para se mudar para o mundo das empresas?
Fiz a licenciatura, o mestrado e o doutoramento na área das Ciências da vida e quando regressei a Portugal, após finalizar o doutoramento, quis perceber como tudo o que já tinha realizado num percurso mais científico poderia ser aplicado no mundo empresarial e ligado ao setor da saúde. É sempre importante sair da nossa zona de conforto. Só assim acredito que podemos explorar as nossas capacidades e evoluir profissionalmente. “Não são os mais fortes ou os mais inteligentes que sobrevivem, mas os que melhor se adaptam à mudança” [frase de Leon C. Megginson, professor da Louisiana State University]
Em que medida a sua experiência académica/investigação foi uma mais-valia quando entrou na PT?
Os projetos de mestrado e de doutoramento deram-me a oportunidade de trabalhar com pessoas extraordinárias quer do ponto de vista intelectual quer do ponto de vista pessoal e isso é algo que fica para a vida. A vivência de experiências profissionais e sociais fora de Portugal foram também fundamentais para uma visão mais alargada do trabalho em equipa e na concretização de objetivos.
O percurso académico até aqui permitiu ter uma capacidade de abstração, analisar contextos diferentes numa perspetiva multidisciplinar e, por outro lado, uma capacidade de resiliência muito forte, de não desistir e de manter o foco até atingir o objetivo. Essa é a principal experiência que eu trago.
Quais considera terem sido os momentos-chave que contribuíram para chegar ao lugar que hoje ocupa?
Quando eu decidi que ia olhar para o mundo empresarial como uma opção de futuro, foi sem dúvida um desses momentos. O outro foi o doutoramento. Se me perguntassem se não teria sido preferível ter entrado logo no mundo empresarial, antes de fazer o doutoramento, diria que não. Ainda bem que o fiz. Cresci muito, foi-me muito útil este percurso tanto ao nível pessoal, como profissional. Acredito que não teria crescido tanto se tivesse logo entrado numa empresa em Portugal, porque me abriu portas para um conjunto de novas áreas. Fez-me estudar, aprender, ser mais curiosa e mais resiliente. Nem sempre tive sucesso, mas aprendemos com os erros. São lições de vida. Estes foram os dois momentos-chave que decidiram o meu percurso profissional.
Depois há o tema Atitude. Porque em boa verdade estes passos em nada foram fáceis. Quando se chega a uma telco com um doutoramento em Bio/Nanotecnologia é tudo muito diferente. E portanto a resiliência – na altura chamavam-me teimosa, agora o nome pomposo é resiliente (risos) – de querer fazer e aprender foram sempre marcantes ao longo do meu percurso que não é melhor nem pior do que o de outros. É muito importante ter um objetivo e depois ter o foco e fazer acontecer. Vamos errar, mas se tivermos foco conseguimos corrigir e aprender. Este mote é fundamental.
[É um desafio] garantir que mesmo em trabalho remoto a cultura da empresa e o propósito está em cada uma das nossas pessoas.
Qual a melhor decisão de carreira que tomou?
Fazer o doutoramento antes de entrar para o mundo corporativo.
E qual o seu maior desafio profissional?
Neste momento de pandemia, vivemos num “novo normal” que transformou a sociedade e acelerou em mais de uma década a adoção da tecnologia no nosso dia-a-dia pessoal, profissional e nos diferentes setores de atividade.
A capacidade de adaptação e a resiliência das organizações é crucial para se tornarem mais ágeis, mais próximas dos seus colaboradores e com maior capacidade de inovação tecnológica. Outro grande desafio é o de garantir que mesmo em trabalho remoto a cultura da empresa e o propósito está em cada uma das nossas pessoas.
Que competências considera críticas para ser uma boa profissional na sua função?
Tal como referido anteriormente, destaco quatro competências críticas: inovação, adaptação à mudança, resiliência e o foco nas pessoas.
Qual a parte do seu trabalho que mais a entusiasma?
Estou numa área que tem tecnologia e saúde. E estas são áreas que me fazem brilhar os olhos desde a altura da faculdade. O dia a dia nunca há de ser fácil, seja no mundo académico, como no profissional, mas se gostarmos nunca há de ser difícil o levantar e ir trabalhar naquilo que gostamos. Isto é já 50% da energia que precisamos para o resto do dia!
Quando decido sair de Portugal e me aventuro num país diferente, para morar sozinha e continuar a minha formação profissional, o resultado só podia ser um crescimento pessoal gigante.
Quais as áreas que estão sob a sua responsabilidade e quais os maiores desafios que enfrentam atualmente?
Atualmente, tenho sob a minha responsabilidade o vertical de “HealthCare”, que inclui a área comercial, desenvolvimento e consultoria de negócio, desenvolvimento do produto da área hospitalar (propriedade intelectual da Glintt) e implementação de soluções e respetivo suporte.
Um dos maiores desafios é claramente garantir a motivação das diferentes equipas e que cada uma entende o propósito do que faz no seu dia-a-dia. O outro desafio é procurar, de forma contínua, que a inovação que a saúde e a tecnologia podem proporcionar é adotada pelos nossos colaboradores e incorporada pelos nossos clientes através das nossas soluções. Acreditamos que a tecnologia é um dos alicerces para melhores cuidados de saúde, com mais equidade a custos controlados.
Esta pandemia trouxe-nos uma realidade diferente em que o ecossistema mais alargado da saúde tem de efetivamente ser centrado nas pessoas e na gestão da saúde e não na gestão doença.
Como diz Michio Kaku (físico americano) “As próximas duas grandes indústrias a serem impactadas pelo mundo digital são a medicina e a educação. Teremos mais poder num smartphone do que um hospital universitário e moderno tem hoje. Apesar dos rápidos avanços da tecnologia, os humanos continuarão a ser fundamentais na tomada de decisão”.
Já trabalhou no estrangeiro, nomeadamente na Dinamarca. O que mais a marcou nessa experiência internacional?
O tema grande desta experiência é o crescimento pessoal. Quando de repente decido sair de Portugal, e me aventuro num país diferente para morar sozinha e continuar a minha formação profissional, o resultado só podia ser um crescimento pessoal gigante. Ao nível profissional foi importante porque conheci outras culturas, outras formas de trabalhar, de interagir com outros modelos de organização e de cometer novos erros (risos). Na primeira noite convidaram-me para jantar e eu apareci às 19h e já estavam desde as 18h30 à minha espera (ups…).
São modelos culturais e de organização muito diferentes e que têm niveis científicos muito bons, assim como Portugal. É muito bom trocar experiências internacionais, perceber outros modelos de funcionamento, aprender e partilhar.
Pessoal e profissionalmente foi um salto que não conseguiria de outra forma se me mantivesse em Portugal. Portugal é ótimo mas conhecer novas culturas é essencial para abrir os nossos horizontes e para valorizar ainda mais o que temos e conseguimos alcançar.
Cabe às mulheres portuguesas arriscar mais e não ter receio de se candidatarem a novas posições ou funções que muitas vezes achamos não conseguir. Nós mulheres somos muito autocríticas.
Que principais diferenças notou na forma como as mulheres se posicionam no trabalho?
O tema das mulheres, da sua vida pessoal e profissional, tem muito a ver com o tema cultura. Voltando um pouco à Dinamarca, há 15 anos, uma das grandes diferenças que senti é que as “chamadas tarefas familiares” eram partilhadas de igual forma por homens e mulheres. Em vez de “tarefas familiares” prefiro chamá-las tarefas essenciais e não tarefas de género.
Outra característica que pude observar: os dinamarqueses tinham os filhos numa idade muito jovem. Uma das coisas que me surpreendeu foi o facto dos meus e minhas colegas já serem pais na altura, mesmo os que estavam a fazer mestrado/doutoramento. Ou seja, falando especialmente sobre as mulheres, quando ingressam no mercado do trabalho já são mães com filhos de dois, três anos. E isto tem um grande impacto na vida profissional da mulher, que ganha maior liberdade familiar e que tem o par que assume desde início e de forma cultural uma posição de partilha de tarefas em igualdade.
É um caminho que Portugal tem vindo a fazer, mas temos ainda muito que melhorar, sendo que cabe às mulheres portuguesas arriscar mais e não ter receio de se candidatarem a novas posições ou funções que muitas vezes achamos não conseguir. Nós mulheres somos muito autocríticas. Por exemplo, lemos as funções exigidas num anúncio de emprego e se vemos algo com o qual não estamos 100% à vontade, riscamos da equação. Enquanto que os homens são muito mais confiantes, se a primeira linha de exigências está preenchida, então siga, vamos lá!
Arriscar é importante, assim como o é o fator Networking! Enquanto os homens o têm enraizado, nós mulheres precisamos de treinar mais. Mas já assistimos a claras mudanças na sociedade portuguesa. Mais mulheres em cargos de gestão e de topo, e mais homens a querer tirar licenças de paternidade. Eu vejo isso na minha equipa. E esta evolução é importante tanto para a vida profissional, como pessoal, ganhando os homens uma relação muito mais próxima com os filhos desde tenra idade.
Houve alguma pessoa que tenha tido um impacto fundamental na sua carreira? Um role model, um(a) mentor(a)?
Ao longo da minha vida académica os professores, os colegas que me deram mentoria e orientaram a minha tese eram de qualidade ímpar, tanto ao nível profissional, como do ponto de vista de relacionamento pessoal. Foram pessoas que me marcaram muitíssimo. No mundo empresarial, recordo algumas das frases que as chefias que tive me disseram e foram momentos impactantes na minha vida. E às vezes são frases que não vêm no momento mais feliz da nossa carreira (risos), mas que nos marcam para percebermos como no futuro devemos atuar, as chamadas críticas construtivas. E quando se pensa novamente no tema, garantimos que estamos a ter uma abordagem mais assertiva/correta, porque houve alguém que no passado que alertou, que fez mentoria.
Portanto, as chefias com as quais trabalhei também as vejo como role models porque são pessoas com as quais eu aprendo no dia a dia e isso para mim é fundamental num líder. O fator aprendizagem diária. E tenho tido a sorte de ter essas pessoas comigo.
As equipas com as quais tenho trabalhado são também fatores de inspiração e de aprendizagem diária.
Que conselho deixaria a uma jovem executiva que ambiciona vir a liderar uma empresa no futuro?
Nunca desistir, ter um objetivo e fazer acontecer, respeitando sempre os outros. “Lembrem-se de olhar para as estrelas lá em cima e não para os pés lá em baixo. Tenta entender o que vês e pergunta sobre o que faz o Universo existir. Sê curioso. Por mais difícil que a vida pareça, há sempre algo que podes fazer para ter sucesso“, Stephen Hawking.
TECH WOMEN, BT GLINTT
“Na Glintt criámos o “Tech Women, by Glintt”, um programa que aposta na diversidade em todos os seus aspetos, tendo por base o papel das mulheres nas TI. Enquanto na educação, saúde e serviço social há 30% de mulheres e 7% de homens, nas tecnologias e engenharias há 9% das mulheres e 31% dos homens. E é precisamente nas tecnologias que está a aposta ao nível de crescimento económico na União Europeia. Sendo a Glintt uma multinacional tecnológica dedicada ao mercado da saúde, queremos desenvolver de dentro para fora uma postura e ações capazes de mudar este cenário. E foi no seguimento do Dia da Mulher, que demos o pontapé de saída para o Tech Women, by Glintt.
Uma das primeiras iniciativas deste programa são as Glintt Women Tech Talks (GWTT), que surgem da vontade de dar a conhecer histórias e experiências inspiradoras e de sucesso, em contexto corporativo, contadas na primeira pessoa por mulheres que são autênticos role models. No final, o objetivo é criar momentos de networking e de maior descontração entre os colaboradores e colaboradoras da Glintt, e os oradores(as) convidados(as). A primeira sessão terminou com um cocktail e networking, já a segunda no dia 19 de junho foi através de plataforma digital, devido à situação de pandemia. Estas conversas têm uma periodicidade trimestral e a próxima está já marcada para setembro.
Temos de garantir que as mulheres chegam a cargos de direção e de gestão da mesma forma que os homens chegam.
Estes role models são importantes para saber como atrair mais mulheres para a tecnologia, como contribuimos para a sociedade, entre outras questões que precisam de resposta. Cada vez há mais raparigas e com mais sucesso em cursos de Engenharia, aliás quando eu andei no IST o curso de Engenharia Química era o único que tinha 50% de mulheres, todos os outros contavam com uma percentagem infima do sexo feminino.
Hoje em dia vemos que as faculdades de engenharia têm muito mais áreas de ensino relacionadas com as ciências da saúde (áreas como biomédicas e biologias) o que acaba por atrair mais mulheres. Temos é de garantir que elas chegam a cargos de direção e de gestão da mesma forma que os homens chegam. O papel das mulheres que o conseguiram passa então por garantir que há uma discussão mais aberta, daí promovermos esta iniciativa Tech Women e as GWTT dentro da Glintt para partilharmos experiências e responder às questões das nossas colaboradoras e colaboradores e para que a gestão da Glintt também perceba como pode melhorar e garantir esta equidade para que as mulheres atinjam cargos de chefia e conseguir atrair mais talento feminino desde a base. Porque ao alimentarmos a pirâmide, com certeza vamos ter mais mulheres nos órgãos de gestão.