Cinco mulheres com testemunhos de carreira inspiradores partilharam a sua experiência sobre os desafios da liderança feminina, com a plateia que encheu o Auditório Carvalho Guerra, da Católica Porto Business School, no fim da tarde de dia 6 de março. A mesa redonda moderada por Isabel Canha e Maria Serina, fundadoras da Executiva, juntou Sofia Salgado Pinto, dean da Católica Porto Business School, Maria Antónia Torres, membro da Comissão Executiva da PwC, Isabel Barros, diretora de recursos humanos da Sonae MC, Sara do Ó, CEO do Grupo Your, Maria Cândida Oliveira, uma das primeiras gestoras da indústria em Portugal, atualmente na direção da Inovagaia.
Acelerar rumo à mudança
Maria Antónia Torres, membro da comissão executiva e partner pelo departamento fiscal da PwC, abriu o debate no papel de key note speaker, numa intervenção em que falou dos fatores que as organizações podem promover para acelerar a progressão profissional das mulheres: garantir que o recrutamento capta o talento feminino sem discriminação – “uma das perguntas nas entrevistas ainda é se a mulher pretende casar e ter filhos” –, que os processos de avaliação não deixam esse talento de fora, e que as organizações promovem uma verdadeira cultura de meritocracia. “Claramente ela não estará a funcionar”, observou, lembrando ainda como muitas das empresas do PSI 20 “se declaram incapazes de cumprir as percentagens de mulheres com competências para assumir o seu papel nas suas comissões executivas.”
Maria Antónia Torres: “Nunca fui grande fã desta questão das quotas, acho que temos poucas alternativas e que elas são um fator acelerador. Mas um dos meus receios é que exista uma legislação de quotas sem que haja uma verdadeira adesão ao tema.”
A diversidade de género está hoje na ordem do dia “mais que há três anos“, e deve começar a ser vista também como fator de desenvolvimento das empresas, que dela necessitam para crescerem. Até porque, lembrou, são as mulheres quem toma metade (senão a maioria) das decisões de consumo de produtos e serviços. “As estatísticas dizem que, a este passo, seriam precisos 80 anos até atingirmos a verdadeira igualdade de género no mundo do trabalho. Eu, que nunca fui grande fã desta questão das quotas, acho que temos poucas alternativas e que elas são um fator acelerador. Mas um dos meus receios é que exista uma legislação de quotas sem que haja uma verdadeira adesão ao tema.”
Maria Antónia Torres partilhou ainda a sua visão de como, muitas vezes, são as próprias mulheres com aptidões de liderança que se afastam voluntariamente do trajeto de progressão de carreira por sentirem que ela compete com o seu papel familiar. “Acredito que a maior parte deste trabalho de aceleração tem de ser feita pelas mulheres.”
Novas líderes mais ousadas
A dean Sofia Salgado abriu o debate a cinco vozes, observando que há hoje mais mulheres a liderar instituições de ensino superior, fenómeno de que a Universidade Católica é exemplo, com a reitoria assumida hoje por Isabel Capelo Gil e por Maria da Glória Garcia, em 2012, quando se tornou a sua primeira reitora. “Há muitas mulheres em cargos de liderança também em outras faculdades. Não há paridade total mas o rácio é bem diferente daquele que se encontra nas organizações. Os nossos conselhos de reitoria e reuniões de direções de unidades académicos, será bem de 40 ou 50%.”
Isabel Barros: “Na Sonae nunca defendemos as quotas mas percebemos que se não tivermos aceleradores muito dificilmente iríamos pôr o tema da agenda.”
Isabel Barros partilhou o exemplo do grupo Sonae, que conta com 30% de liderança feminina nos conselhos de administração das suas empresas. “Nunca defendemos as quotas mas percebemos que se não tivermos aceleradores muito dificilmente iríamos pôr o tema da agenda. Desde 2011 colocámos targets, e não só ao nível dos conselhos de administração ou comissões executivas, mas ao longo da nossa pirâmide. Percebemos que tínhamos mais mulheres em cargos de chefia do que homens, mas que, à medida que íamos progredindo na pirâmide, as mulheres iam desaparecendo. A maternidade é um fator de desigualdade maior do que o género, e é quando a maioria das mulheres a abraça que acontece esse revés na pirâmide.”
Para Maria Cândida Oliveira, as mulheres são hoje muito mais arrojadas e criativas quando se assumem como empreendedoras e líderes. Um dos exemplos desta nova geração é Sara do Ó, a CEO do grupo Your, que aos 26 anos trocou a carreira numa grande consultora pela criação do seu projeto na área da contabilidade. “Começámos há 10 anos em 12 metros quadrados com três pessoas e hoje somos 150 pessoas, 110 dos quais mulheres, que ocupam 70% dos cargos de liderança. Os procedimentos que permitam a progressão devem vir de dentro das organizações, mas se ela não nos dá reconhecimento e condições para progredir, cabe-nos a nós mudar.”
Família e trabalho: um equilíbrio precário
O equilíbrio entre a vida familiar, a maternidade e a carreira foi um dos temas quentes da mesa redonda. Sara do Ó observou que muitas mulheres bem sucedidas ainda são confrontadas com o preconceito de serem mães negligentes e recordou as palavras de Sofia Tenreiro no livro ‘Lições de Liderança de CEO Portuguesas’: a escolha do marido é, afinal, mais importante para a progressão na carreira do que à partida poderia achar-se. Para Maria Antónia Torres, as mulheres têm que ser criadoras do seu próprio contexto familiar e social. “Não temos que nos encaixar neste papel social que nos dão. Em minha casa, o meu pai disse-me que poderia fazer tudo e isso ajudou-me a não sentir essas restrições.”
Sofia Salgado Pinto: “Normalmente, as limitações não estão na mulher ou na profissional, vêm de fora e são mais perceção que realidade. As mulheres que não temem comentários como ‘vai ser difícil’, geralmente são aquelas que conseguem.”
Isabel Barros recordou como uma boa rede de apoio familiar pode ajudar as profissionais a progredir na carreira, mas que cabe às empresas adotarem processos que facilitem o equilíbrio família e casa. “Marcar uma reunião para as 8h da manhã é claramente incentivar à autoexclusão [da progressão de carreira para mulheres que são mães]. Em muitos países da Europa acredita-se que é possível ter carreira e ser líder em algumas empresas e posições em tempo flexível.” O programa de mentoria parental que a Sonae promove para os seus funcionários que foram pais e mães recentemente é um dos exemplos de práticas neste sentido, referiu a responsável de recursos humanos.
“É preciso sabermos gerir os nossos tempos”, observou Maria Cândida Oliveira. “Sou mãe, fui casada quase 30 anos e tive uma carreira profissional quase a 200%. Costumo dizer que geria melhor o meu tempo nessa altura do que agora. Mas isso depende muito do amor que nós pomos nas coisas. Só queria ter êxito naquilo em que acreditava e, sobretudo não defraudar as expectativas de quem confiava em mim. Tive problemas na vida, sim. Mas é com os obstáculos que encontramos que nos superamos e nos multiplicamos.”
Por seu lado, Sofia Salgado acredita que as alunas da Católica Porto Business School “têm essa características de superação e ousadia”, um passo importante para a liderança. “Normalmente as limitações não estão na mulher ou na profissional, vêm de fora e são mais perceção que realidade. As mulheres que não temem comentários como ‘vai ser difícil’, geralmente são aquelas que conseguem.”
Não chega ser competente
Como podem as mulheres ganhar visibilidade nas organizações de modo a progredirem rumo à liderança? Para Maria Antónia Torres é importante aceitar desafios para cargos, mesmo quando as dúvidas existem. “Muitas vezes saíram sins da minha boca e só depois pensei no que me propunham e o que representava. É algo que falta muitas vezes. Os homens também têm mais facilidade para o networking informal e isso é muito importante. Nós estamos mais divididas com as responsabilidades familiares. A visibilidade é uma questão muito importante; ser uma ‘formiguinha‘ muito competente não é suficiente. Na altura certa temos que nos pôr em bicos de pés. Não tive uma única promoção que não representasse uma guerra, ou em que não tivesse dito ’então e eu?’ As mulheres talvez sejam mais contidas neste aspeto.”
A CEO do grupo Your acredita que a visibilidade das lideranças femininas é cada vez maior graças as suas características particulares. “Acho que temos um sexto sentido, maior capacidade de pedir ajuda, não temos medo de mostrar emoções. Conseguimos impor-nos de uma forma natural e transparente. A visibilidade da mulher nasce quando ela quer, acredita e tem o coração a arder para fazer e construir alguma coisa. Quando isso acontece, ela brilha em qualquer lado, num open space ou numa sala de reuniões.”