Cláudia Quaresma tem um doutoramento em Engenharia Biomédica pela NOVA School of Science and Technology e é professora no Departamento de Física, na área da Engenharia Biomédica, na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa e investigadora no Centro de Investigação LIBPhys. Os seus projetos de investigação têm-se centrado em Engenharia Biomédica, com especial foco em Reabilitação. As suas áreas científicas de investigação estão relacionadas com biomecânica e desenvolvimento de novas tecnologias, com especial foco na área da Reabilitação. Tem vários prémios no currículo e uma patente internacional de dispositivo médico.
Coordenadora do 3D Printing Center for Health, que cria próteses e dispositivos de apoio a doentes impressas em 3D, e já ajudou cerca de 30 pessoas com dificuldades motoras de diferentes regiões do país e desenvolveu vários dispositivos para alguns serviços de diferentes instituições de saúde nacionais, Cláudia Quaresma orgulha-se das histórias com final final que já conseguiram até agora.
Como é que a tecnologia pode contribuir para o desenvolvimento da saúde?
A tecnologia tem cada vez mais um papel crucial no desenvolvimento da saúde, não só porque contribui para a precisão do diagnóstico, mas também porque facilita a monitorização objetiva e padronizada dos doentes, em tempo real, em diferentes contextos, desde o clínico até ao domicílio. Isso permite, por exemplo, uma identificação precoce de disfunções ou patologias ou mesmo emergências. Adicionalmente é possível, com a tecnologia, adaptar as metodologias de intervenção às necessidades clínicas de cada pessoa, facilitando a personalização do tratamento, para além de optimizar o processo. A tecnologia facilita a redução do uso de papel em contexto clínico, permitindo que toda a informação da pessoa esteja integrada em formato digital.
Em suma, a tecnologia, de uma forma geral, apoia no diagnóstico mais preciso, numa avaliação contínua em diferentes contextos, num tratamento mais personalizado, na gestão mais eficiente da informação e na optimização dos processos.
Como surgiu a ideia do 3D Printing Center for Health?
A ideia do 3D Printing Center for Health surge da iniciativa de um grupo de investigadores que integram as Unidades de Investigação “Laboratório de Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física das Radiações – (LIBPhys)” e “Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Engenharia Mecânica e Industrial – (Unidemi)”, e o FCT FabLab, tendo como objetivo adaptar e desenvolver próteses, dispositivos de apoio e outros dispositivos para a saúde com o recurso a técnicas de impressão 3D.
O 3D Printing Center for Health está localizado na NOVA School of Science and Technology | FCT NOVA e colabora com diversas instituições da área da saúde como, por exemplo, Hospital Curry Cabral, Hospital D. Estefânia, Hospital de Santa Maria e Centro de Medicina e Reabilitação do Alcoitão.
Um dos projetos desenvolve ou adapta próteses de membros superiores impressas em 3D e outro desenvolver dispositivos de apoio com recurso à impressão 3D para ajudar crianças, adultos e idosos a realizarem tarefas simples, como segurar uma chave ou escrever à mão.
Qual a missão e como a desenvolvem?
O 3D Printing Center for Health tem como missão promover, coordenar e desenvolver atividades de desenvolvimento tecnológico, na área da saúde e independência funcional, com recurso à impressão 3D e com impacto social. Temos como foco ser um centro de referência nacional e internacional para a saúde e independência funcional, contribuir para o desenvolvimento de próteses, produtos de apoio e criação de dispositivos baseados em técnicas de impressão 3D.
Neste momento o Centro coordena os projetos E-nable 3D printing Center for Health – Centro de referência e-nable para o desenvolvimento de próteses e o Motion Seeker: Desenvolvimento e fabrico de dispositivos de apoio personalizados.
O projeto E-nable 3D Printing Center for Health tem como objetivo desenvolver ou adaptar próteses de membros superiores impressas em 3D. Já o projeto Motion Seeker tem como foco desenvolver dispositivos de apoio com recurso à impressão 3D para ajudar crianças, adultos e idosos a realizarem tarefas simples, como segurar uma chave ou escrever à mão. Este processo é altamente personalizado e tem em consideração as necessidades clínicas de cada pessoa. Além disso, o Centro não se limita a esses dois projetos e tem a intenção de ampliar sua atuação, sempre que possível, mantendo o seu objetivo de desenvolver dispositivos com recurso à impressão 3D com elevado impacto social. É importante realçar que o processo de desenvolvimento de cada solução é feito utilizando uma metodologia de cocriação, envolvendo pacientes, cuidadores informais, profissionais de saúde, investigadores e estudantes
Quantas pessoas já ajudaram com esta actividade?
Neste momento já ajudámos cerca de 30 pessoas com handicaps motoras de diferentes regiões do país. Adicionalmente desenvolvemos vários dispositivos para alguns serviços de diferentes instituições, como por exemplo, o Hospital Curry Cabral, Hospital de Santa Marta e Hospital de Santa Maria.
Que histórias com final feliz mais a marcaram?
Confesso que todas as histórias são marcantes e únicas, uma vez que temos tido a sorte de todas, até hoje, terem tido um final feliz. Porém, não posso deixar de destacar a alegria das crianças, que nasceram com uma amputação quando, pela primeira vez, usam um dos dispositivos desenvolvidos e percebem que conseguem, por exemplo, usar a faca ou o garfo ou mesmo fazer um coração com as mãos.
Vem da área da reabilitação a que junta um doutoramento em Engenharia Biomédica. Considera que esta conjugação lhe confere um olhar distinto do de outros cientistas?
A combinação de conhecimentos e experiências em Reabilitação e Engenharia Biomédica é extremamente valiosa para compreender as necessidades e perspetivas de cada área e de como se podem complementar. A formação em Reabilitação dá uma compreensão profunda das necessidades dos pacientes e dos desafios que enfrentam, e o doutoramento em Engenharia Biomédica permite ter uma compreensão dos princípios da tecnologia e da engenharia e que podem ser aplicados para solucionar estes desafios.
Esta combinação de formações proporciona-me uma visão ampla e integrada da saúde e da reabilitação, facilitando o desenvolvimento de tecnologias mais eficazes e inovadoras para a saúde. Ajuda a melhorar a qualidade de vida dos pacientes e a facilitar o seu processo de recuperação.
A vontade de aprender e a constante insatisfação são algo que me acompanham em permanência.
Em termos de investigação, a que áreas se dedica e com que resultados?
As minhas áreas científicas de investigação estão relacionadas com a biomecânica e o desenvolvimento de novas tecnologias, com especial foco na reabilitação. Alguns projetos desenvolvidos incluem a construção de ortóteses personalizadas, a criação de ferramentas digitais de monitorização do processo de reabilitação de pessoas com alterações cognitivas e/ou preceptivas e/ou motoras, e o desenvolvimento de metodologias de análise de parâmetros fisiológicos. Todos os projetos são desenvolvidos em parceria com a clínica, tais como com o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, o Hospital Garcia d’Orta, o Centro de Medicina e Reabilitação do Alcoitão, entre outros.
Que soluções concretas são criadas?
Os projetos que tenho desenvolvido são, sobretudo, em parceria com instituições de saúde. Todos os projetos são submetidos às comissões de ética das instituições clínicas parceiras e só fazemos testes após a sua aprovação. Nestes projetos participam também alunos de doutoramento e de mestrado.
Para além dos projetos desenvolvidos no âmbito do 3D Printing Center for Health, destaco três que tiveram grande impacto nos últimos dois anos:
O HomeSafe foi desenvolvido durante o período de pandemia com o objetivo de monitorizar, em tempo real, sintomas COVID na população idosa e info-excluída. É constituído por uma aplicação móvel e um módulo de sensores wereables (termómetro e oxímetro). O HomeSafe está vocacionado para dar apoio aos lares e instituições de apoio a idosos, podendo também ser aplicado na monitorização de sintomas COVID durante o processo de reabilitação, neste contexto.
Já o projeto RehabVisual é uma plataforma que permite estimular as competências visuomotoras. Foi inicialmente desenvolvido para ser aplicada em bebés com diferentes alterações de desenvolvimento e, posteriormente adaptado, para ser usado em pessoas que sofreram um acidente vascular cerebral. Integra, por um lado, a vertente terapêutica e também a avaliação oftalmológica. De forma complementar permite disponibilizar aos prestadores de cuidados um conjunto de estímulos que poderão ajustados às necessidades clínicas dos doentes. Permite, por exemplo, analisar de forma sistematizada a evolução dos doentes.
EvalPain tem como objetivo desenvolver uma ferramenta que consiga quantificar a dor através da recolha a análise de parâmetros fisiológicos. Assim, a pergunta foi: será que existe uma relação entre os parâmetros fisiológicos e o score de dor em indivíduos com patologia do ombro? Foram recolhidos sinais de actividade eletrotérmica e de atividade cardíaca em pessoas sem patologia e com patologia. Apesar da grande variabilidade entre indivíduos, verificámos que existe uma correlação positiva entre a amplitude do sinal e o score de dor, ou seja, quanto maior o score de dor maior a amplitude deste sinal.
O que representam para si ser uma académica e os prémios que tem conquistado?
Uma académica, para mim, é alguém que associa a investigação à inovação bem como ao ensino. É muito motivador e fascinante, uma vez que implica, por um lado, uma aprendizagem constante e, por outro, uma insatisfação permanente. Estes sentimentos de vontade de aprender e constante insatisfação são algo que me acompanham em permanência.
Já relativamente aos prémios gostaria de destacar que representam o reconhecimento do trabalho desenvolvido e são, igualmente, um incentivo a tentar fazer cada vez melhor.
Considera que em Portugal a inovação tecnológica é facilmente posta ao serviço da sociedade ou há entraves? Quais e como poderiam ser ultrapassados? Há financiamento para esclarecer estas ideias?
Em Portugal, como em muitos outros países, há desafios que dificultam a implementação da inovação tecnológica ao serviço da sociedade. Alguns desses entraves incluem falta de recursos financeiros, falta de colaboração entre os setores público e privado, e a dificuldade na transferência da tecnologia inovadora que é desenvolvida em contexto de investigação para o mercado. No entanto, existem também muitas iniciativas e programas que estão a ser implementados para ajudar a ultrapassar esses entraves e a fomentar a inovação tecnológica em Portugal. Por exemplo, existem vários programas de financiamento disponíveis para apoiar o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, incluindo programas europeus como o Horizonte Europa. Além disso, já existem muitas organizações e instituições de investigação que trabalham na promoção do desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras em diferentes áreas como a saúde, a energia e a agricultura, entre outras, em estreita colaboração com empresas e outras entidades para promover a inovação e aplicá-la à sociedade.
Para superar esses entraves e aproveitar ao máximo o potencial da inovação tecnológica em Portugal, é importante que haja uma colaboração eficaz entre os meios académico e empresarial, e que sejam disponibilizados recursos financeiros e outros recursos para apoiar o desenvolvimento e a implementação de soluções inovadoras para garantir que a inovação tecnológica possa ser colocada ao serviço da sociedade de forma eficaz e eficiente.
De todas as atividades que desenvolve, o que a deixa mais feliz e realizada?
Em geral, todas as atividades me deixam particularmente feliz. Destaco que perceber que a investigação que faço poderá ter um grande impacto nos cuidados saúde, nomeadamente, no processo de reabilitação é muito gratificante, tal como ensinar.
Porque não há mais mulheres na área da ciência e tecnologia e o que pode ser feito para mudar este estado?
Existem várias razões pelas quais as mulheres estão sub-representadas na ciência e tecnologia. Alguns dos fatores incluem: I) as crenças sociais sobre o papel das mulheres e dos homens na escolha da profissão, em que a ciência e tecnologia são vistas maioritariamente como áreas masculinas; II) as mulheres precisam de ver outras a serem bem-sucedidas na ciência e tecnologia para se inspirarem e acreditarem que é possível; III) as mulheres na ciência e tecnologia, por vezes, podem ter desafios adicionais, como falta de apoio, discriminação e falta de oportunidades de liderança.
Para mudar este paradigma penso que será necessário: I) educar as crianças e o público em geral sobre a importância da igualdade de género e ajudar a quebrar estereótipos; II) dar oportunidades para que as mulheres tenham acesso à ciência e tecnologia, como programas de mentorias, cursos, workshops e outros recursos; III) promover a diversidade e a inclusão em ambientes de trabalho e em programas de ensino, ajudando a que todos tenham acesso às mesmas oportunidades; IV) implementar políticas e práticas que promovam a igualdade de género, incluindo quotas, igualdade salarial e oportunidades de liderança para mulheres.
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