Se há pontos em comum entre a personalidade e os desafios dos atletas de alta competição e as lideranças de empresas e organizações, Ana Bispo Ramires é a pessoa certa para os enumerar. Especialista em Psicologia do Desporto e da Performance, tem acompanhado atletas olímpicos, treinadores e também gestores de topo. Foi com uma pequena palestra sobre o auto-cuidado necessário aos líderes, de modo a evitarem situações de esgotamento e darem o melhor de si às suas empresas, que Ana Ramires encerrou a manhã de debates da 6ª Grande Conferência Liderança Feminina.
“No último ano e meio, esta crise pandémica trouxe à tona todas as dificuldades que já existiam. Elas já estavam lá, só ficaram mais visíveis. As pessoas, famílias e organizações que estavam melhor preparadas foram as que usaram este tempo de pausa para se reconstruir, para repensar, inovar, tornarem-se mais fortes e adaptadas. A sua existência ficou afetada e tiveram que se reinventar de uma forma um pouco mais abrupta do que esperavam. Mas isso não é necessariamente mau.”
Em situações de desafio estamos continuamente a avaliar o meio à nossa volta no sentido de percebemos se vamos ou não ser capazes de os superar, recordou a psicóloga da performance. “Tenho recursos para ir buscar. Se eu estiver isolada — e aqui entra o papel da comunidade — não vou conseguir olhar à minha volta para os identificar, para ir buscar a aprendizagem necessária para poder evoluir. Um desses recursos, por exemplo, é saber pedir ajuda. Uma das principais aprendizagens que esta pandemia nos devia ter trazido — e aqui não sou tão otimista como a maioria — foi a não deixar ninguém para trás.”
“Muitas das pessoas que hoje lideram empresas neste país provavelmente vão entrar em quadros de burnout, assim que baixar a percepção de crise, porque não se cuidaram, não tiveram atenção aos recursos que tinham disponíveis e não se assumiram como prioritários.”
Os líderes precisam, por isso, de fazer pausas de reflexão no dia a dia e de estarem sempre muito auto-conscientes. “Sabermos reconhecer onde estamos a cada momento, quais são as nossas mais-valias, o que podemos mudar e como aceitar sem zangas aquilo que não podemos. Enquanto não assumirmos este egoísmo saudável de querermos cuidar de nós próprios em primeira instância, não seremos capazes de liderar quem quer que seja, porque estaremos sempre em défice. Muitas das pessoas que hoje lideram empresas neste país provavelmente vão entrar em quadros de burnout, assim que baixar a percepção de crise, porque não se cuidaram, não tiveram atenção aos recursos que tinham disponíveis e não se assumiram como prioritários.”
Os pilares para se atingir esse desejado estado de equilíbrio psico-emocional passam por estratégias tão básicas como as que diariamente são observadas pelos atletas de alta competição, vigiando recursos psico-fisiológicos como alimentação equilibrada e respeitando as horas de sono necessárias, reforçou Ana Ramires. “Isso vai ajudar-nos a lidar melhor com contextos de adversidade e a comemorar, quando as coisas correm bem.”
“O que nos aconteceu não foi bom nem mau — foi uma situação, ponto. E aquilo que nós pusermos nas situações vai construir a nossa caderneta de sucessos ou insucessos, mas são sempre desafios. Estamos constantemente a desafiar-nos, perguntando a nós mesmos se vamos ou não ser capazes. Portanto, aquilo que temos que mudar, de uma vez por todas e em qualquer contexto, tem a ver necessariamente com as histórias que contamos a nós próprias à cerca de nós próprias.”