A festa com histórias da liderança feminina no Porto

Os temas da 9ª Grande Conferência Liderança Feminina tiveram a ver com a vida real das organizações e da sua liderança tanto em tempos turbulentos como os novos modelos de trabalho, a importância do ESG, os riscos da liderança tóxica, como chegar e manter-se num board e o que vai ser a nova liderança.

O poder das histórias esteve presente em muitas comunicações porque as pessoas “podem não se lembrar do que uma pessoa disse, do que ouviram, mas nunca vão esquecer o que sentiram”, como disse Norberto Amaral, managing partner da Cultiv, na sua comunicação “Conta-me a tua história”. As histórias passam pelas emoções, são vida, e foram parte da experiência de mais de 250 participantes, a maioria mulheres, na 9ª Grande Conferência Liderança Feminina, organizada pela Executiva e que teve lugar na passada quinta-feira, 23 de Março, na Porto Business School.

Norberto Amaral que organiza a TEDx Porto há cerca de dez anos e que falou da importância de se criar uma ligação com a audiência em qualquer situação, seja ela num palco com centenas de pessoas ou numa reunião para fechar um negócio, através de histórias, momentos de emoção, de interação. “Nós precisamos de contar histórias, com algum humor positivo”, disse, e para isso não têm de se usar números, factos, KPY, gráficos. Admitiu que “nem tudo vai lá com histórias, nem sempre vão ser necessárias, mas quando surgir a oportunidade nada bate uma história bem contada”, que pode ajudar a resolver um problema, a inspirar outras pessoas.

Mas no princípio estiveram os números e a investigação. Segundo Isabel Canha, diretora da Executiva, “os números espelham a realidade e mostram que ainda há muito caminho por fazer, até que iniciativas como esta, que promovem a igualdade de género nas empresas e organizações, deixem de fazer sentido”. O Fórum Económico Mundial estima que são necessários 132 anos para eliminar as desigualdades globais entre homens e mulheres. Só no ano 2154. Segundo o estudo “Diversidade de Género em Portugal” da Informa D&B, apenas 13,9% dos diretores gerais são mulheres. E só 16,2% dos presidentes dos Conselhos de Administração são mulheres.

Por sua vez, Patrícia Teixeira Lopes, vice dean da Porto Business School, que recebeu pela terceira vez a Grande Conferência de Liderança Feminina, disse que “não é por falta de evidência empírica de que a diversidade em geral, e a presença das mulheres em particular nos cargos de tomada de decisão, tem correlação positiva com a performance das empresas, com a criatividade, a inovação, com tomada de decisão mais adequada, mais acertada. Isto é reconhecido internacionalmente, está evidenciado. Não é por falta de estudos, porque do lado da academia tem havido, de facto, muito desenvolvimento”.

Salientou que “o caminho está a ser percorrido, estas são as boas notícias, os números também evidenciam estas melhorias, mas ainda há um gap muito grande, portanto temos de fazer mais e melhor”. Até porque “a diversidade tem a ver com uma sociedade mais coesa, equilibrada, baseada na meritocracia, em que os melhores devem ser chamados às melhores posições e é isso que pretendemos no final deste percurso”

 

As mulheres nos boards

O painel "Women on boards" juntou Carlos Gomes da Silva. Soledade Duarte, Isabel Azevedo, Sandra Santos e Cristina Rodrigues.

O painel “Women on boards” juntou Carlos Gomes da Silva. Soledade Duarte, Isabel Azevedo, Sandra Santos e Cristina Rodrigues.

 

Esta ausência de paridade nos conselhos de administração, o C-Level, foi o combustível da mesa-redonda, “Women on Boards”, em que os tópicos em discussão foram como as mulheres podem chegar aos boards e como é que se mantêm.

“Se quisermos, todos os que estão aqui presentes podem chegar ao board. Temos de trabalhar para isso, mas começa por querermos ir para um board, depois fazemos o caminho, e há momentos em que temos de nos chegar à frente”, disse Cristina Rodrigues, CEO da Capgemini Portugal, que em 2008 foi a primeira mulher CFO no grupo, porque havia uma posição aberta em Portugal, e disse: “eu quero”, seguiu os procedimentos e foi escolhida. Foi um ensaio para o passo seguinte e, dez anos depois, quando foi para se candidatar a CEO já estava com um lastro muito grande em termos de resultados e voltou a dizer “eu quero”.  Como recordou, “o óbice era um CFO passar para CEO, que não é o trajeto normal de uma carreira. Mas como disse ‘eu quero’, tornei difícil a quem queria recorrer a um head-hunter para recrutar o CEO”.

Na sua opinião, “temos de querer e temos de trabalhar muito, porque a sorte dá muito trabalho. Os números não aparecem só porque se faz uma estratégia bonita, aparecem porque nós nos fartamos de trabalhar para que isso aconteça e porque temos os co-pilotos que nos ajudam a ter sucesso na empresa. Nós não fazemos nada sozinhos”.

 Soledade Carvalho Duarte, managing partner da Invesco Transearch, alertou que antes de decidirem entrar na corrida para o poder cimeiro das empresas, as mulheres devem fazer uma reflexão sobre por que é que querem chegar a um board e o que pretendem fazer com isso. Na sua opinião, “liderar é servir, tem de se estar pronta para servir a organização, assumir as responsabilidades que se tem sobre os ombros, do que corre bem, mas sobretudo do que corre mal, com todos os stakeholders da organização”. Por outro lado, têm de perceber que a entrada para um board representa uma mudança profunda no modo de olhar a organização.

“No primeiro nível de direção, normalmente, resolvem-se os problemas difíceis, mas no conselho de administração resolver problemas difíceis já não chega, porque já devem estar a ser resolvidos”, disse Soledade Carvalho Duarte. Na administração de uma organização trata-se de fazer as perguntas certas e perceber efetivamente o que é que está a acontecer nesta organização, no mercado, no mundo, se está no bom caminho ou não, e tomar as decisões. “Num board tomam-se decisões mais do que resolver problemas”, sintetizou a executiva.

Para Cristina Rodrigues “o difícil não é chegar à administração, é mantermo-nos, porque habituamos a empresa ao crescimento de 20 e 30%. Manter-se na administração dá muito trabalho, não é só chegar e sermos board, somos uma cara bonita que representa a empresa toda, mas ao fim do dia tenho 13 mil pessoas a meu cargo, além das 4500 da Capgemini mais as suas famílias. Se o board fizer uma asneira, temos um problema em 13 mil pessoas, não nos podemos esquecer disso porque é sustentabilidade do nosso ativo”.

Por isso, diz que um administrador tem de cumprir os três E: ser empreendedor, ser entusiasta e ter energia, a que se adiciona, como diz Cristina Rodrigues, “um brutal networking, que temos de criar desde os níveis mais baixos até aos níveis mais altos, porque não faço vendas se não tiver um bom networking, é uma verdade de La Palisse. Uma boa comunicação e isso torna fácil pormos em prática a nossa estratégia”.

 

Mulheres na indústria

Por sua vez Sandra Santos, CEO da BA Glass, onde está desde 1999, depois do MBA na PBS, disse que se chega a CEO “querendo muito”, mas no seu caso não foi desde o primeiro dia em que começou a trabalhar porque “na altura não havia referências”. Começou a trabalhar num banco, o então Banco Espírito Santo, e era muito conhecida porque era a primeira mulher gestora de um balcão. Afirmou que “não é preciso despir a pele de mulher para liderar, como é óbvio, mas também temos de ser capazes de nos integrar e de viver com a diversidade de género, etária, etnia”.

Foi a primeira mulher a chegar ao board da BA Glass, primeiro como CFO e, desde 2014, como CEO, empresa que faturou o ano passado 1,4 mil milhões e emprega 4 mil pessoas, e que a CEO descreve como “heavy capital e heavy indústria e que tem um desafio gigante que é o da sustentabilidade” — a empresa faz garrafas e frascos de vidro para a indústria alimentar e tem 12 fábricas em sete países europeus.

“É uma indústria que está cheia de homens, mas nunca senti muitas dificuldades. Vivo bem com a diversidade e também com a crítica, que normalmente ignoro, não por excesso de autoconfiança, mas porque a crítica destrutiva não serve para nada, e isso é uma coisa que enquanto líder promovo. Hoje a BA Glass tem na Comissão Executiva cinco homens e quatro mulheres, mas não é porque existam quotas, mas porque os nove são muito bons”, reforçou Sandra Santos.

Sublinhou que gosta de “trabalhar com homens, porque são relativamente fáceis de descodificar, ao contrário das mulheres, que são mais traiçoeiras na forma como se expressam, os homens são muito transparentes”.

A história de Isabel Azevedo, CEO e presidente do Conselho de Administração da Fricon, é a de uma mulher que ainda não tinha 20 anos quando recebeu uma participação societária na empresa, que tinha sido fundada pelo pai, Artur Martins Azevedo, em 1976 em Vila do Conde, e que dava lugar no board. Recordou que não foi fácil porque na altura estudava na área da saúde e não sentia que a sua vocação fosse a gestão de empresas, nomeadamente metalomecânica, mas como disse, “é o que acontece muitas vezes nas empresas familiares”. Sublinhou que estava na conferência para contar como o que lhe parecia mau quando aconteceu se tornou “no bom que é hoje poder partilhar a experiência de liderar uma empresa que está presente em três países diretamente e exporta para mais de cem países”.

Na primeira década a liderança do pai que serviu de guia, levando-a para os sítios em que devia fazer aprendizagem e para a cativar para ficar na empresa. Passou pelos recursos humanos, e pela área financeira. Confessa que nos primeiros anos na administração “era ouvida, mas não davam importância ao que eu dizia; mais tarde, passou a participar na tomada de decisões”.

Diz que se no passado, nas empresas familiares, “a gestão era centralizada, em que as pessoas sabiam quase tudo da empresa, hoje tenho muito orgulho em partilhar a minha gestão com a minha equipa de uma forma muito transversal, pois cada um tem a sua especialização e eu não sou omnipotente”. A executiva sublinhou que “claro que tem de haver um líder, mas tento pôr-me muitas vezes no mesmo plano deles e sentir na pele cada uma das suas dificuldades, porque, sem romper a hierarquia, o risco maior é meu porque a decisão final, em que participam os outros dois executivos, um homem e uma mulher, é nossa. Partilhamos as decisões estratégicas e é muito importante que seja feita de uma forma transversal com todas as pessoas da nossa equipa”.

 

O papel da confiança

O primeiro fator para se chegar a um board tem a ver com a confiança. “Falamos muito do facto de querermos, de estar preparados, se somos capazes. Nós nunca somos capazes porque a primeira coisa de qualquer desafio é que estamos sub-preparados para aquilo que o desafio nos vai colocar, como o de estar CEO, que é sempre um estado de transição”, afirmou Carlos Gomes da Silva, chair da Sonnet e founder & chair da Maingreen.

“O que importa é se estamos a fazer alguma coisa que nos dá prazer, sobretudo impactar positivamente e deixar um pouco melhor do que estava no ponto de partida”. Acrescenta que o tema da confiança “não tem género, mas temos de estar confiantes de determinado roteiro de vida que queremos fazer”.

Carlos Gomes da Silva falou da preparação e usou a imagem do ginásio. “Se vamos fazer exercício para estar mais preparados fisicamente, também temos de nos preparar para os papéis que queremos desempenhar. O que não quer dizer que o venhamos a fazer, mas se não nos prepararmos e a oportunidade aparecer, não vamos ter a performance e o impacto que poderíamos ter nem para fora nem para o nosso interior, porque muitas vezes não vale apenas o que os outros nos dizem, mas o que espelho interior nos diz”.

O antigo CEO da Galp Energia, referiu ainda a necessidade de “existirmos, estarmos próximos, como dizer show up, apareçam, mostrem-se! A dimensão de networking, que é sempre vista como dimensão negativa, não é mais do que dizer ‘eu existo, quem sou, o que represento e o que posso fazer’”.

 

Histórias de gerações

Aquiles Barros e Marta Carvalho Araújo

Aquiles Barros e Marta Carvalho Araújo protagonizaram um momento único: um casal à conversa sobre liderança.

 

No regresso às histórias, Aquiles Barros, cofundador da Castebel, que foi professor de Química na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e que aos 19 anos fundou o clube de vólei Castelo da Maia, e Marta Carvalho Araújo, CEO da Glassdrive, um casal há cerca de 19 anos, falaram das diferenças de gerações e das semelhanças na gestão e nos negócios e a comunhão no mesmo olhar sobre a liderança feminina. Como diz Marta Carvalho Araújo, “há uma química especial entre os dois porque somos os dois químicos”.

Aquiles Barros foi professor de Marta Carvalho Araújo , e, um dia, já perto do Natal, depois de um exame, professor e aluna estavam à conversa quando Aquiles lhe disse: “parece-me suficientemente tola para aceitar um convite para andar a distribuir sabonetes pelos centros comerciais”, e Marta aceitou, o que foi bom porque o carro de Aquiles Barros não era suficiente para fazer a distribuição. Na altura, em 2003, a Castelbel, fundada em 1999, tinha perdido o seu único cliente, que era um americano e a razão para a criação da empresa, e a única oportunidade de vender os stocks surgiu através de um retalhista português, Perfumes & Companhia, e teria de ser no fim de semana antes do Natal, mas os sabonetes tinham de ser entregues loja a loja. O que fizeram.

Este foi o ponto de partida para uma história de paixão, que levou a um casamento, e que se tem cruzado nos negócios, mas com percursos autónomos. E tão autónomos são que, em 2018, quando Marta Carvalho Araújo se tornou CEO da Castelbel, em substituição de Aquiles Barros, a proposta veio dos acionistas maioritários. Além disso, como disse Marta Carvalho Araújo, no passado “era a mulher de…”, hoje é “o marido da…”.

Aquiles Barros recordou que eram sete irmãos, dos quais duas raparigas, e os pais sempre lhes disseram que eles tinham menos direitos que elas porque elas têm uma vida mais difícil. “Sempre fomos educados para que em caso de dúvida as nossas irmãs estarem à nossa frente”. Licenciaram-se e hoje são professoras universitárias e Aquiles Barros explica que “sempre foram mais apoiadas porque a sociedade está preparada para apoiar os homens e não as mulheres”.

Na Castelbel, Aquiles Barros procurou sempre fazer a promoção de mulheres, incentivando a liderança feminina. Lembrou que a dada altura se registavam problemas no armazém e em que só havia uma mulher. Como era a mais madura, “ela foi escolhida para chefiar e houve grande oposição porque ia ganhar mais do que eles. E esse é um problema sempre, as mulheres a ganhar mais do que homens”.

 

Tempos turbulentos

Liderar em tempos turbulentos foi o tema que juntou Filipa Montalvão, da White, Cristina Saiago, da Clarins, e Sónia Calado, da DRT Moldes.

Liderar em tempos turbulentos foi o tema que juntou Filipa Montalvão, Cristina Saiago e Sónia Calado.

 

O papel dos microacontecimentos na gestão, sobretudo, em tempos de turbulência, foi trazido à luz por Cristina Saiago, diretora-geral da Clarins na mesa- redonda, “Liderar em tempos turbulentos”, em que participou com Sónia Calado, administradora da DRT Moldes, e Filipa Montalvão, partner da White. Recordou que quando as taxas de juro subiram e a guerra na Ucrânia se iniciou, nos dias seguintes “as lojas ficaram vazias, as pessoas estavam ansiosas, com medo, ficaram fechadas. A estes micro-acontecimentos é preciso reagir rapidamente e, no nosso caso, uma solução poderia ser, ativar CRM porque no retalho as coisas acontecem muito rapidamente”.

Referiu que nestes tempo de incerteza tem de se ouvir sem filtros e comunicar com frequência e transparência. “É transformacional e as pessoas conseguem transformar o stress em paixão e quando as pessoas são apaixonadas por aquilo que fazem as coisas acontecem de uma maneira mais simples e de uma forma mas brilhante e mais genuína; é um estado de espírito que se promove, e contagia toda a organização e é um privilégio trabalhar com pessoas apaixonadas”, afirmou Cristina Saiago.

Filipa Montalvão, partner da White, prefere falar em “tempos desafiantes”. “Tivemos a pandemia, temos a guerra e a inflação e a sensação que tenho é que tudo é novo. Às vezes fala-se no regresso, mas este é quando se volta a um sítio onde já se esteve, mas nós estamos a fazer uma coisa hoje que ninguém fez”.

Recorda que, por exemplo, nunca teve de liderar ao mesmo tempo que entrevistava pessoas que estão na Ucrânia a mostrar-lhe o portefólio debaixo da cama por causa dos bombardeamentos russos. Salientou que “é a nossa missão tentar contagiar as pessoas, mas nem sempre é a forma certa e nem sempre conseguimos, mas estes tempos pedem-nos essa forma de adaptar, de como é que acrescentamos valor, porque hoje o valor também não é o que era há cinco anos”.

A DRT Moldes, sedeada em Leiria existe há 28 anos e Sónia Calado foi um dos sócios fundadores, aos 23 anos. “Começámos com um gabinete muito pequeno, hoje temos 240 pessoas, estamos em toda a cadeia de valor, desde a engenharia, a prototipagem, moldes e, mais recentemente, injeção de plásticos, e com a pintura líquida de peças plásticas”, explicou.

Mas a turbulência na empresa começou em 2018 quando houve uma crise no setor automóvel de que têm uma grande dependência. Quando estavam a recuperar surgiu a pandemia, as vendas desceram particamente para zero, porque os modelos, que estão a ser preparados para serem lançados dois anos depois, foram congelados.

Em 2022, a guerra na Ucrânia trouxe um abano grande e uma situação nova e grave, que nunca tinham sentido, que é a inflação do processo produtivo, que não se consegue repercutir no preço de venda, o que veio esmagar as margens comerciais. A que se seguiu a subida das taxas de juro, que atingiu sobretudo empresas como a DRT Moldes que tinha feito uma nova unidade produtiva. Mas a resposta tem sido congregar a equipa. Aproveitaram a pandemia para fazer melhorias operacionais e novos produtos, que vão começar a lançar no mercado. “Isto teve um efeito excecional que foi envolver e motivar a equipa, porque as pessoas também estão cheias de medo, mas encontrarem no Grupo DRT um porto seguro”, afirmou Sónia Calado.

A característica fundamental de um líder nestes tempos mais difíceis “é ter coragem para tomar decisões, para ir para o desconhecido, é navegar por mares nunca dantes navegados e isso acarreta risco”, disse Cristina Saiago. Em 2020, a Clarins tomou uma decisão arriscada. Tem 80 pessoas, mas 50 estavam nos pontos de venda a fazer vendas ao público e quando o comércio fechou por causa do confinamento não se tinha grande vislumbre do futuro, o que criou muita ansiedade nas pessoas. “Veio o lay-off, a que muitas empresas recorreram, mas não achei que fosse win-win para nós. Decidimos pensar em manter a equipa a funcionar em full-time sem recorrer ao lay-off. Retreinámos esta equipa e com a nossa base de dados de 80 mil pessoas, as nossas equipas falaram com o consumidor pelo telefone. Foi transformacional para ea quipa que se sentiu útil, parte da solução, e para o consumidor que se sentiu acompanhado. Quando as lojas reabriram parecia um programa de televisão em que as famílias se voltavam a encontrar, e, além disso, foi a única filial do grupo que cresceu em 2020”, explicou Cristina Saiago.

Para Filipa Montalvão é um exemplo de criatividade que deve ser um dos atributos da liderança porque em tempos de turbulência é necessário recorrer à invenção. “Somos 40 na agência criativa, mas o grupo tem 450 pessoas”. Referiu-se ainda à solidão na liderança, sobretudo na tomada de decisões. “Na agência deixámos de tomar decisões a dois, os sócios, e passámos a decidir a quatro, com duas pessoas da maior confiança”, revelou.

 

Semana de 32 horas

Catarina Quintela fez uma tal sobre liderar nos novos modelos de trabalho.

Catarina Quintela fez uma tal sobre liderar nos novos modelos de trabalho.

 

A inteligência das máquinas e a inteligência artificial são dados adquiridos e as empresas vão ter que lidar do ponto de vista dos colaboradores, afirmou Catarina Quintela, diretora de Soluções Corporativas da Porto Business School na sua talk “Liderança nos novos modelos de trabalho”, o que obriga as empresas a passar a mensagem aos colaboradores de “que as máquinas não vão substituir as pessoas, vão acrescentar, suportar; as empresas têm que ajudar as pessoas a lidar com esta realidade”. Mencionou um estudo da OCDE de 2019, antes da pandemia, em que previa que 14% das funções poderiam ser completamente automatizadas. “Acreditamos, e há alguns estudos que dizem isso, que com a pandemia houve uma aceleração da automatização”, disse Catarina Quintela.

As tarefas da gestão também se revelam um desafio como reflexo da crescente automatização. “Prevê-se que, em menos de um ano e meio, 65% destas tarefas possam ser automatizadas, os dashboards, que os gestores gostam muito de fazer”, disse Catarina Quintela, o que vai ter como consequência a libertação de tempo disponível dos gestores. Por isso, “vale a pena repensar o que gestores vão fazer”.

O turnover dos colaboradores foi um outro desafio referido por Catarina Quintela e que perpassou por toda a conferência, porque é um fenómeno que afeta todas as empresas. “Cada vez mais as pessoas não param nos lugares de trabalho. Com a pandemia foram para casa, pensaram, refletiram sobre os seus propósitos e querem mudar mais vezes de trabalho, querem ter uma experiência de colaborador com a qual se identifiquem plenamente nos seus valores. Isto veio para ficar e as pessoas só vão ter um remédio, que é adaptarem-se”, concluiu Catarina Quintela.

“Na competição pelo talento as empresas vão ter de encurtar as semanas de trabalho”, salientou Catarina Quintela, que citou estudos que indicam que os trabalhadores valorizam cada vez mais horários de trabalho de 32 horas por semana. Sublinha que pode ser uma forma interessante de as PME, que têm mais dificuldades em acompanhar a inflação de salários poderem reter e atrair talentos. Além disso, mantêm-se as preocupações de flexibilidade e de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

 

Os bons exemplos de ESG

Liderar com a bússola ESG foi o tema para Nádia Cruz, Nádia Reis e Yasmin Bhudarally.

Liderar com a bússola ESG foi o tema para Nádia Cruz, Nádia Reis e Yasmin Bhudarally.

 

A história da criação há 20 anos da Missão Sorriso, que se transformou em Missão Continente, marcou o início da mesa redonda “Liderar com a bússola ESG”, começando com o acento tónico no social. No princípio da plataforma de responsabilidade social levaram a Leopoldina, personagem que dá a imagem ao projeto, começaram a humanizar espaços e hospitais pediátricos, a que se seguiram os produtos solidários, como explicou Nádia Reis, diretora de Comunicação e Responsabilidade Social do Continente, da MC Sonae.

Mais tarde fizeram do problema dos desperdícios alimentares uma solução para mitigar as situações mais agudas na área alimentar aproveitando a sua presença em todo o país e a ligação as essas comunidades. Hoje apoiam mais de 1200 instituições todos os dias a partir das lojas. “Só no ano passado foram mais de 30 milhões de euros que foram doados pela Missão Continente a estas instituições, que depois interagem com muitas famílias e com muitas pessoas que estão em situação de maior fragilidade. Este papel social tem sido o nosso eixo central de atuação”, mas a sua estratégia ESG comporta também os eixos ambienta e de governance.

Preocupações ambientais estruturantes é uma característica dos Neya Hotels, e é a primeira cadeia da Península Ibérica como certificação LEED Gold no Hotel do Porto, o que foi “um upgrade do que já tinha sido o hotel de Lisboa”, assinalou Yasmin Bhudarally, CEO da Neya Hotels. “Este há 12 anos já tinha a inspiração em não ser mais um hotel que vende quartos e refeições, porque queria ser um hotel com visão, com interação com a comunidade, ser um hotel com propósito e uma missão”.

Segundo Yasmin Bhudarally, “a inspiração foi a Carta da Terra em que se diz: a escolha é nossa, formar uma aliança global para cuidar da terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e da diversidade da vida”. Estes conceitos inspiradores fizeram com que o conceito ambiental estivesse muito presente no hotel”. Hoje são um case-study no Turismo de Portugal.

A Natixis tem um projeto na área de governance, o Champion for Change, muito ligado ao tema da diversidade e da inclusão nas novas tecnologias, o que tem sido “sempre uma grande missão” do grupo multinacional, como referiu Nádia Leal Cruz, Communciation & Marketing da Natixis. Acrescentou que 75% do senior management comitte em Paris é constituído por mulheres, “é algo que nos orgulha muito e pelo qual temos lutado. Somos ainda uma empresa muito recente em Portugal mas que em apenas seis anos conseguimos constituir uma equipa de mais de 2 mil colaboradores, em que 34% são mulheres”, refere Nádia Leal Cruz.

Mas nem sempre foi assim porque, quando começaram a delinear o projeto Champion for Change, as mulheres representavam apenas 18%. A explicação está no facto de a Natixis se ter iniciado em Portugal como centro de excelência que prestava serviços à casa-mãe em Paris, e de a equipa de 500 pessoas ter sobretudo perfis tecnológicos como engenheiros sobretudo informáticos, “o que é uma situação comum nas carreiras tecnológicas mesmo hoje em que a presença de mulheres é muito baixa”, explicou Nádia Leal Cruz.

 

Liderança tóxica

Rosângela Angonese

Rosângela Angonese fez uma talk via Zoom a partir do Brasil.

 

Rosângela Angonese, co-autora do livro, “O Fim da Liderança Tóxica nas Organizações”, com Ricardo Neves, partiu do adágio, “manda quem pode e obedece quem tem juízo” para fazer uma reflexão sobre a liderança que está a acontecer nas organizações. Mas o efeito dessa afirmação, que se transforma em comportamento, é um veneno que os chefes, pais e líderes vão tragar em algum momento da vida. Esta forma de liderança tóxica tem um custo porque gera uma série de emoções e essa explosão de emoções negativas, como a raiva, a tristeza, o medo, a ansiedade tem dois caminhos certos que são o gabinete do psiquiatra ou farmácia para comprar os ansiolíticos, para dormir.

É um modelo que foi construído e consolidado ao longo de séculos e é fundamentado nos princípios do patriarcalismo, da hierarquia e da obediência com mostram os modelos militares e religiosos, que são verticais, controladores e em que os espaços do poder são reduzidos, exclusivos e reservados, excluindo as mulheres e quem pensa de forma diferente. Mas naquele tempo a inovação não era uma exigência quase diária.

A liderança tóxica é supermasculina e protagonizada por homens e por mulheres, mas tem a ver com a reduzida presença das mulheres na liderança das organizações. “Hoje defendo o fim da liderança tóxica que foi forjada num modelo de liderança que deve ser expurgado de qualquer companhia, porque a toxicidade gera emoções negativas, e elas impactam profundamente a vida das pessoas”, referiu Rosângela Angonese.

Uma liderança nociva afasta os talentos e os melhores trabalhadores, o que está a acontecer em todo o Mundo, porque “hoje temos liberdade para circular pelo planeta, mas a liberdade tem um preço que é a ansiedade e muitas vezes a possibilidade de apenas cumprir é sedutora”.

“Nas organizações a toxicidade é sempre protagonizada pelo chefe, pelo líder, pela líder, que reproduz os seus valores, as suas crenças, a sua cultura familiar, e também da organização e isto provoca respostas comportamentais automáticas e que se vão refletir na vida das pessoas”, considerou Rosângela Angonese.

Mas, o que tem de mudar é a essência da liderança, “criando-se ambientes mais colaborativos, mais inclusivos e mais horizontais e com um ambiente organizativo mais saudável e um lugar feliz para trabalhar, para viver e para conviver”, disse Rosângela Angonese.

 

A nova liderança

Sara do Ó, fundadora e CEO do Grupo Your.

Sara do Ó, fundadora e CEO do Grupo Your.

 

“A consistência da forma como lidero, ou da forma como tenho construído o meu projeto, é das coisas que mais define o sucesso” afirmou Sara do Ó, CEO do Grupo Your e da Ó Capital. Na sua opinião muitas vezes os líderes não sabem quem são, onde está de facto a paixão, que caminha querem fazer passo a passo. Sugeriu a leitura do livro do Papa Francisco, Liderar com Humildade, que refere doze lições de liderança que podem ser uma nova liderança ou uma liderança consistente.

Sara do Ó disse que a liderança se inicia pelo “nosso interior, quem é que eu sou, o que é que quero e depois quem é que quero levar comigo, de que forma quero impactar, o que é que quero mudar, que legado é que quero deixar. Mas primeiro eu”. O caminho constrói-se a seguir, levando sempre pessoas connosco, “porque não há nada melhor na vida do que, ao longo da nosso caminho irmos coroando pessoas. Tenho sempre aquela imagem de que o caminho é incrível, o objetivo existe mas tem de se ser feliz ao longo do caminho, e se neste percurso conseguires ir coroando – adoro o simbolismo a coroa – outras mulheres, tanto melhor”, afirmou.

Neste caminho para a liderança Sara do Ó foi semeando conselhos e sugestões como a necessidade de aprendizagem contínua porque a preparação e a curiosidade são o que alimenta qualquer carreira, que é essencial sair do escritório, que se deve ter muito cuidado com a crítica interna, com a difamação gratuita e que se deve elogiar em público, corrigir em privado. Contou que, por exemplo responder com um ok para alguém que manda uma mensagem que mostra que está a cumprir com um objetivo não chega, o elogio e o reconhecimento são mesmo necessários. “Odeio o ok, deve ser ‘que bom, ainda bem fizeste’, ‘ainda bem que conseguiste’”, clarificou.

A executiva defendeu que a liderança é cuidar das pessoas, é ter a certeza que o objetivo está claramente definido e tem que ser um objetivo e um propósito completamente obcecado. “Sou obcecada pelo compromisso e temos de ser obcecados, porque a água morna não existe num caminho de liderança. Temos de saber qual é a nossa vontade porque quando se tem vontade, se fala com verdade e se tem a fome de vencer, é só decidir o quê, porque o resto vai-se construindo”, afirmou Sara do Ó, que encerrou a 9ª Conferência de Liderança Feminina.

 

Saiba mais sobre a 9.ª Grande Conferência Liderança Feminina

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