A história da piloto todo-terreno Elisabete Jacinto é tudo menos linear e é uma fonte de inspiração para todos, homens e mulheres, sobre como vencer a adversidade colocando-se novos desafios. Licenciou-se em Geografia e foi professora até 2003, mas desde 1993 que descobrira outra paixão, os ralis. Começou pelas motas, tendo participado quatro vezes no rali Paris-Dakar, mas acabou por desistir, em 2001, por não ter físico para conduzir uma mota de 200 kg. Inicialmente, achou que era a melhor opção mas sentia-se frustrada por ter desistido e, após ter conseguido o distanciamento necessário para refletir sobre tudo o que vivera e deixara para trás, deu-se mais uma oportunidade, colocando um novo desafio a si própria: voltar ao Dakar ao volante de um camião. Logo no primeiro ano, em 2003, Elisabete Jacinto torna-se numa das primeiras mulheres do mundo a concluir o rali Paris-Dakar conduzindo um camião, e transforma-se na primeira mulher a ganhar uma especial nesta categoria no Rallye Optic Tunisie 2000. Habituada a desafiar o universo masculino, entre as várias vitórias da piloto de todo-o-terreno, destaca-se a do Rali Africa Eco Race na categoria Camião com o seu MAN TGS em janeiro de 2019.
Como é que um fracasso a colocou no caminho certo?
A minha carreira enquanto piloto de moto foi um grande desafio. Naturalmente tudo era muito difícil porque parti do zero. Fui aprendendo, evoluindo, aumentando a minha capacidade física, fui entrando em provas cada vez maiores e mais difíceis até chegar ao ponto de conseguir realizar o meu sonho: terminar o Dakar em moto… algo que só alguns homens conseguiam. Foi uma verdadeira proeza para quem alguns anos antes tinha dificuldade até em se equilibrar na moto.
Consegui fazê-lo, mas, curiosamente, face às circunstâncias que marcaram a minha participação em 2001, a minha sensação não era de sucesso, mas sim de fracasso. Foi uma prova que me deixou francamente triste. Para além disso não me sentia reconhecida no meu esforço. Não conseguia resultados brilhantes porque a moto era de uma exigência física extrema. Pesava 200 kg, era igual à dos rapazes, mas eu não tinha a mesma capacidade muscular. O meu esforço era enorme e trabalhava muito para me preparar…, mas sentia-me ignorada pelos meios de comunicação social e não valorizada pelas pessoas em geral.
Vivemos num país onde o machismo no desporto ainda é uma realidade, e portanto havia uma certa necessidade por parte dos jornalistas de desporto de não me darem destaque. Com isso, os patrocínios acabaram por ficar em causa e fui forçada a abandonar a competição. A parte curiosa da história é que também eu me deixava intimidar por esta visão machista que caracterizou a minha educação. Achava que me propunha a fazer algo que não me era destinado, que estava a mais na modalidade, que não tinha físico para conduzir a moto… Para além disso, passava o tempo a medir-me com o meu objetivo e a grande distância que me separava dele dava-me sempre um sentimento de frustração grande. Não valorizava os meus feitos. Achava-os sempre insignificantes e longe daquilo a que me propunha.
Comecei a pôr a hipótese de abandonar a competição, mas não era isso que eu realmente queria. Queria continuar a correr, a fazer progressos, a subir na classificação. Achava que era capaz de o fazer, mas não tinha meios, não tinha patrocínios, não tinha quem me ajudasse a treinar para fazer progressos técnicos. Por essa razão optei por abandonar a competição. Esta decisão, para mim, foi sinónimo de fracasso. O meu sentimento de perda era enorme.
O tempo foi passando e comecei a olhar para trás, a avaliar tudo o que tinha feito. A certa altura comecei a olhar para mim própria numa outra perspetiva, a do “copo meio cheio”. Comecei a compreender a forma como tudo tinha ocorrido a encontrar explicações que, até então, desconhecia e a valorizar o que tinha feita. Comecei a reconhecer o meu mérito. Mas tinha perdido a oportunidade. Não podia voltar atrás, mas podia começar algo novo.
É aí que aparece a vontade de fazer corridas de camião, não apenas para chegar ao fim dos ralis, mas para os vencer. Chegar realmente ao topo da classificação geral e ser reconhecida pelo mérito de piloto. O facto de ser mulher num desporto de homens já não me perturbava, pelo contrário. Eu estava ali para ser “um piloto” e agir como tal. Estava nas corridas para ser uma adversária séria, respeitada por todos. E não mais me deixei intimidar pelos vários ataques machistas que iam surgindo, apesar de ir sofrendo as consequências dos mesmos. Ou seja, em termos físicos causavam-me algumas dificuldades, dificuldades essas que ia superando. Contudo, em termos psicológicos não me deixava intimidar. Estava ali para lutar pelo meu objetivo, com todos os conhecimentos que tinha adquirido enquanto piloto de moto.
O meu progresso foi muito lento porque as minhas condições eram mínimas, mas consegui atingir o objetivo pelo qual lutei.
Leia a entrevista completa de Elisabete Jacinto no livro Segredos dos Melhores Profissionais, de Isabel Canha e Maria Serina (Redcherry, 2020). Pode comprá-lo aqui.