“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”: num mundo em constante transformação, a frase de Camões nunca fez tanto sentido como hoje, pelo menos para a Gestão de Recursos Humanos. Sob o mote “GRH no Mundo: Especificidades e Tendências Transversais”, a Unidade de Coordenação de Gestão de Recursos Humanos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas estendeu o debate ao público, na tarde do passado dia 14 de novembro, numa aula aberta que contou com a presença de Leyla Nascimento, presidente da World Federation of People Management Associations (WFPMA) e Paulo Sardinha, Presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos.
Imprevisibilidade e mudança
Leyla Nascimento teve a primeira palavra e começou por analisar o caso da América Latina, onde o grande desafio será conciliar a “crise política, social e económica“ que essa zona atravessa com um mundo corporativo em crise, afirmando que é um desafio que se estende ao resto do mundo. “Estamos dentro desta polarização. Não é uma crise má, mas sim uma crise de reavaliar todos os condicionamentos”, explicou. Para a especialista, este também pode ser um momento de muitas oportunidades para o mundo empresarial, mas que acarreta riscos. “Basta um jovem, na garagem da sua casa, elaborar um software e consegue acabar com um complexo imenso industrial”, afirmou, usando esse exemplo para ilustrar a volatilidade, a incerteza e a complexidade no mundo empresarial e as mudanças que já estão a ocorrer nos modelos de negócio das empresas.
“Nós, RH, no início dos processos pensamos ‘Escolhemos os melhores profissionais’. Desculpem, mas hoje os profissionais escolhem as empresas onde querem trabalhar”
Em jeito de exemplo e de revisão para os alunos de Gestão de Recursos Humanos, Leyla Nascimento falou da importância das organizações exponenciais. “Elas trazem um modelo onde eu não preciso de ter ativos, não preciso de ter grandes patrimónios. Na verdade, eu preciso é de uma forma ágil e rápida de o meu negócio chegar ao cliente certo e de ter o melhor resultado possível nessa relação”. Comparando a evolução do conhecimento das empresas à evolução do conhecimento de um aluno universitário ao longo do seu curso, a presidente da WFPMA afirmou que a área de gestão de RH precisa da “lente da ciência” para perceber se “as empresas conseguem manter a mesma cultura ou a cultura é uma adaptação do que foi acontecendo ao longo do tempo”.
Contudo, num mundo cada vez mais incerto e imprevisível, Leyla admite que os RH, mesmo querendo, não conseguem prever cenários a longo prazo e que as aptidões necessárias são outras. “As nossas competências estão hoje muito mais na capacidade de resposta, na agilidade que temos, nas experiências vividas, nos conhecimentos adquiridos, mas sempre com uma abertura para a mudança.” Mas esta imprevisibilidade implica um grande desafio e uma maior exigência por parte da gestão de recursos humanos. “No nosso trabalho, as protagonistas são as pessoas e essas pessoas estão a ser impactadas. Aí, surge a questão ‘Como podemos melhorar cada vez mais as pessoas da nossa organização?'”, questionou, deixando a pergunta em aberto.
A procura pelo conhecimento e a IA
Porém, os desafios também se estendem ao recrutamento de novos colaboradores e Leyla Nascimento deixou um aviso. “Nós, RH, no início dos processos pensamos ‘Escolhemos os melhores profissionais’. Desculpem, mas hoje os profissionais escolhem as empresas onde querem trabalhar”. Como podem então as empresas adaptar-se à exigência dos seus candidatos? “Trabalhando a sua marca empregadora”, responde Leyla. “Ninguém quer perder os seus melhores [trabalhadores], mas todos querem atrair os melhores do mercado”. Mas este também é o momento de partilhar conhecimento. “O conhecimento do outro agrega ao meu conhecimento. O que eu não sei o outro vai complementar. Estamos condenados a não trabalhar sozinhos.”, afirmou.
“No século XXI as carreiras já não são mais estritamente definidas por empregos e habilidades, mas por experiências e pela agilidade de aprendizagem”.
Houve ainda tempo para desmistificar a ideia de que a tecnologia e a inteligência artificial retiram postos de trabalho e contribuem para o desemprego. “Não é um facto. Os países mais desenvolvidos têm a menor taxa de desemprego. É preciso refletir sobre isto. A tecnologia vai fazer com que as profissões e nós mesmos criemos a capacidade de aprendizagem e de acréscimo na nossa formação”, advertiu Leyla. “No século XXI as carreiras já não são mais estritamente definidas por empregos e habilidades, mas por experiências e pela agilidade de aprendizagem”.
Com formação em Pedagogia, Educação, Desenvolvimento de Recursos Humanos e Gestão Empresarial, Leyla Nascimento é também CEO do Instituto Capacitare, empresa brasileira especializada em programas de estágios e de trainees para desenvolver talento jovem. É, desde junho deste ano, presidente da World Federation of People Management Associations, organização constituída por 90 associações de Recursos Humanos de todo o mundo, integrando um total de cerca de 650 mil profissionais — e é também a primeira mulher a assumir este cargo em mais de 40 anos. Aproveitámos a presença de Leyla Nascimento e conversámos um pouco sobre os RH em Portugal e o papel da mulher.
Como é que vê a evolução das mulheres nos cargos de liderança?
Estamos elevando esse índice nas empresas e nas organizações, mas também na sociedade nos cargos políticos. Ainda temos muita caminhada pela frente. Acho que a mulher ainda requer uma atenção especial para esse papel tão importante que ela pode exercer nas organizações. A mulher não é só lógica, também toma decisões levando em conta a inteligência emocional. Ela lida com as tomadas de decisão nas organizações de uma forma mais plural e as organizações estão precisando disso. É uma competência feminina que eu considero importante nos ambientes organizacionais. Eu, como mulher, só posso validar este facto. Estou assumindo uma federação mundial com 42 anos, sendo a primeira mulher a fazê-lo. É uma conquista, mas é também uma reflexão para que a gente [mulheres] possa estar exercendo mais esse papel de líder nas organizações.
Que grandes tendências encontra na área de Recursos Humanos em Portugal?
Portugal tem um papel fundamental no cenário europeu. É um país que tem um índice de envelhecimento muito elevado, mas esse envelhecimento traz a experiência dessas pessoas que as organizações hoje tanto precisam. Os recursos humanos têm o papel de tentar conciliar todas as gerações, as suas experiências e os seus conhecimentos, dentro das empresas. Outra tendência que vejo é o incentivo às startups, aos jovens que veem no empreendimento uma possibilidade de crescimento dentro do país. Acho que é um modelo de negócio que tem sido aproveitado em todo o mundo. Os jovens também têm um papel importante na questão das startups, que eles veem como uma empresa que dá suporte aos grandes complexos industriais e empresas de serviços. Estes dois pontos para mim são os mais importantes em Recursos Humanos.
Quais os principais desafios que a área de Recursos Humanos enfrenta?
Precisamos de deixar de ser tão burocráticos e passar a ser mais efetivos na questão do desenvolvimento das pessoas dentro das empresas. O mundo que se está apresentando hoje é muito mais lógico, muito mais objetivo, muito mais focado na realização pessoal. Ninguém mais quer estar numa empresa que não veja valores comuns, que não tem uma imagem empregadora que acrescente valor ao seu currículo e à sua trajetória profissional. Outro ponto muito importante é o desenvolvimento das lideranças, que são as “protagonistas” dentro das empresas. As lideranças têm de conduzir as equipas de trabalho a um resultado final, que seja um resultado que valha tanto para a organização como para as pessoas, porque as pessoas exigem uma qualidade de vida e de trabalho.
A NOVA AGENDA DOS RH EM PORTUGAL
Leyla Nascimento dá algumas luzes sobre o futuro da gestão, do trabalho e do comportamento humano das organizações em Portugal.
– Gestão das gerações. A longevidade de vida das pessoas e a convivência entre gerações exige uma maior gestão das mesmas. As vivências e aprendizagens diferenciadas das gerações mais velhas deverão ser aproveitadas e encaradas como mais-valias, quer para as novas gerações, quer para a organização.
– Recrutamento. Será necessário continuar a adaptar a forma como as organizações recrutam, tendo sempre em consideração a conjuntura vivida.
– Relações de trabalho. A duração e o tipo de trabalho pretendido pelas organizações vai estar cada vez mais em mudança.
– Liderança. As tomadas de decisão e o relação entre do líder com a equipa serão cada vez mais importantes para a organização. As questões “Quem é o meu líder?” e “Confio nele?” vão ser fundamentais para os colaboradores e confiança, a transparência e o compliance passam a ser bases na relação ‘líder-equipa’.
– Intervenção dos RH. Os recursos humanos terão de apostar numa intervenção estratégica, recorrendo cada vez mais ao People Analytics – as pessoas são as protagonistas nos processos de mudança das organizações.
– Inteligência artificial. As IAs não podem ser totalmente autónomas porque existe sempre a necessidade de um comando humano para serem controladas. Exemplo: para utilizar um serviço de transporte privado é necessário utilizar uma aplicação. Só é possível aceder ao serviço se o utilizador (comando humano) assim o solicitar.