A componente biológica do Homem, a Humani Corporis Fabrica de André Vesalius, é o produto de múltiplos conjuntos de células que, pelas suas especificidades, se agrupam em tecidos e órgãos para constituir a componente material do corpo humano.
Regida por princípios bio-fisiológicos, constituição somática do Homem rege-se por normas e equilíbrios que regulam a interação dos seus diversos componentes saudavelmente adequados à idade, altura, género e raça.
Regida por esses princípios, uma das nucleares questões de saúde, assenta no equilíbrio do balanço entre o aporte calórico e o consumo energético. Sempre que este balanço é positivo há formação de gordura, armazenada no organismo de forma diretamente proporcional àquele desequilíbrio, à sua duração temporal e às condições biológicas do indivíduo.
Numa perspetiva simplista, pode definir-se obesidade como um excesso de tecido adiposo que assume massa, volume e proporções prejudiciais à Saúde. Porém, além do problema de ordem clínica que nos cumpre agora abordar em breve síntese, não é possível menorizar outras, muito vastas e delicadas, questões que, não respeitando regiões, raças, culturas ou religiões, valorizam substantivamente a obesidade, fazendo com que a Organização Mundial de Saúde a tenha trazido para o primeiro plano das preocupações em saúde denominando-a como A Primeira Pandemia do Século XXI.
A obesidade é uma doença que impõe uma abordagem de várias áreas do saber bio-médico.
Entidade complexa e fisiopatologicamente multifatorial, trata-se de uma doença grave que impõe uma abordagem multidisciplinar, integradora e cooperativa de profissionais de várias áreas do saber bio-médico, confluentes em diferentes e comuns interesses clínicos, técnicos e científicos.
Tendo por base a distorção de comportamentos e atitudes, psico-afetivas e de saudáveis hábitos de vida, a abordagem clínica e a perspetiva terapêutica da obesidade passa pela perda sustentada de peso e correção daqueles desvios, através de programas personalizados de redução do excesso de aporte calórico, de aumento do consumo energético e de recuperação da auto-estima.
Na dimensão holística do doente dir-se-á que, após correto diagnóstico e tratamento do caso, além do clínico, o acompanhamento dietético, nutricional e psicológico são as áreas essenciais para o equilibrado controlo do doente.
CONCEITO
A noção de normalidade de volume corporal e peso de um indivíduo, é uma ilação elementar no âmbito do senso comum, com implícita ponderação de diversos fatores como são a idade, altura, peso, sexo e raça dos indivíduos.
Biologicamente, o peso de um indivíduo traduz o produto final da correlação entre o aporte calórico e o consumo energético do organismo. O desequilíbrio daquela correlação consequente a um excesso, continuado e prolongado no tempo, de ingestão calórica condiciona a acumulação de massa gorda no organismo e, objetivamente, o aumento, mais ou menos significativo do volume e peso corporal.
Doença complexa com origem em múltiplos e variados fatores que, independentemente dos que iniciam a perturbação bio-psicológica do fenómeno, interagem sinergicamente numa cascata difícil de interromper e fazer regredir é, enquanto conceito biológico, um fenómeno passível de definição objetiva e graduação quantificada em termos de aumento de peso, volume corporal e co-morbilidades.
Não sendo indicador absoluto, o IMC necessita de uma judiciosa valorização, particularmente nas idades extremas da vida.
A objetivação conceptual inerente à sua ponderação clínica e científica, concretiza-se pela relação entre altura e peso, ou seja, em função do conceito de Índice de Massa Corporal (IMC), medida internacional quantificadora do peso e indicador adotado pela OMS para, nesta perspetiva, graduar patamares de saúde.
Valorizado em Kg/m2, o IMC é o resultado do quociente entre o peso, em Kg, e o quadrado da altura, em metros.
A importância reside na comprovação da sua correlação com valores de saúde, tendo a OMS estabelecido intervalos de qualidade e marcadores de saúde que vão desde a definição de Sub-Peso, até à de Obesidade Mórbida.
A OMS classifica o peso individual em 5 Grupos, Baixo Peso, Peso Normal, Excesso de Peso: Pré-Obesidade e Obesidade que, por sua vez, é graduada em 3 classes, Classe I, Classe II e Classe III (Quadro 1).
A Classe III, correspondente à clássica Obesidade Mórbida, é entendida como a duplicação do peso, ou o aumento de 45 kg em relação ao peso ideal, traduzida por IMC superior a 45 kg/m2. IMC superiores podem ainda ser estratificados em Super-Obesidade e, nos casos extremos em que o IMC ultrapassa os 60Kg/m2, Super-Super Obesidade.
Não sendo indicador absoluto, o IMC necessita de uma judiciosa valorização, particularmente nas idades extremas da vida. Nas crianças, o IMC pondera a idade, o sexo, a altura e o peso e expressa-se por Percentis, sendo que, também, nos idosos a sua ponderação é diferenciada.
Sempre que o IMC sai do intervalo de padrão de saúde – Peso Ideal – denuncia estados de não saúde, por deficiência ou excesso de peso e, eventuais, estados de doença. Com este objetivo, grande potencialidade do IMC é a sua fiável correlação com a estratificação de risco definida por J.G. Kral em 1996 (1), apresentada no Quadro 2. À semelhança da Classificação de Child para a cirrose hepática, ou a de Ranson para a pancreatite aguda, o princípio que preside a esta estratificação é a caracterização do risco individual e ponderação crítica de resultados entre diferentes séries.
Entre as múltiplas, e negativas, situações clínicas indiscutivelmente associadas à obesidade destacamos, enquanto co-morbilidades major, a Hipertensão Arterial, Hipercolesterolemia, Arteriosclerose, Enfarte Agudo do Miocárdio, AVC, Diabetes tipo II, Problemas Osteo-Articulares e o Cancro Colorectal.
Na mulher a gordura é superficial e deposita-se no espaço sub-cutâneo, enquanto no homem é visceral.
Reforçando a sua posição enquanto marcador de qualidade, sabemos que a distribuição da gordura é particularmente relevante para a definição do risco de morbi-mortalidade. Na mulher, a gordura é, primeiro e fundamentalmente, superficial depositando-se no espaço sub-cutâneo, enquanto no homem é visceral, razão porque a morfologia da obesidade tem um marcado carácter de género, sendo a andróide em forma de maçã e em pêra a ginóide (Figura 1). Por esta mesma razão, excelente marcador de risco é o perímetro da cintura, significativo quando atinge valores superiores a 88 cm na mulher e 102 cm no homem.
A obesidade, enquanto excesso de massa de tecido adiposo prejudicial para a saúde, implica duas questões, em que a primeira é a de saber a partir de que parâmetros o excesso de peso se torna patológico e a segunda, sobre as consequências somáticas, psicológicas e sociais que o excesso de massa gorda acarreta e a sua repercussão sobre condições de qualidade e de vida dos doentes, traduzidos por índices de mortalidade prematura.
Pelo agravamento da incidência, global e das numerosas e graves co-morbilidades, fazem da obesidade um dos mais sérios e graves problemas de Saúde Pública dos nossos tempos.
Não é, todavia, legítima a conclusão, simples e imediata, de que a obesidade é, apenas, fruto de excesso alimentar. Sendo indispensável, a sua essência multifatorial impõe que, a esse excesso, se associe um vasto conjunto de fatores, de que são exemplos mais marcantes a genética e a condição psicológica do doente, mas também o ambiente, em que, numa perspetiva muito lata, dominam fatores de ordem social e cultural.
PERSPECTIVA EPIDEMIOLÓGICA
De epidemia, como a OMS a reconheceu na última década do Século XX, a obesidade é agora considerada como a primeira pandemia do Séc. XXI.
Com o mundo a engordar, a obesidade constitui hoje um grave e complexo problema de Saúde Pública.
Fenómeno universal que afeta transversalmente todas as sociedades e regiões do globo, indiferente a fatores de ordem étnica, religiosa, cultural, profissional, social ou outras.
Com o mundo a engordar, a obesidade constitui hoje um grave e complexo problema de Saúde Pública, face à expressão que assume em termos epidemiológicos, clínicos e sociais. Os mais relevantes indicadores desta preocupação são a degradação bio-psicológica dos doentes traduzida pelos elevados índices de co-morbilidades, prolongados períodos de incapacidade, morte antecipada e significativos encargos financeiros pelos relevantes custos em Saúde que lhe são próprios.
Nos EUA, nas duas décadas compreendidas entre os anos 1980 e 2000, assistiu-se à duplicação dos índices de prevalência de adultos com IMC ≥ 30 kg/m2, afetando uma população na ordem dos 23 milhões de indivíduos (2), para em 2005 haver cerca de 8 milhões de pacientes candidatos a cirurgia bariátrica por obesidade mórbida (3).
Focalizando a atenção em áreas geográficas que nos são próximas, diremos que a cirurgia bariátrica em França, com mais de 25.000 intervenções cirúrgicas efetuadas em 2009, ocupa posição de particular relevo na atividade cirúrgica em geral (4,5).
Em Portugal, a dimensão do problema, em 2010, aferia-se pelos 53% da população com excesso de peso e os 61% das crianças observadas em consultas de obesidade terem idades inferiores a 10 anos (6).
Além da repercussão nos doentes, é muito significativo o peso que a obesidade assume na ponderação dos custos diretos e, sobretudo, nos custos indiretos dos gastos em saúde.
Os custos diretos que, no âmbito da Saúde Pública, alguns autores denominam por custos em cuidados de saúde, representam as despesas do SNS, dos doentes e familiares, com a prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças, há mais de uma década, tendo vindo a ser alvo de estudos específicos no Reino Unido (7).
A obesidade tem um impacto económico muito grande nos orçamentos das famílias e das sociedades.
Na perspetiva da Economia da Saúde, são custos indiretos os inerentes ao valor da produção perdida devido à doença e à morte prematura, ou seja, aos custos de produtividade (9).
Ao contrário do que acontece com os custos diretos, são poucos os estudos cientificamente válidos acerca dos custos indiretos da obesidade. No entanto, pode aceitar-se como válidos os valores compreendidos entre 50% em 1990 (10) e 92% dos custos diretos nos EUA, em 1998 (11).
Em Portugal, apesar da significativa probabilidade dos índices de obesidade estarem sub-estimados, o impacto efetivo da doença no nosso País em 2002, deverá ter sido, na ordem dos 212 milhões de euros (12,13).
De qualquer modo, independentemente da controvérsia que a literatura económica evidencie a propósito da metodologia de valorização do capital humano utilizada para ponderar o impacto económico indireto da doença, é inequívoca a certeza dos muito elevados custos clínicos, sociais e económicos que a obesidade assume nos orçamentos dos indivíduos, das famílias, das sociedades e dos países.
Situação complexa, multifatorial e multisistémica, em que condições psico-afetivas assumem dimensões de particular relevância, o impacto social da obesidade, enquanto Primeira Pandemia do Séc. XXI, manifesta-se, ainda, pelas diferentes afeções que lhe estão associadas, inter-dependentes e responsáveis por elevados índices de morbilidade e não irrelevante mortalidade, particularmente em grupos etários mais baixos.
Em Portugal, um estudo promovido pela Direção Geral de Saúde em 2010 evidencia, de forma muito clara, o expressivo agravamento da dimensão sociológica e demográfica do problema comparativamente com a verificada em 2005 marcadamente à custa das mulheres e jovens adolescentes (14).
É assumido nesse documento que, tendo a sua origem na mudança rápida de determinantes sociais, económicos e ambientais do estilo de vida das pessoas, a Epidemia da Obesidade representa um dos mais graves desafios para a Saúde Pública na Europa, sendo seu objetivo estratégico a criação de condições de abordagens eficazes, integradas e multisetoriais para a prevenção e controlo da obesidade em Portugal (14).
A Diabetes tipo 2 evidencia-se em cerca de 80% dos casos de obesidade, particularmente em jovens e adolescentes.
No âmbito geral do problema, entre as anteriormente referidas, as três entidades nosológicas com mais marcada interdependência com a obesidade e, justificada, preocupação no domínio da Saúde Pública, são as lesões osteo-articulares, a diabetes tipo 2 e as doenças cardiovasculares. A Diabetes tipo 2 evidencia-se em cerca de 80% dos casos de obesidade, particularmente em jovens e adolescentes.
As Doenças Cardiovasculares, nomeadamente a HTA, insuficiência cardíaca e AVC, estão associadas às duas situações anteriores e são responsáveis pela 1ª causa de morte em grupos etários baixos, ou seja, em doentes com idade inferior à expectável, face à atual esperança média de vida no nosso País (14).
ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA
O objetivo terapêutico é a obtenção de uma perda sustentada de peso capaz de trazer o IMC do doente para valores de saúde.
No âmbito dos princípios gerais, peça nuclear para o sucesso de qualquer estratégia terapêutica são a mudança dos hábitos de vida, de regime alimentar e atividade física, bem como a interiorização do problema e recuperação do equilíbrio psicológico e auto-estima.
Neste domínio a terapêutica ideal seria a que, não invasiva, pudesse cumprir aqueles objetivos terapêuticos sem efeitos acessórios relevantes. Responderiam a estas condições, fármacos que fossem capazes de inibirem o apetite e acelerarem o trânsito intestinal, serem anti-anabolizantes e inibidores da absorção, decisivos para a significativa redução de peso à custa da perda de massa gorda e preservação da massa muscular, sem interferirem no equilíbrio hidro-electrolítico, integráveis em terapêuticas multisistémicas, não tóxicos e de baixo custo.
Porém, como é bem sabido, não existem fármacos com estas potencialidades.
Multifatorial na essência, as abordagens, diagnóstica, terapêutica e de acompanhamento pós-operatório, são necessariamente multidisciplinares e integradoras, de forma cooperativa, de diversas áreas do saber bio-médico, como a Endocrinologia e, ou, Medicina Interna, Gastrenterologia, Psicologia, Dietética, Nutrição, Medicina Física e a Cirurgia, Geral e Bariátrica primeiro e Plástica e Reconstrutiva, depois.
Ainda no âmbito das perspetivas gerais, todos estas áreas devem, em condições ideais, viver em ambiente próprio, de modo a potencializar sinergias otimizando recursos e a eficiência terapêutica.
Como doença crónica que é, a obesidade exige prolongados períodos de acompanhamento para a vida.
Não sendo uma doença cirúrgica, a obesidade, pelos motivos antes aduzidos, tem na cirurgia a arma terapêutica que melhor consegue aquele objetivo, particularmente nos casos em que a o IMC ultrapasse os 35 kg/m2.
Assim, têm indicação cirúrgica doentes com IMC> 40 Kg/m2, ou superior a 35 Kg/m2 desde que portadores de co-morbilidades significativas, sem endocrinopatias, psicopatias graves, comportamentos aditivos, com risco operatório aceitável e após falência de tratamento médico adequado.
Em sentido inverso, apresentam-se como contra-indicações operatórias situações de história de obesidade inferiores a 5 anos, doentes com risco operatório inaceitável (ASA>3), portadores de doenças do tubo digestivo alto, doenças infeciosas crónicas, gravidez e doenças endócrinas.
Como doença crónica que é, a obesidade exige prolongados períodos de acompanhamento, frequentemente para a vida, face às repercussões que lhe são próprias e em que as de âmbito psico-social são frequentemente mais marcadas que as de índole bio-médica. Por assim ser, a cirurgia bariátrica assume-se hoje, pelos índices de ocupação de camas, de morbilidade, dias de internamento e consumo de recursos humanos e financeiros, como uma das áreas de maior impacto na prática hospitalar e nos gastos em saúde dos nossos dias.
Depois de adequadamente ponderada a solução cirúrgica, impõe-se que o acompanhamento, particularmente psicológico e dietético, seja continuado de modo a que as mudanças de estilo e hábitos de vida sejam cumpridas e consolidadas com ganhos importantes em qualidade de vida. Registo que não são apenas as mudanças de hábitos dietéticos, nutricionais e de estilo de vida física, mas, também, na atitude psico-afetiva e social capazes de conduzir a ganhos sustentados nos domínios bio-médicos e psicológicos inerentes ao adequado equilíbrio do doente.
A cirurgia é a única solução terapêutica que pode oferecer melhores resultados para o seu controlo.
Face ao complexo e multivariado enquadramento da doença, não existe uma solução terapêutica ideal que possa ser adotada como modelo universal para tratamento de doentes com obesidade, particularmente das suas formas mais graves, como é o caso da Classe III.
PERSPETIVAS E TÉCNICAS CIRÚRGICAS
Apesar de, como antes referido, a obesidade não ser uma doença cirúrgica, a cirurgia é a única solução terapêutica que, depois de bem ponderada a condição holística dos doentes, lhes pode oferecer melhores, mais sustentados e eficientes resultados para o controlo da doença.
Nesta perspetiva, é objetivo da cirurgia o controlo efetivo do peso e, assim, eliminar ou minimizar as degradações biológicas inerentes às diferentes co-morbilidades, recuperar a condição psicológica e a auto-estima, solucionar problemas sociais e de relação e melhorar a qualidade e o tempo de vida dos doentes.
Não sendo um conceito recente (15), o enorme entusiasmo que a cirurgia bariátrica tem vindo a despertar nas últimas décadas é fruto da explosão da cirurgia laparoscópica, que se afirmou, também neste domínio, como solução eficiente, quanto aos objetivos, e segura quanto às consequências imediatas, nomeadamente à morbilidade e mortalidade operatória (5).
Múltiplas e diversas co-morbilidades tornam estes doentes biologicamente frágeis, condição que associada ao peso e elevada exigência técnica, fazem com que a cirurgia bariátrica se acompanhe de elevados índices de morbi-mortalidade.
É, por isso, mandatório que, no momento do consentimento Informado, o doente disponha de clara e detalhada informação sobre o seu índice estimado de risco, atendendo aos índices gerais de probabilidade, fundamentalmente, ponderados em função da sua condição biológica, da solução cirúrgica que lhe é proposta e da experiência do grupo terapêutico.
Após correta ponderação da situação clínica dos doentes, soluções personalizadas e adequadamente planificadas, modificando a anatomia do tubo e a fisiologia do processo digestivo, diferentes tipos de cirurgia bariátrica, conseguem o controlo eficiente da situação e excelentes resultados a longo termo.
Nota particular a destacar, é o da marcada ação da cirurgia bariátrica sobre as diferentes co-morbilidades que, controlando umas e recuperando completamente outras, não é devida apenas à perda de peso mas, também, à sua ação direta sobre diferentes mecanismos fisiopatológicos que, na sua globalidade, integram o recente Capítulo da Cirurgia Metabólica.
A abordagem laparoscópica é considerada como a gold standard para qualquer tipo de cirurgia bariátrica.
Doença crónica, multifatorial e multisistémica, a obesidade exige períodos muito prolongados de tratamento a fim de estabilizar normalidades psico-afetivas e fisiológicas e melhorar, ou prevenir, incapacidades e mortalidades precoces.
Modificando ambientes, a cirurgia é a única solução capaz de obter significativas perda de peso e IMC compatíveis com níveis de saúde e padrões de boa qualidade de vida para os doentes e com custos sustentáveis pelos Sistemas de Saúde (1).
Considerada desde 1991 como marcador de modernidade cirúrgica, a abordagem laparoscópica, trouxe um grande incremento a estes tipos de intervenção face à melhor tolerância biológica e, sobretudo, melhor exposição, visualização e maior amplitude dos espaços de trabalho numa cavidade abdominal preenchida por grande volume de tecido adiposo.
Porque, a estas vantagens próprias da cirurgia de acesso mínimo estão associados, menores índices de morbi-mortalidade, mais fácil e rápida recuperação clínica, social e profissional dos doentes, a abordagem laparoscópica é consensualmente considerada como a abordagem “gold standard” para qualquer tipo de cirurgia bariátrica.
As soluções cirúrgicas que têm sido perspetivadas com objetivos bariátricos, são integrados em 3 grupos concetualmente diferentes: Restritivos, Malabsortivos e Mistos.
I – Procedimentos Restritivos
Tecnicamente mais simples, este tipo de procedimento visa a redução da capacidade do reservatório gástrico e, assim, do volume de ingestão alimentar.
Em silicone, a banda gástrica é bem tolerada pelo organismo.
Com várias soluções propostas em época anterior à Cirurgia Laparoscópica, nos nossos dias, depois da Gastroplastia Vertical Calibrada (16), a Banda Gástrica Ajustável é a solução que neste âmbito e desde 1993, domina o cenário global (17).
Colocada na porção próximal e sem estabelecer qualquer alteração definitiva anatomo-fisiológica do estômago (Fig. 2), a Banda (Fig. 2b) visa provocar a bipartição gástrica em duas câmaras (Fig. 2a, 2c).
Em silicone e muito bem tolerada pelo organismo, a Banda Gástrica tem acoplado um dispositivo que permite o ajustamento do calibre do canal de comunicação que a banda estabelece entre as duas referidas bolsas. A câmara de ajustamento (Fig. 2d) é colocada no espaço sub-cutâneo, sobre a aponevrose do hipocôndrio esquerdo, de modo a facilitar a sua picada por agulha para, com soro fisiológico, se ir variando o volume injetado e o calibre do canal de esvaziamento da bolsa (Fig. 2e).
A câmara próximal (Fig. 2a), pequena de 15/20 cc de capacidade, constitui o elemento nuclear da funcionalidade do procedimento.
Depois de um adequado intervalo de tempo para adaptação do doente aos novos hábitos alimentares, o pequeno volume da bolsa faz com que os alimentos sólidos o preencham muito rapidamente, reduzindo drasticamente o aporte energético.
Por outro lado, o pequeno calibre do canal de esvaziamento, adequadamente ajustado ao momento e modo evolutivo da curva ponderal, impede o esvaziamento rápido, prolongando o tempo de saciedade e o aumento dos intervalos entre refeições.
Impondo profundas alterações dos hábitos alimentares e regimes dietéticos, com refeições ponderadas em qualidade calórica, pouco abundantes e mais espaçadas, a bolsa consegue o primeiro objetivo de qualquer plano terapêutico de perda de peso.
Como não implica alterações anatómicas definitivas, a banda gástrica pode ser reajustada ou removida.
Sendo que em doentes bem avaliados, selecionados e acompanhados, pode oferecer excelentes resultados à distância, a Bolsa Gástrica Ajustável apresenta-se como uma solução ambivalente, na medida em que sendo o procedimento mais simples é a solução mais exigente. Tecnicamente mais simples mas não isento de complicações, a curto e longo prazo, é o procedimento mais exigente quanto ao conhecimento do indivíduo, impondo ao doente avaliações pré-operatórias e acompanhamentos pós-operatórios mais apertados e prolongados, nomeadamente com o envolvimento da cirurgia, nutrição e psicologia, com psicoterapia individual e/ou de grupo.
Porque não implica qualquer alteração anatomo-fisiológica definitiva, quando se revelar insuficiente face aos objetivos, há sempre possibilidade de, em qualquer momento do processo terapêutico, se proceder ao reajuste posicional ou à remoção e, no mesmo tempo operatório, ao estabelecimento de outro procedimento bariátrico, de que a Sleeve Gastrectomy ou o By-Pass são exemplos comuns.
II- Procedimentos Malabsortivos
Foi este tipo de procedimentos que, em 1954 na Universidade de Michigan e pela proposta empírica do By-Pass Intestinal (Fig. 3) por A.J. Kremer e cols, iniciou a Era da Cirurgia com objetivos Bariátricos (18).
A consequência, imediata e mais relevante, deste trabalho foi, ao contrário do que acontecia até então, o entendimento de que a obesidade deveria passar a ser considerada como uma entidade nosológica passível de eficiente controlo e tratamento (3).
São soluções cirúrgicas muito exigentes quanto a diferenciação técnica e que, através do estabelecimento de profundas alterações anatómicas do circuito digestivo, induzem marcadas distorções do processo fisiológico da digestão e, por inerência, insuficiente absorção.
As soluções propostas por Nicola Scopinaro, em 1979 – By-Pass Bilio-Pancreático (19) e D.S Hess e D.W. Hess (20), sendo análogas na abordagem do circuito digestivo, diferem no tratamento do estômago (Fig. 4; Fig. 5).
Ambos os procedimentos excluem do circuito digestivo e alimentar o duodeno, o jejuno e parte significativa do íleon.
Como princípio, o intestino delgado é seccionado de modo a estabelecer, através de uma Gastro-Jejunostomia em Y-Roux um canal alimentar com cerca de 150 cm de comprimento.
Enquanto Scopinaro propõe a gastrectomia parcial distal, Hess e Hess defendem a sleeve gastrectomy.
O canal Bilio-Pancreático será integrado no aparelho digestivo, através de uma Jejuno-Ileostomia a uma distância aproximada de 50 cm da válvula ileo-cecal (Fig.3). Estabelecem-se, assim, dois canais, um alimentar e outro digestivo, este com um comprimento de cerca de 50 cm. As duas propostas anteriores divergem quanto à abordagem do estômago. Enquanto Scopinaro propõe a gastrectomia parcial distal (19), Hess e Hess defendem a sleeve gastrectomy (20).
A Derivação Bilio-Pancreática, proposta por Nicola Scopinaro em época anterior à Era Laparoscópica (19), recolheu ampla aceitação durante alguns anos face à sua grande eficácia em termos de perda sustentada de peso. Mas, porque a par dos positivos, os resultados negativos, caracterizados pelas muito marcadas e importantes alterações homeostáticas dos equilíbrios metabólico, de minerais, vitaminas e hidro-electrolíticas, fizeram com que a Operação de Scopinaro (21), tenha sido progressivamente preterida em favor do Duodenal Switch com preservação do piloro (Fig. 5 ) que, além da velocidade de esvaziamento gástrico, da diminuição da incidência de úlceras anastomóticas e anemia ferropénica reduz significativamente todas as restantes alterações (20, 22).
Indicadas para tratamento de doentes com marcadas fragilidades biológicas próprias da obesidade mórbida, e com elevada complexidade técnica, estes tipos de intervenções estão associados a índices muito elevados de complicações que, em doentes com IMC>60, atingem índices de morbilidade da ordem dos 23% e de mortalidade na ordem dos 6.5% (23).
Para reduzir estes números Michel Gagner propôs a realização desta intervenção em dois tempos. A uma Sleeve, efectuado como primeiro tempo como procedimento restritivo para baixar significativamente o IMC, seguir-se-ia, num segundo tempo, a realização do Duodenal Switch. Com esta estratégia, M. Gagner e colegas conseguiram fazer baixar aqueles números para 0% de mortalidade e 5.6% de morbilidade (23).
Além da exigência técnica, o completo desvio bilio-pancreático que as caracteriza, torna estes tipos de intervenção muito pesados em termos fisiológicos, metabólicos e de acompanhamento clínico, que se impõe atento e permanente, para despiste atempado de correções nutricionais, vitamínicos e minerais. Aspeto importante a realçar é o destes tipos de procedimentos serem os únicos que, por não interferirem sobre o reservatório gástrico, permitem o tratamento eficiente de doentes incapazes de alterar os hábitos alimentares e moderarem o exagero da ingestão calórica, como são os sweet eaters.
Todavia, os aspetos negativos são, em meu entendimento, suficientemente fortes para não as considerar mais que intervenções de recurso, ou life-saving, em doentes sweet eaters com muito graves fatores de risco, em termos de co-morbilidades, e com Índices de Massa Corporal exageradamente elevados – IMC > 55 kg/m2.
III – Procedimentos Mistos
São intervenções cirúrgicas que interferem simultaneamente na ingestão e na absorção. A vantagem deste tipo de soluções é a de, com ações menos marcadas em cada um dos procedimentos, agirem reciprocamente na potencialização dos resultados de cada um dos tempos. Com um reservatório gástrico não tão diminuto quanto o dos procedimentos restritivos e um canal digestivo significativamente mais longo que o das soluções mal absortivas, a eficiência terapêutica acompanha-se de complicações menos relevantes.
Com a redução do reservatório gástrico e o controlo do apetite consegue-se uma redução do aporte energético.
A intervenção padrão é o By-Pass Gástrico que, desde os trabalhos de Wittgrove e colegas em 1993 (24) muitos Centros adotaram como solução gold standard, senão sistemática, para tratamento cirúrgico da obesidade (25, 26).
No By-Pass, como a Figura 6 evidencia, a pequena bolsa gástrica representa o componente restritivo, enquanto que um canal digestivo mais longo que no Duodenal Switch, dá-lhe a dimensão malabsortiva.
As vantagens são as suas mínimas repercussões a nível da absorção de microelementos e de aminoácidos, mantendo-se a necessidade de suplemento vitamínico. O seu inconveniente mais relevante é o abandono do estômago que fica excluído a qualquer acesso endoscópico, situação potencialmente delicada em regiões, como é o caso de Portugal, em que a incidência do cancro do estômago é muito significativa.
A Sleeve Gastrectomy consiste numa gastrectomia parcial vertical, deixando in situ um tubo, ou manga, adequadamente calibrada ao longo da pequena curvatura (Fig 7), resseca a porção do estômago com maior capacidade de distensão e armazenamento, bem como a região onde são produzidas enzimas reguladoras do apetite, com o é o caso da grelina.
Deste modo, a sleeve gastrectomy cumpre o seu objetivo bariátrico através da redução do reservatório gástrico e pelo controlo do apetite que, agindo sinergicamente, favorecem uma importante redução do aporte energético.
A Sleeve Gastrectomy é hoje aceite como uma solução mista, muito eficiente como intervenção bariátrica.
Inicialmente proposta por Michel Gagner como primeiro tempo de uma bem planificada estratégia cirúrgica em doentes com IMC 50 Kg/m2 (27) tinha como objetivo a redução de peso desses doentes de modo a que, num segundo tempo, fosse melhor tolerado biologicamente, o by-pass gástrico que constituiria a intervenção definitiva.
O acumular de experiências foi permitindo perceber que a perda de peso conseguida com a sleeve era, não só significativa, como sustentada no tempo (23) pelo que, de método restritivo puro que se apresentava como solução alternativa à banda e primeiro tempo terapêutico, a Sleeve Gastrectomy é hoje aceite como uma solução mista, muito eficiente como intervenção bariátrica.
O mecanismo fisiopatológico que fundamenta estes excelentes resultados é complexo e não completamente conhecido na sua essência; mesmo o do controlo da saciedade é controlado pelo eixo neuro-hormonal estômago/ intestino/cérebro (28).
Entre as hormonas digestivas, a Grelina, produzida no fundo gástrico removido pela Sleeve, é a substância melhor conhecida e responsabilizada pela regulação do apetite e controlo do peso à distância. Neste âmbito e sem que se conheçam ainda as vias efectoras de outras substâncias, como a obstatina, a relação grelina/obstatina e a PP-YY que, também o nosso Grupo comprovou (29-31) contribuem para reforçar a interpretação da resposta e, deste modo, justificar a marcada eficiência da Sleeve Gastrectomy como Procedimento Misto que, em alguns destes doentes superobesos tem uma resposta tão marcada que dispensa, pelo menos a médio prazo, a necessidade do segundo tempo cirúrgico (23).
COMPLICAÇÕES DA CIRURGIA BARIÁTRICA
Os três tipos de intervenções que dominam o panorama deste tipo de cirurgia, face à sua, muito positiva, relação custo-benefício são, na Europa e também em Portugal, a Banda Gástrica Ajustável, entre os procedimentos Restritivos, e o By-Pass Gástrico e a Gastrectomia em Manga, ou Sleeve Gastrectomy, entre os Mistos.
Como todos os tipos de intervenções cirúrgicas, também estes não estão isentos de riscos.
Como todos os tipos de intervenções cirúrgicas, também estes não estão isentos de riscos de mortalidade e de morbilidade, sendo que a maneira mais segura de minorar esses riscos é o cumprimento escrupuloso de normas e princípios de rigor técnico, próprias de cada um dos procedimentos.
Não havendo, como repetidamente referido, uma solução universal, o Capítulo da Cirurgia Bariátrica caracteriza-se por índices elevados de mortalidade e morbilidade, inerentes à complexidade e exigência técnica dos procedimentos e à fragilidade biológica dos doentes.
Princípios gerais de boas práticas clínicas são, ainda, neste tipo de cirurgia, a prevenção da trombose venosa profunda e os consequentes fenómenos embólicos, bem como outro tipo de complicações respiratórias, nomeadamente a apneia e as pneumopatias. De igual modo, são normas elementares de boa prática em cirurgia digestiva, o estabelecimento de suturas e anastomoses estanques, sem tensão e boa vascularização.
Apesar do cumprimento de todos estes princípios, as complicações, operatórias e clínicas mais comuns são as que, em síntese, passamos a referir.
1 – Banda Gástrica Ajustável
Apesar da simplicidade técnica, não está imune a estes riscos que se traduzem por índices de mortalidade na ordem dos 0,5%, francamente abaixo da de quaisquer dos outros procedimentos (32).
A mais grave das complicações imediatas é a perfuração gástrica (33), sendo que o slippage (34), a erosão da parede gástrica, com migração da banda para o lumen gástrico (33, 35) e a necrose (36), são complicações, habituais, mas não necessariamente, tardias. Mais tardias são a obstrução ou desconexão, do sistema de ajustamento, que ocorrem em cerca de 11% dos casos (37, 38).
Complicação menos frequente é a obstrução do canal de esvaziamento da câmara próximal que, pode ser precoce e consequente a impacto por não cumprimento de regime alimentar, ou tardia, por obliteração consequente à sedimentação de resíduos alimentares (39).
2 – By-Pass Gástrico
Entre as complicações precoces mais comuns devem ser tidas em consideração as fístulas digestivas que ocorrem entre 2% e 7% dos casos (40, 41), sendo, provavelmente e logo depois do tromboembolismo pulmonar, as mais comuns das complicações evitáveis do By-Pass Gástrico com reconstrução em Y-Roux. Comuns são, também, as hemorragias, digestivas ou intra-peritoneais, sendo que estas exigem revisão cirúrgica, em cerca de 40% dos casos (42). Menos frequentes são as hérnias internas, com incidências que variam entre 0.6% e 3% (40, 41) e a rara – 0.6% – mas, potencialmente, catastrófica dilatação gástrica aguda (43).
As mais comuns das complicações tardias são as estenoses e as úlceras anastomóticas e as consequências proteicas, ósseas e minerais da má absorção induzida pelo procedimento.
É hoje inquestionável o impacto da cirurgia bariátrica na sociedade e na vida dos doentes.
As estratégias mais eficientes na prevenção das fístulas digestivas, além das referidas como princípios gerais, são o reforço das linhas de sutura mecânica, a preservação da vascularização da bolsa gástrica, e o cuidado de identificar pequenas deiscências pelo controlo das linhas de sutura, quer através de distensão gasosa quer por lavagem endo-luminal com azul de metileno (44).
FUTURO
Em sentido lato, Evolução em Medicina traduz o processo gradual de mudança de atitude, fruto da evolução do conhecimento e racionalização dos fenómenos próprios de uma determinada situação clínica.
No que agora nos concerne, a evolução processou-se na racionalidade do entendimento do fenómeno fisiopatológico da perda de peso que, de procedimentos conducentes à restrição alimentar, passou para a da má absorção e, por fim, para soluções mistas que, com maior ou menor envolvimento de cada uma destas perspetivas, associa e potencializa sinergicamente os resultados de ambas, traduzindo-se pelo desenvolvimento de processos progressivamente mais complexos e eficientes.
A obesidade, como doença crónica não curável, encontrou na cirurgia a única arma terapêutica com potencialidade efetiva de controlo pelo que é inquestionável a legitimidade e o impacto da cirurgia bariátrica na sociedade e na vida dos doentes.
Porque, pela multissistémica dimensão do problema, não há uma solução universal e o tratamento é personalizado, é claro que todos os cirurgiões que dediquem ao tratamento da obesidade a sua atenção e cuidado, têm que ter adquirido destreza técnica e conhecimento científico bastantes, para realizar todos os Procedimentos que acabámos de referir e discutir em consulta de decisão multidisciplinar a estratégia mais adequada para cada doente.
Os resultados, mesmo quando sustentados no tempo, não podem ser considerados como definitivos, sendo indispensável que estes doentes sejam continuadamente seguidos pelo Grupo Multidisciplinar, de modo a detetar precocemente eventuais complicações, cirúrgicas, biológicas ou psicológicas e sociais que, a imporem intervenção terapêutica, deve ser tão precoce quanto possível. Papel fundamental para a qualidade dos resultados à distância é o da Psicologia, nuclear para o bem-estar continuado destes doentes, através de intervenções de acompanhamento psicoterapêutico, individual ou de grupo.
A cirurgia tem um impacto na ordem dos 98% na melhoria da qualidade de vida dos doentes.
Todos estes motivos justificam a necessidade da institucionalização de grupos homogéneos, multidisciplinares e cooperativos, de decisão, tratamento e acompanhamento terapêutico dos doentes obesos.
Importante é a referência às consequências do tratamento cirúrgico dos doentes obesos em que a significativa perda de peso é o resultado mais impressivo, mas, talvez, não o mais importante, face à resposta metabólica achada pelo desenvolvimento destes procedimentos cirúrgicos sobre a resposta do comportamento metabólico, tão importante que permitiu abrir um novo capítulo do saber como é o da Cirurgia Metabólica.
De facto, os índices de morbilidade e mortalidade inerentes à obesidade descem drasticamente após o tratamento cirúrgico com a normalização dos níveis séricos da glicemia e do colesterol e a cura, ou fácil controlo, da diabetes, da hipertensão arterial e da osteoporose, com impactos globais, da ordem dos 98%, de melhoria da qualidade de vida dos doentes.
Relevante é, ainda, a referência às complicações e efeitos colaterais de todos os procedimentos bariátricos. Factos inevitáveis são os índices de morbi-mortalidade que, em função das condições gerais do doente, da doença e do tipo de intervenção, caracterizam todos os procedimentos cirúrgicos. Com maior força de razão assim também acontece com a cirurgia bariátrica, sendo evidente que o esforço desenvolvido na preparação pré-operatória dos doentes, na clareza da indicação e no rigor do gesto técnico, fez descer a mortalidade dos 5% que lhe eram próprios no final da última década de 1970, para os 0,2% referenciados no Bariatric Surgery Registry, importância pela revelação de índice inferior ao da História Natural destes doentes inscritos em Listas de Espera Cirúrgica (1).
Todavia, mau grado todo um vasto conjunto de medidas que têm vindo a ser tomadas a diversos níveis de responsabilidade do Ministério da Saúde, nomeadamente com os Programas Cirúrgicos, há um conjunto de medidas importantes que se impõem tomar para que todos esses programas se tornem eficientes.
Refiro-me a questões de organização de circuitos administrativos e hospitalares, à certificação e acreditação de Serviços e à definição de Centros de Referência, a adequadas articulações das diferentes áreas do saber envolvidas no problema que é, por excelência, exemplo paradigmático de multidisciplinaridade clínica.
Na perspetiva cirúrgica, são expectáveis melhores resultados com a generalização da abordagem laparoscópica. Amplos estudos prospetivos, randomizados e multicêntricos, comparativos de diferentes estratégias, permitiriam a comprovação e adoção de programas e soluções mais eficientes. Porém, fortes argumentos científicos e éticos inviabilizam tais estudos em doentes muito fragilizados pelas situações de obesidade mórbida que os afetam (45).
Quando, ao longo do tempo, se constate a insuficiência de qualquer solução cirúrgica que, com sucesso, tenha sido adotada, há que ponderar alternativas terapêuticas para reconverter a situação.
Neste domínio, interessantes avanços tecnológicos têm disponibilizado instrumentos e soluções que, além de invasão mínima, se têm afirmado pelos excelentes resultados a curto prazo. Refiro-me à Cirurgia Endoluminal que, pela referenciação, o nosso grupo já tem significativa experiência (46) e o Sleeve Jejunal que, de igual modo, parece apresentar auspiciosas expectativas (47).
A chamada de atenção para estas soluções justifica-se pela minimização do acesso, pelos aparentes, porque iniciais, bons resultados, sobretudo a propósito de uma área de intervenção pesada complexa.
Contudo, para que um problema com a dimensão que atualmente caracteriza a obesidade seja apropriadamente perspetivado é necessário contextualizar o problema em dois tempos distintos de intervenção. O primeiro será o substantivo, mas demorado na objetivação dos resultados.
Refiro-me à Educação. Educação em geral e Educação para a Saúde em particular. Esta estratégia educativa tem que ser iniciada agora para que, através de programas convincentes, motivadores e continuados no tempo, as crianças de hoje possam ser adultos saudáveis amanhã. E de Educação para a Saúde, para que os adultos de hoje, apercebendo-se da gravidade do problema, possam recuperar hábitos de vida saudáveis, cumpridos através de corretos propósitos alimentares e de atividade física, capazes de equilibrar o ratio ingestão/consumo e, caminhar no sentido da recuperação de IMC para valores tão próximos do normal quanto possível. A segunda questão é inerente ao desenvolvimento do conhecimento. A compreensão fisiopatológica dos fenómenos envolvidos e de que, apenas agora, começamos a ter noção científica de perspetivas clínicas e potencialidades terapêuticas.
BIBLIOGRAFIA