Sofia Brandão: “Liderança é empoderar as pessoas à sua volta”

Sofia Brandão, diretora de Operações e managing director do Grupo AlmaLusa Hotels, licenciou-se em Economia mas trocou o trabalho à secretária pela paixão pela hotelaria. E tanto gosta das operações do dia-a-dia num hotel, como de partilhar o que sabe com outros profissionais.

Sofia Brandão é diretora de Operações e managing director do Grupo AlmaLusa Hotels.

Sofia Brandão estudou Economia, na Faculdade de Economia do Porto, e, posteriormente, Estratégia, Revenue e Finanças na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, mas a sua vocação estava na hotelaria e é aí que tem desenvolvido toda a sua carreira.
Começou na cadeia Sheraton, em Portugal e Espanha, ocupando funções de gestão e consultoria na área de spas — ganhou um prémio do governo espanhol pelo projeto de melhoria de processos e formação de recursos humanos na hotelaria. Sofia Brandão voltou a Portugal como responsável pelas vendas, marketing e desenvolvimento dos spas da Aquapura Hotels e, em 2013, aceitou o desafio de criar e lançar a coleção de Hotéis AlmaLusa, de que hoje é diretora de Operações e managing director do Grupo AlmaLusa Hotels, sendo responsável pela área comercial e de marketing, coordenando o posicionamento e comercialização dos hotéis em todo o mercado internacional para um segmento citadino.
Pelo meio, tem conseguido concretizar outra paixão, partilhando a sua experiência em escolas de hotelaria e de marketing.
Ao voltar [da Argentina] tinha a certeza de que não podia voltar a uma secretária e procurei uma oportunidade na Hotelaria.

Como evoluiu a sua carreira?

Como muitas pessoas, depois de terminar a faculdade senti-me algo perdida sobre o que realmente gostaria de fazer – seguir a vertente de Economia e ir para a Banca (como acontecia tradicionalmente com os meus colegas de curso) ou seguir um bichinho que há muito me “assombrava” – a hotelaria. Enquanto refletia, decidi concorrer ao programa Contacto do AICEP e das 10 mil candidaturas fui uma das seleccionadas e enviada para a Argentina. Foi uma experiência inesquecível e não podia ser mais enriquecedora pelas experiências, pelas pessoas e pelo país. Ao voltar, tinha a certeza de que não podia voltar a uma secretária e procurei uma oportunidade na Hotelaria, que apareceu com a abertura do Sheraton Porto. Daí, foi um salto que me levou a Tenerife com mais uma abertura e depois a Fuerteventura. Em seguida, Portugal falou mais alto e voltei para abrir o Aquapura Douro Valley, hoje Six Senses Douro Valley, fazendo parte do lançamento de um destino e de uma marca. Seis anos depois, e com grande experiência em projectos com grandes dificuldades financeiras, sou arrastada da Aquapura por Miguel Simões de Almeida para começar, criar e arrancar com a coleção de Hotéis AlmaLusa.

Paralelamente, sempre tive a necessidade de partilhar e receber e por isso estive ligada a projetos de formação pós universitária no Porto em Marketing, no Algarve no lançamento da primeira pós graduação em Gestão de Spa’s, em Lausanne em Marketing e Estratégia, na Galiza em Marketing e depois em Madrid em Inteligência turística. Não há nada mais enriquecedor do que partilhar a nossa experiência e receber a experiência de outros.

 

Com a actual crise de motivação e entrega não é fácil gerir e motivar equipas que trabalham por turnos 24 horas por dia e 365 dias por ano. Exige proximidade e a criação de um sistema de reconhecimento e justiça.

 

Qual o projecto do AlmaLusa Hotels? Que missão lhe foi confiada?

A AlmaLusa Hotels arrancou em 2014, quando na Baixa de Lisboa não havia muitos hotéis, em especial boutique e com forte identidade. O objetivo era criar um produto que pudesse ser diferenciador na forma como recebia as pessoas, como mostrava a nossa cultura, mas também como acompanhava e criava condições de trabalho, formando e criando perspecivas de carreira aos jovens na hotelaria.

A missão foi co-arrancar com a abertura e com toda a estratégia de marketing, comunicação e também operacional de uma unidade de 28 quartos que em menos de dois anos se tornou referência na Baixa, pelos indicadores de performance, mas também pelo serviço e reconhecimento de clientes. Há seis anos consecutivos está na lista dos 10 melhores hotéis de Portugal pela prestigiada revista Conde Nast.

 

Quais as principais qualidades e competências para ser diretora de Operações de um hotel?

Desde sempre que a hotelaria tem sido um mundo masculino, em especial na gestão de topo e nas Operações.

Hoje é mais frequente ver mulheres a liderar Operações de grupos hoteleiros, mas há 10 anos não era de todo uma realidade.

Exige todo um jogo de conhecimentos e uma procura constante de aprendizagem, pois trata-se de apoiar e liderar todas as áreas da empresa: a Operação dos hotéis (recepção, housekeeping, manutenção, restauração) que têm equipas muito díspares em experiências, idades e géneros, mas também todos os outros departamentos auxiliares como Marketing, Vendas, Financeiro, Recursos Humanos, Revenue e até IT.

Por isso, a vontade de aprender e a resiliência são talvez as áreas onde temos que estar mais focadas. A empatia e capacidade de ouvir são também extremamente importantes para conseguir liderar as equipas em direção aos objetivos definidos, envolvendo as pessoas nas decisões.

Não nos podemos esquecer da assertividade, comunicação e organização, para dar o exemplo a toda a equipa, pois só sendo assertivos e construtivos na comunicação podemos ganhar a confiança de quem está connosco e conseguir que as pessoas todos os dias, sete dias por semana, 24 horas por dia deem o seu máximo e entreguem uma experiência memorável aos hóspedes. Com a actual crise de motivação e entrega não é fácil gerir e motivar equipas que trabalham por turnos 24 horas por dia e 365 dias por ano. Exige esta proximidade e a criação de um sistema de reconhecimento e justiça.

 

Sempre tive o bichinho da formação. Nas várias organizações por onde passei sempre tive muito presente que só através de formação e envolvimento das pessoas conseguimos motivar e liderar em direção ao objectivo.

 

Lecionou módulos de Marketing e Estratégia, por mais de três anos, na escola de Hotelaria de Lausanne, Suíça e Galiza, bem como Marketing Inteligence in MBA’s em Madrid. Como surgiu essa oportunidade e que mais valias lhe trouxe a docência?

Sempre tive o bichinho da formação. Adoro aprender e aprendo muito com a reflexão da preparação das formações. Nas várias organizações por onde passei sempre tive muito presente que só através de formação e envolvimento das pessoas conseguimos motivar e liderar em direção ao objectivo. Tudo é um treino e a formação é isso mesmo – um treino numa área que queremos dominar. Por isso, naturalmente, fui-me cruzando com pessoas que percebiam esta minha paixão por ensinar em ambiente profissional e me desafiaram para levar esta formação “on the job” para as escolas de hotelaria ou marketing.

Além de várias amizades surpreendentes, também é uma altura de introspeção, assimilação de processos e reflexão sobre estádios de desenvolvimento, o que acaba por me fazer evoluir. O estudo de casos práticos e as discussões em aula ajudam imenso a perceber pontos de vista e diferentes formas de abordar os problemas.

 

Quantas pessoas tem na equipa e o que procura em quem trabalha consigo?

Neste momento, temos cerca de 120 pessoas na época mais baixa do ano.  Atitude, garra, vontade de aprender e muita resiliência. Tendo estas qualidades tudo o resto é treino, formação e uma pitada de bom senso!

 

Infelizmente, a paz e a segurança que se vive em Portugal e no mundo, quase em geral, nos últimos 40 anos tem contribuído para a criação de uma geração desapegada, com uma criatividade sem limites, mas com falta de ambição.

 

Sente a dificuldade em atrair e reter talento?

Sem dúvida. São os tempos mais desafiantes para o mercado de trabalho. Trabalhamos com pessoas vários anos, vemos a sua progressão, motivação e de repente, por motivos muitas vezes surpreendentes, simplesmente, desistem da carreira. Quando estudava em Espanha, um dos professores de MacroEconomia fez-nos refletir porque os povos do Norte tinham mais sensibilidade para a cooperação e os povos mais de Sul para a competição. E a verdade é que no Norte com a dureza imposta pela Natureza, as pessoas são forçadas a unir-se para sobreviver e conquistar. Nos povos mais perto do Equador, a natureza é muito generosa em clima, comida e por isso as pessoas tendem a ser mais individualistas e a tomar as coisas por garantido. Infelizmente, a paz e a segurança que se vive em Portugal e no mundo, quase em geral, nos últimos 40 anos tem contribuído para a criação de uma geração desapegada com uma criatividade sem limites, mas com falta de ambição.

 

O que mais gosta na sua profissão? E o que menos gosta?

Não ter rotina, da adrenalina, de conseguir autosuperar-me todos os dias, mesmo quando não parece possível. Não gosto de falhar com as pessoas, de as perder, de as ver afastar-se e, em especial, de vê-las desistirem de si mesmas. Para mim, existe sempre responsabilidade da minha parte e que devia ter feito ou antecipado mais.

 

Ao trabalhar em hotelaria, o que lhe provoca inquietações?

Overbookings, avarias graves em quartos, incêndios. Mas tirando estes problemas graves, a falta de fé, de ilusão e de crença das equipas. Que as pessoas percam a bondade e se esqueçam que a hotelaria é um negócio de pessoas para pessoas.

 

Na hotelaria ainda há desigualdade salarial e de representatividade em cargos de liderança.

 

Acha que a sua progressão profissional foi mais difícil por ser mulher? Na hotelaria há muitas mulheres, mas só agora começam a chegar ao topo.

Não tenho qualquer dúvida. Quando comecei a assumir posições de chefia de departamento no Sheraton, sentia que tinha de demonstrar mais frequentemente para poder conseguir conquistar simples objectivos como mais uma pessoa para o meu departamento ou a autorização de uma compra.

Há dez anos não existiam mulheres nas direções corporativas nem mesmo nos conselhos de administração. Tem sido uma conquista progressiva e é impressionante ao dia de hoje a quantidade de mulheres na direção geral de hotéis.

 

Criou o Projeto Amigas do Trade. Como surgiu a ideia e quais os objetivos?

Sentia  que a competição entre as mulheres era algo negativa e por isso, a criação, em 2008, do Projeto Amigas do Trade foi uma necessidade para que pudéssemos partilhar, sem juízos ou preconceitos, os nossos desafios e poder ter ajuda de colegas. O ambiente tornou-se verdadeiramente saudável e o grupo evoluiu naturalmente para inspirar e ajudar muitas hoteleiras em Lisboa. Inicialmente, o grupo foi criado para apoiar o programa “Portuguese Hideaways”, que oferecia um circuito para explorar Portugal com estadias em hotéis boutique.

O grupo é composto exclusivamente por mulheres ligadas à hotelaria e evoluiu como um espaço de partilha, discussão de ideias e ajuda mútua. As atividades incluem almoços regulares, que funcionam como fóruns para debater temas relevantes, e um grupo ativo no WhatsApp, que facilita interações rápidas e soluções para desafios do setor.

Além de promover a colaboração, o grupo também procura quebrar preconceitos sobre competitividade feminina e inspirar mulheres a construir carreiras na indústria hoteleira, onde ainda há desigualdade salarial e de representatividade em cargos de liderança.

No futuro, o objetivo é continuar a fortalecer a rede como referência de apoio, inspiração e inovação na hotelaria, servindo também como caso de estudo em redes de práticas colaborativas a nível internacional.

 

Que conselho deixa a uma jovem que deseje fazer carreira na hotelaria com a ambição de chegar a líder?

Antes de qualquer coisa temos de gostar de pessoas porque envolve muitas pessoas, nos seus melhores e piores momentos e por isso, não ter paixão por isto vai tornar um sonho num verdadeiro pesadelo.

Resiliência todos os dias, foco, compromisso e entrega. Não podemos desistir e esquecer de quem somos.

Respeito profundo por todos, mas exigência constante connosco mesmas.

A paixão pelo que faz e a capacidade de liderar pelo exemplo são fundamentais. Procurar conhecimento constantemente, estar aberta a aprender com diferentes experiências e procurar construir uma estrutura de apoio sólida na sua equipa. Não ter medo de pedir ajuda ou assumir que não sabe.

A liderança não é apenas alcançar um cargo, mas inspirar e empoderar as pessoas à sua volta. Com determinação, autenticidade e empatia as posições de liderança aparecem naturalmente.

 

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