Maestros e líderes

Um maestro é, também, um líder e a forma como rege uma orquestra, um coro, um grupo de músicos, pode ser um bom exemplo de um gestor de uma organização.

Cada instrumento tem a sua importância e a sua cadência na pauta de música. Seguir as notas e os tempos é como a matemática, é uma ciência exata que, estudada, pode ser praticada por quase toda a gente.

O segredo do sucesso de uma orquestra ou grupo musical está em quem a rege. Quem os orienta para a sua interpretação da peça musical. Quem a adapta ao seu gosto ou modo como a ouve. Quem lê os músicos que tem à sua frente e destaca um ou outro. Quem puxa por uma parte da canção, ou deixa em devaneio outra.

Um maestro está sempre de costas para o público, dando destaque à sua equipa e aos seus músicos. Também por isto, pode mostrar por onde devem ir. Não é apenas com o movimento dos braços a dar o andamento, mas o olhar, a expressão, o contacto visual direto com alguém, promovendo que a peça musical vá pelo caminho que definiu e idealizou. Para quem o segue, qualquer sinal de desagrado ou desapontamento tem um efeito quase letal na sua prestação, bem como um sorriso de satisfação automaticamente se espelha também em quem toca ou canta.

Esta leitura de uns e outros exige treino e muitos ensaios. Obriga a uma perfeita noção da hierarquia e ao respeito por quem, na verdade, manda. Mas eu acredito que o maior trabalho está no maestro, que conhece cada um dos seus músicos ou cantores, sabe as suas fragilidades e pontos fortes, tocando e estando atento a eles aquando da atuação para um público presente.

Há umas semanas fui ouvir um concerto de homenagem ao meu maestro e compositor de eleição – o Ennio Morricone. Faleceu há uns anos, mas tive o privilégio de o ver conduzir a sua orquestra quatro vezes, três delas em Londres com uma amiga. Era o nosso programa de celebração da nossa amizade e ainda bem que o fizemos.

Talvez muitos não saibam quem foi Ennio Morricone, mas com toda a certeza que já viram filmes onde a banda sonora escrita por ele foi fundamental para dar sentido à interpretação e aos textos das películas. Desde filmes como “O Bom, O Mau e o Vilão”, “Era uma vez no Oeste”, “A Missão”, até ao meu preferido, “Cinema Paraíso”, todas estas longa-metragens tiveram o cunho essencial deste génio musical. Tinha como uma das suas musas a nossa Dulce Pontes, que convidou para muitos dos concertos a que eu assisti e que era sempre ovacionada de pé.

Aprendi, num documentário sobre ele, que começou por tocar trompete, como o seu pai, passando para compositor e fazendo arranjos de canções para a rádio. Quando começou a desenhar peças para westerns ganhou fama internacional e a sua carreira cresceu exponencialmente, compondo para muitos filmes em Hollywood. Nas suas músicas nunca faltava o trompete, que era invariavelmente tocado pelo seu pai. No entanto, quando este começou a perder capacidades, Ennio retirou das suas peças novas qualquer sinal deste instrumento musical – não queria que o pai sentisse que o ia substituir, por isso simplesmente deixou de incluir o trompete nas pautas.

Achei este momento da história da sua vida da maior ternura e empatia. Prescindir de uma parte da sua música para proteger um ente querido, talvez o mais importante para a sua vida musical.

E também é disto que se fazem os líderes, terem a capacidade de ajustar a sua organização às pessoas que têm e dando um exemplo de humanidade.

O concerto que vi de homenagem a Ennio Morricone tinha, obviamente, outro maestro a reger a orquestra, que tocou as músicas que conheço de cor. Foi bonito e emotivo, mas, por muito que se tentasse, nunca seria o Ennio. A forma como ele se adensava entre cada peça, se envolvia em cada instrumento musical, a concentração profunda e o nano conhecimento de cada composição sua é muito difícil de replicar.

Não há gente imprescindível, costumo dizer que o cemitério está cheio deles, mas um maestro e uma orquestra que criam obras inesquecíveis são impossíveis de substituir.

E é aí que sabemos que neste maestro estava, acima de tudo, um líder inspirador que ficará para a História.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 23 Janeiro 2025

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