Teresa Sant’Anna Leite é diretora executiva da Residência da Boa Vontade, uma instituição que se dedica a tornar a vida da pessoa com deficiência motora, cada vez mais inclusiva, acessível e independente e que celebra, este ano, o seu 60º aniversário. Terapeuta Ocupacional de formação, Teresa Sant’Anna Leite começou por trabalhar nas Residências Montepio e há 11 anos abraçou o desafio de desmistificar alguns dos principais preconceitos associados ao lifestyle da pessoa com deficiência motora, abrindo portas à sua capacitação cognitiva, com vista a uma vida fora de portas onde é possível ter um emprego e, no fundo, viver de forma adaptada mas autónoma.
“Para conseguir partilhar o meu maior desafio nos dias de hoje, precisamos de recuar a 2013, ano em que surgiu a oportunidade de integrar a equipa da Associação Boa Vontade Residência Adaptada, como Terapeuta Ocupacional e Coordenadora do Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão (CACI). O objetivo seria dar continuidade ao planeamento e implementação de um leque variado de atividades significativas para o desempenho e participação ocupacional dos residentes e que contribuísse para melhorar as suas competências e qualidade de vida. Passados 11 anos, o caminho revelou-se muito mais longo do que previa e trouxe-me um conhecimento e experiência mais ricos e desafiantes.
Em 2012 tinha terminado uma pós-graduação na área da Gestão da Saúde e, em 2018, quando surgiu o desafio para ocupar o lugar de diretora técnica da Associação a resposta chegou sem hesitar, sim! A Boa Vontade é uma casa com enormes especificidades e todo o caminho que começou com o CACI foi importante para a missão que se seguiu, de cuidar desta casa – fortalecendo relações que já tinham sido estabelecidas ao longo destes anos – desde residentes, colaboradores, equipa técnica e monitores de atividades – relações que se têm vindo a solidificar e têm tornado mais fácil levar a cabo esta missão com conhecimento, confiança e rodeada de pessoas alinhadas com a mesma missão.
Passados alguns anos, depois de uma pandemia que apanhou o mundo de surpresa, sobretudo o nosso, que nos pôs à prova enquanto pessoas e enquanto instituição, hoje, o dia-a-dia pauta-se por menor dificuldade, mas ainda assim, repleto de desafios. Ou não fosse a resiliência uma das palavras-chave para a nossa residência!
E se é verdade que relembrando Fernando Pessoa, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena” descrever o meu maior desafio na Residência é falar sobre duas grandes dimensões – a da gestão e a da dificuldade em aceitar que há coisas que vão levar muito tempo a mudar. Do ponto de vista da gestão, é gratificante e simultaneamente desafiante saber que os residentes e colaboradores vêm em mim uma pessoa com quem podem contar, porque ao mesmo tempo que é necessário acompanhar as suas dificuldades, dúvidas e por vezes até simples desabafos, contribuindo para a resolução dos seus problemas, há todo um dia-a-dia agitado, onde é necessário gerir não só o desempenho de cerca de 35 colaboradores que integram a Associação, mas também o das 32 pessoas que vivem connosco. Por tudo isto, é desafiante e exige de mim uma enorme disponibilidade.
Numa segunda linha, que acaba por ser um misto de desafio e dificuldade face a toda esta dedicação e energia que colocamos em campo por estas pessoas, é saber que por mais que capacitemos os nossos residentes, a sociedade ainda tem um longo caminho a percorrer para incluir verdadeiramente as pessoas com deficiência. Esta é a parte mais delicada: sabemos que há alguns casos de pessoas que estão melhor connosco na Instituição, contudo, há um grupo significativo que não necessitava de ser desenraizado da “sua terra” e que poderia usufruir de outro tipo de respostas comunitárias (até mesmo no domicílio), mantendo a sua autonomia e independência. Porém, face a uma ausência de respostas de maior proximidade ficam connosco e a sociedade não guarda o espaço necessário para as acolher.
A falta de respostas da sociedade para integrar as pessoas com deficiência no mesmo ecossistema em que todos nós estamos inseridos é uma grande parte deste desafio: seja pelos tempos de espera para aceder a ferramentas essenciais como uma cadeira de rodas, que abre portas à independência e liberdade; seja pela falta de programas que fomentem a inclusão e empregabilidade; tudo fatores desmotivantes, que acabam por adiar muitos sonhos e vontades de quem espera e trabalha para poder realizá-los.
Ainda assim, se tivesse que definir em poucas palavras como é a vida na Residência, diria que é uma realidade muito dinâmica, baseada na dedicação, respeito e admiração pelas pessoas com quem trabalhamos e em prol de quem desenvolvemos os nossos esforços diários. O resultado que almejamos para todos os residentes que estão connosco diariamente, é proporcionar uma vida rica em experiências, que contribua para o desenvolvimento pessoal e projeto de vida de cada um. Ao trabalhar nesta área aprendemos que mesmo os momentos mais difíceis são ultrapassáveis e as experiências tornam-nos a todos pessoas melhores e muito mais fortes.”
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