Com 83 anos, Sylvia Earl vive, há décadas, imersa nos oceanos. O seu conhecimento sobre o tema é imenso, adquirido nas missões e nos trabalhos de investigação que foi realizando em diversos pontos do planeta. Antiga cientista chefe da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) e líder de cerca de 100 expedições aos oceanos, esteve em Portugal para participar na cimeira da National Geographic Society (NGS), organização onde ainda é, apesar da idade, exploradora residente.
Na Pousada de Lisboa, no âmbito da conferência Ocean Talks, organizada pela Galp em parceria com a NGS, destacou a importância dos oceanos para a vida na Terra, o efeito da ação humana na sua deterioração e o que temos de fazer, a nível individual e coletivo, para o nosso planeta ser um lugar melhor no futuro. Uma das coisas que disse, enquanto olhava atentamente a plateia, foi que há muito por descobrir. Como exemplo, salientou que “hoje não se sabe, ao certo, onde fica o ponto mais profundo dos oceanos”, acrescentando que “só conhecemos 10% do seu fundo com a mesma acuidade da superfície da Lua”.
Melhores tecnologias de exploração
A cientista lembrou que os grandes investimentos realizados na exploração do desconhecido foram aplicados, nos anos 60 e 70, sobretudo na descoberta do espaço e que foi devido à necessidade das empresas produtoras de gás e petróleo, de encontrar novas jazidas para manterem a prosperidade dos seus negócios, que foram criadas melhores tecnologias de exploração, para ir mais fundo no oceano. “Todas as pessoas estão a tirar benefícios disso”, defendeu.
Sonhadora, Sylvia Earl explica que há, hoje, mais de 30 tipos de veículos que permitem explorar o fundo do oceano, tirar fotografias, filmar e recolher amostras. “Mas ainda é necessário construir tecnologias que permitam passear, ou seja, veículos submarinos que facilitem ainda mais o acesso ao fundo do mar”, explica. Por isso, criou uma empresa, com a filha e o genro, para construir um transporte com essas capacidades.
Apesar de o fundo do oceano ser ainda relativamente desconhecido, prevê-se que haja, por exemplo, muito minério pronto a ser recolhido. “Mas será que o devemos fazer? Será que vale a pena retirar e desequilibrar ainda mais o ecossistema que sustenta a Terra?”, interrogou Sylvia Earl.
As tecnologias atuais permitem-nos ter acesso mais fácil aos alimentos e outros recursos, e conhecimento para agirmos de forma melhor com o nosso planeta. Apesar de o fundo do oceano ser ainda relativamente desconhecido, prevê-se que haja, por exemplo, muito minério pronto a ser recolhido. “Mas será que o devemos fazer? Será que vale a pena retirar e desequilibrar ainda mais o ecossistema que sustenta a Terra?”, interrogou Sylvia Earl. “Porque é que não localizamos a produção extrativa em lugares limitados, para assegurar que não vai haver mais desequilíbrios?”, defendeu à laia de solução.
Recordando a necessidade de explorar os oceanos com cautela, para preservar os seus ecossistemas e salvaguardar o nosso futuro, Sylvia Earl explicou que 90% da população de grandes animais do oceano, incluindo tubarões, baleias, golfinhos, atuns e jamantas, desapareceu desde 1920.
“Temos escolhas e podemos deixar de fazer o de sempre, ou seja, retirar porque existe”, explicou, acrescentando que foi isso que fizemos em relação às baleias, hoje encaradas, pela maior parte das pessoas, com respeito.
Continuando a defesa da manutenção dos oceanos com as características atuais, a cientistas explicou que é neles que se produz a maior parte do oxigénio que consumimos, graças ao trabalho de microorganismos, algas e plantas, e é capturado a maior parte do dióxido de carbono da atmosfera. “Os seres humanos têm poder para destruir, mudar, mas também para medir as coisas”, disse acrescentando que se sabe, hoje, que o oxigénio do oceano está a decrescer, diminuindo a sua capacidade de oferta à atmosfera.
Partilha de conhecimento
“Para o mantermos para seguro da vida, é melhor resolvermos os nossos problemas”, defende a cientista. E como ninguém sabe tudo e de tudo, o melhor que há a fazer é a partilha do conhecimento nesse sentido.
Temos de preservar as reservas que ainda existem no planeta, porque não sabemos todas as respostas sobre as consequências da extração total das riquezas naturais.
Um dos problemas mais evidentes é a poluição crescente dos oceanos com plásticos de diversas origens, devido ao seu tempo de degradação ser muito longo. Sylvia Earl bem pode dizer que tem vivido bem de perto este problema, pois há fotos que a mostram a mergulhar numa camada de água cheia de detritos plásticos. Leves, moldáveis, práticos, estes materiais têm contribuído muito para a qualidade atual de vida dos seres humanos. Mas é preciso reciclar cada vez mais, como acontece com outros resíduos não tóxicos, para evitar o crescimento da sua deposição em terra e no mar.
“Felizmente há gente inteligente, que desenvolveu números, linguagens, costumes que nos ajudam a ter cada vez mais conhecimento, para encontrar soluções”, continuou Sylvia Earl, acrescentando que as energias alternativas são apenas uma parte da resposta. Mas temos de preservar as reservas que ainda existem no planeta, porque não sabemos todas as respostas sobre as consequências da extração total das riquezas naturais.
A cientista explicou que “há, hoje, novas formas de obter benefícios dos oceanos sem os prejudicar, muitos modelos que nos permitem pesquisar e grandes oportunidades para beneficiar das riquezas do fundo dos oceanos sem as retirar”. Se pensarmos que 64% dos oceanos estão sob jurisdição dos países, que existe o conhecimento e que hoje se consegue comunicar, com facilidade, com todos, há algo que pode ser feito. Sylvia Earl exortou à criação de mais áreas protegidas no mar e à existência de maior controlo sobre a sua exploração, para a preservação de recursos para o futuro. “E nós, como indivíduos, empresas, cidades e países, temos de elevar a nossa voz para influenciar políticas que contribuam para termos um melhor lugar para viver no futuro”, disse ainda, acrescentando que já “há coisas a acontecer nesse sentido nos Estados Unidos, México, Chile e Brasil, onde zonas do país estão a ser oferecidas para recuperação dos seus ecossistemas”.
QUEM É SYLVIA EARL
Sylvia Earl é, aos 83 anos, exploradora residente da National Geographic Society, fundadora da Sylvia Earle Alliance (S.E.A.) / Mission Blue e da Deep Ocean Exploration and Research Inc. (DOER). É presidente do conselho consultivo do Harte Research Institute e ex-cientista chefe da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos.
Autora de mais de 200 publicações e líder de mais de 100 expedições, com mais de 7 mil horas de mergulho, Sylvia Earl tem um mestrado e um doutoramento pela Universidade Estatal da Florida e 27 doutoramentos honoris causa.
O seu trabalho de investigação tem-se debruçado sobretudo sobre a ecologia e conservação dos ecossistemas marinhos e o desenvolvimento de tecnologias de acesso ao fundo dos oceanos.
Esta cientista foi tema de um documentário premiado com um Emmy, Mission Blue, e recebeu mais de 100 prémios e galardões internacionais. Foi considerada, pela revista Time, Heroína do Planeta, uma Lenda Viva pela Livraria do Congresso dos Estados Unidos, Campeã da Terra pela Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente(UNEP), em 2014, e Mulher do Ano pela Glamour Magazine em 2014.
Ganhou os prémios TED em 2009 e o Walter Cronkite em 1996. É membro da ordem holandesa do Arco de Ouro, estabelecida para destacar contributos significativos para a natureza, e recebeu a medalha do Clube de Exploradores da Royal Geographic Society e a Medalha Ubbard da National Geographic Society em 2013.