Sara Rego é administradora da F. Rego – Corretores de Seguros, uma das 10 maiores corretoras de seguros em Portugal, contando com escritórios em Porto, Coimbra e Lisboa e participações em sociedades em Espanha (Madrid e Barcelona) e no Brasil. A empresa foi fundada pelo pai, Fernando Rego, em 1979, e desde o início do século que Sara Rego e o irmão, Pedro Rego, assumiram a sua gestão com a missão de fazer crescer e desenvolver o legado que receberam do pai.
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, na vertente de Tradução, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e com longa experiência no setor segurador, Sara Rego soma várias formações na área da gestão de empresas familiares. Com responsabilidades nas áreas dos Recursos Humanos, Qualidade, Comunicação e Financeira, nesta entrevista fala-nos sobre os desafios que o setor enfrenta.
Como é que sente a responsabilidade de herdar e fazer crescer um negócio de família?
É uma enorme responsabilidade preservar e fazer crescer o legado da família. Se, por um lado, carregamos connosco toda a aprendizagem e tradição do passado, por outro, é um grande desafio dar o salto e preparar este legado para as gerações vindouras. Creio que é na cultura familiar e nos valores com os quais fomos educados e que são, no fundo, a base da nossa forma de estar, quer pessoal quer profissionalmente, que reside o sucesso do negócio da família, sendo a nossa missão desenvolver e fazer crescer o negócio que devemos entregar à próxima geração.
Cerca de duas décadas volvidas desde que a segunda geração da família assumiu a gestão da empresa, é com orgulho que verifico o crescimento e a evolução que desenhámos. Hoje, contamos com cerca de 60 colaboradores, a nível nacional, duplicando o número que registávamos no início deste século. Soubemos dar continuidade e intensificar a aposta em algumas áreas-chave, nomeadamente na internacionalização, com a criação da Iberassekuranz, em Espanha, em 2011, e a entrada na sociedade de corretagem brasileira Sanyuu, em 2016. A especialização é outra marca clara da atual estratégia da organização. A criação da WWI, em 2014, foi fundamental para um bem-sucedido transfer de soluções internacionais para o mercado nacional, nomeadamente no setor agrícola e transportador. Em 2018, reforçamos a nossa aposta numa área capital para a economia nacional, os seguros de créditos e caução, através da autonomização desta área e a constituição da Insur4Credit.
Diria, em suma, que o legado de valores e princípios tem sido respeitado e potenciado, somando-lhe uma ótica de profissionalização e de modernização, que se tem traduzido num contínuo crescimento da carteira de clientes e do volume de faturação.
O setor segurador tem sofrido uma rápida aceleração com a alteração significativa do mercado em operações de concentração, bem como o aparecimento de novos riscos, como o risco pandémico, os riscos decorrentes das alterações climáticas e os riscos cibernéticos.
Como administradora quais as áreas que estão sob a sua responsabilidade?
Tenho sob a minha responsabilidade direta os pelouros de Recursos Humanos, da Qualidade e Financeira, fazendo um acompanhamento muito próximo quer na Responsabilidade Social, quer na área da Comunicação.
Quais as grandes mudanças que têm ocorrido no setor e que implicações tiveram no vosso negócio?
A transformação digital foi, sem dúvida a grande mudança, não só no nosso setor, como em toda a sociedade. O setor segurador, por outro lado, tem sofrido uma rápida aceleração com a alteração significativa do mercado em operações de concentração, bem como o aparecimento de novos riscos, como por exemplo, e no topo das prioridades, o risco pandémico, os riscos decorrentes das alterações climáticas e os riscos cibernéticos. Todas estas transformações implicam um reinventar permanente da nossa atuação, procurando inovar permanentemente e oferecer soluções inovadoras, como é o caso dos seguros de base paramétrica. Estes seguros são um excelente exemplo do papel que a inovação poderá desempenhar no setor segurador, e na resposta deste aos desafios da economia. O seu grau de diferenciação prende-se com a indexação da ativação da indemnização a um parâmetro independente, como a precipitação ou a temperatura, diretamente ligado à atividade e aos riscos da empresa. Além de assegurar uma eficácia e celeridade muito superiores ao processo, esta modalidade garante à empresa segurada um superior grau de previsibilidade e de segurança para os seus investimentos.
Quais os principais desafios que enfrenta atualmente na F. Rego?
Desde logo, o teletrabalho. Apesar de termos aprendido novos métodos de trabalho, a distância pode prejudicar. À medida que o tempo vai passando começa a haver um desgaste na falta de interação entre as pessoas e uma certa saturação e queda nos níveis motivacionais dos nossos colaboradores, sendo certo que sentimos que a entrega é total.
Obviamente, que a pandemia em si também é um desafio, pois vivemos tempos de grande incerteza quanto ao futuro, mas podemos optar por ver este desafio pelo lado positivo, transformando modelos de negócio e formas de trabalho que terão impactos definitivos e permanentes para o futuro do mundo de trabalho.
Acredito que há um conjunto de aprendizagens espoletadas pela pandemia e que devemos saber explorar na gestão pós-covid. A nível interno, destacaria duas: a flexibilidade e a produtividade. Percebemos que a perspetiva dos colaboradores em relação ao teletrabalho não é uniforme, e que há diversos elementos que se identificam com modalidades de trabalhos que lhes permitam gerir de forma mais autónoma e flexível o seu tempo e tarefas. Paralelamente, penso que as limitações impostas pela pandemia vieram demonstrar que muitas das práticas vigentes prejudicavam a produtividade. As reuniões presenciais serão, porventura, um exemplo flagrante. Em adição ao tempo desperdiçado em deslocações, o caráter presencial incentiva a alguma perda de pragmatismo e de eficácia. Hoje, as virtual calls permitem uma agilização mais profícua e eficaz de todos os assuntos.
Tendo na nossa carteira clientes das mais diversas áreas de negócio, conseguimos aperceber-nos muito rapidamente dos setores que começaram a ter mais dificuldades, bem como aqueles que souberam aproveitar esta situação como oportunidade de negócio.
Como é que a pandemia está a impactar o vosso negócio?
No fundo, a atividade seguradora é um barómetro da economia. Tendo na nossa carteira clientes das mais diversas áreas de negócio, conseguimos aperceber-nos muito rapidamente dos setores que começaram a ter mais dificuldades, bem como aqueles que souberam aproveitar esta situação como oportunidade de negócio. Há um conjunto de setores muito relevantes para a economia nacional, e para a nossa atividade, que não são habitualmente colocados entre os mais afetados pela pandemia, mas que sofreram um impacto tremendo. É o caso, por exemplo, da logística e dos transportes: num ano que marcou uma descida abruta do comércio internacional de mercadorias, os operadores logísticos conheceram, evidentemente, uma descida muito significativa na sua atividade. Naturalmente que a área que sofreu o maior impacto, como não poderia deixar de ser, foi o turismo e hospitality.
A F. Rego atua, sobretudo, no mercado corporate, sendo especializada em riscos empresariais, em particular riscos complexos. Orgulhamo-nos da diversidade da nossa carteira de clientes, que inclui diversas áreas de atividade, como o setor automotive, alimentar, financeiro, agrícola e logística e transportes. Em termos de resultados, obviamente que houve um impacto, na medida em que a curva de crescimento foi abrandando, mas, felizmente, temos estado a saber acompanhar bem a situação.
Em que medida a vossa presença em Espanha e no Brasil tem sido importante para o negócio em Portugal?
A nossa presença em Espanha e no Brasil tem sido de particular importância para os nossos clientes que aí têm as suas operações – casos do setor automóvel, têxtil e logístico. Apesar de pertencermos a várias redes internacionais de corretores e de estarmos presentes, através dos nossos parceiros, nos quatro cantos do mundo, acabamos por ter outra autonomia no acompanhamento dos nossos clientes. Simultaneamente, esta experiência internacional permite-nos realizar um transfer de conhecimento e de boas práticas para o mercado nacional, formatando soluções inovadoras para os nossos clientes. A título de exemplo, fomos pioneiros, em Portugal, na criação do primeiro seguro paramétrico para o setor agrícola. Tratou-se de uma solução para uma grande produtora de abacate, no Algarve, e que protege mais de 162 hectares de terreno de uma eventual descida abruta de temperatura.
Mantemos uma política de “Employees First”, que dita que todos os conteúdos que veiculamos externamente são previamente do conhecimento de todas as nossas equipas.
O setor segurador não costuma ser a primeira escolha para jovens licenciados. Como conseguem captar e reter talento na vossa empresa?
Efetivamente, o setor não é, tradicionalmente, dos mais atrativos, mas há certas áreas que movem mais os jovens, como a da Responsabilidade Social, o Marketing e a Comunicação — estar presente ativamente nas redes sociais. Ao demonstrarmos esta dinâmica, conseguimos transmitir uma imagem menos sisuda da atividade, mais moderna e atualizada, permitindo captar novos elementos para a nossa equipa. Quanto à retenção, para além dos temas que atrás referi, nada se consegue sem o envolvimento das pessoas na organização. Se as pessoas sentirem que fazem parte de algo maior, terão muito mais motivação para ficarem.
Em 2019, quando a F. Rego celebrou 40 anos de atividade, assinalámos a data com um completo rebranding da nossa marca. Este investimento estratégico versou não só uma abordagem inovadora perante o mercado, mas também um renovado posicionamento perante potenciais colaboradores, reforçando as nossas ferramentas de atração de talento. Percebemos que a geração que agora ingressa no mercado de trabalho valoriza a imagem externa da organização que integra, a forma como esta se posiciona e é percecionada pelos seus públicos, e a verdade é que não podíamos ter tido um retorno mais positivo do que aquele que sentimos neste último ano.
Ao nível da retenção de talento, destaco a fluidez e impacto da nossa comunicação interna. Em adição à newsletter interna trimestral, onde fazemos uma retrospetiva dos últimos três meses da organização, com um grande foco na transparência ao nível dos resultados, ações e apostas estratégicas, partilhamos, continuamente, todas as informações relevantes acerca da organização. Mantemos uma política de “Employees First”, que dita que todos os conteúdos que veiculamos externamente são previamente do conhecimento de todas as nossas equipas.
Trabalhar com família nem sempre é fácil. Tendo em conta que lidera a empresa com o seu irmão que conselho deixaria a quem tenha de trabalhar em família?
Acima de tudo, o respeito deve imperar. Relembrar os conceitos de partilha, de entreajuda, de união, de parceria que nos foram incutidos ao longo do nosso crescimento como família. Devemos, com humildade, e em conjunto, reconhecer as áreas nas quais somos mais fortes e mais fracos e saber distribuir responsabilidades, e, fundamentalmente, profissionalizando a gestão com a incorporação de elementos externos à família que permitem um desejável equilíbrio. Há mais de duas décadas que encontro este equilíbrio com o meu irmão, que lidera as áreas de gestão do negócio e de redes internacionais, e que nos tem permitido conduzir conjuntamente a empresa no seu processo de crescimento e de evolução contínua.
No fundo, a família deve ser uma marca de estabilidade para toda a organização, com a inegável capacidade de dar uma perspetiva de longo prazo aos projetos. Nesse sentido, será sempre juntos que conseguiremos traçar objetivos, ir mais longe e deixar uma marca para os nossos filhos.