Sandra Madeira: “A tecnologia trouxe uma nova dimensão à função de CFO”

Sandra Madeira, diretora financeira na Gi Group Holding, tem vivido na primeira pessoa a evolução da função de CFO e o impacto que a tecnologia tem tido nesta área. Hoje o CFO deve dominar o negócio, o que implica ter mais capacidade crítica para ser capaz de interagir de forma construtiva com toda a empresa.

Sandra Madeira é diretora financeira da Gi Group Holding.

Sandra Madeira é licenciada em Economia, trabalha há 21 anos na área financeira, e por isso tem vindo a ser impactada pelas inúmeras mudanças nas funções de que trabalha nesta área. Há muito que o departamento financeiro deixou de ser uma área quase estanque na empresa, para se tornar transversal a toda a organização, exigindo aos profissionais um conhecimento cada vez maior do negócio. Mas como diretora financeira há sete anos, o grande desafio de Sandra Madeira na função está a acontecer este ano na sequência da compra da operação europeia da Kelly Services pela Gi Group Holding, uma operação que rondou os 100 milhões de euros e que implica agora “construir uma nova realidade em pouquíssimo tempo, porque os grupos tinham processos diferentes em várias áreas, e está a ser necessário harmonizá-los”.

 

O CFO tem vindo a ganhar poder na organização, estendendo-se a sua influência muito além do seu departamento. O que mudou nas suas funções e qual é hoje o seu papel na organização?

Atualmente, o departamento financeiro é transversal a toda a organização. Passou de tarefas administrativas e de compliance, como a contabilização e o reporte, para uma função de advisering e partnership, onde é vital dominar o negócio e todas as suas variáveis. Ao estar presente em todo o ciclo de negócio, consegue acompanhar e suportar na decisão os vários departamentos, identificar e resolver bottlenecks, trabalhar em sinergia e ajudar na construção de soluções mais eficientes.

O CFO é cada vez mais uma peça-chave nas decisões cruciais das empresas, seja a venda ou reforço de portfólio, a aceleração do processo de digitalização, a expansão para um novo mercado e até mesmo na atração e retenção de talento. Que novas competências lhe são hoje exigidas e como consegue manter-se atualizada?

Para a execução da função é essencial possuir soft e hard skills consolidadas. No que concerne a competências técnicas, é exigido que se tenha uma visão consolidada de toda a área financeira, mas também uma ideia abrangente do que é da responsabilidade das outras áreas da empresa.

Em termos de soft skills, destacaria o pensamento crítico, a responsabilidade, o trabalho em equipa e o sentido ético. No contexto atual, em que tudo acontece muito rápido, é necessário estarmos atentos ao que nos rodeia, saber interpretar as alterações no meio envolvente, ser responsáveis e não nos cingirmos ao que tradicionalmente seria da nossa competência. É um trabalho de equipa – a gestão de equipas e processos é essencial – ninguém será bem-sucedido a solo.

Quanto à minha atualização, completei, em 2016, o MBA, que considero ter sido vital para me dar a visão transversal que mencionámos e dotar-me de soft skills importantes para uma função deste tipo. Adicionalmente, procuro formações que me atualizem e me mantenham a par das tendências. Paralelamente, há também um trabalho de leitura dos media e de reuniões com parceiros, que são igualmente importantes para esse fim.

 

O perfil das equipas que procuramos é hoje diferente, pois os processos já não são repetitivos. Por isso, devem ser pessoas com capacidade crítica, capazes de evoluir e interagir de forma construtiva com toda a empresa.

 

Como é que a digitalização tem impactado a sua função?

A tecnologia traz toda uma nova dimensão à função. As empresas devem ser ágeis e capazes de se adaptar rapidamente a cada ciclo económico, e, para isso, a tecnologia é vital, na medida em que traz eficiência e eficácia aos processos, permitindo às equipas concentrarem-se na análise, em vez de em tarefas repetitivas que não agregam o mesmo valor. Gerar um relatório para analisar performances, cruzando diferentes fontes de dados, ou automatizar um processo é hoje possível em poucos minutos e não exige grandes investimentos, o que possibilita, de facto, suportar todo o processo de decisão de uma outra forma.

Igualmente, o perfil das equipas que procuramos é, obrigatoriamente, diferente, pois, como expliquei, os processos já não são repetitivos. Por isso, devem ser pessoas com capacidade crítica, capazes de evoluir e interagir de forma construtiva com toda a empresa.

Que tendências vão impactar a sua função no futuro próximo? 

A automação robótica de processos irá marcar as funções financeiras num futuro próximo. Esse processo já é uma realidade em grandes empresas, mas a tendência é que essa tecnologia se torne cada vez mais acessível, possibilitando a sua adoção por um maior número de empresas e permitindo que as equipas se concentrem em atividades de valor acrescentado.

Igualmente, a evolução ocorre hoje a uma velocidade nunca antes vista, o que traz consequências na forma como vivemos, nos bens e serviços que consumimos e nas escolhas que fazemos em geral.

Tudo isso faz com que o CFO tenha, efetivamente, uma influência além do seu departamento, porque, na realidade, o conceito de departamento fechado, como estudávamos na universidade, está, na minha opinião, cada vez mais em desuso. Hoje, falamos, sim, de uma equipa de gestão multidisciplinar que trabalha em conjunto e se complementa, impulsionando o ecossistema que é a empresa.

 

Uma equipa grande traz desafios acrescidos, e uma das principais preocupações é garantir o alinhamento de todos. Preocupa-me também que todas as pessoas se sintam motivadas e reconhecidas pelo que fazem, independentemente da função.

 

A Gi Group Holding comprou recentemente a operação europeia da Kelly por 100 milhões de euros. Quais os maiores desafios que um CFO enfrenta numa operação desta dimensão? Como foram vividos os dias em que esta operação foi negociada e concluída?

A aquisição foi efetuada pela holding a nível europeu, portanto, a negociação não envolveu as equipas locais. O pós-aquisição tem sido uma experiência avassaladora. Por um lado, é uma experiência que nos enriquece muitíssimo do ponto de vista profissional, por outro, tem sido muito exigente em termos de trabalho, pois trata-se de construir uma nova realidade em pouquíssimo tempo.

Os grupos tinham processos diferentes em várias áreas, e está a ser necessário harmonizá-los.

O que significa para si ter recebido a distinção de Best CFO 2023 para Portugal, por parte da Equipa Global da Gi Group Holding? Que critérios presidem a esta escolha?

O prémio representa o reconhecimento do trabalho de uma equipa. Sem uma equipa performante, não conseguimos alcançar estes resultados.

A escolha do vencedor é feita pela equipa financeira central, com base no trabalho desenvolvido por cada país ao longo do ano. Trata-se, portanto, de uma votação realizada pelos vários diretores que reportam ao Global CFO.

Quantas pessoas tem sob a sua responsabilidade direta e quais as suas preocupações como líder

O número de pessoas na equipa ronda as 36. Uma equipa grande traz desafios acrescidos, e uma das principais preocupações é garantir o alinhamento de todos. Reuniões de trabalho recorrentes com os managers e team leaders são essenciais para esse objetivo.

Preocupa-me também que todas as pessoas se sintam motivadas e reconhecidas pelo que fazem, independentemente da função. Saber que estamos a ir ao encontro das pretensões profissionais de cada pessoa, que estamos a permitir o seu desenvolvimento e a proporcionar condições para que se sintam bem na empresa, é uma preocupação constante para mim.

 

Hoje, a principal equipa de sucesso é o casal e a forma como se organiza em casa. Já não é só a mulher a responsável pelas tarefas domésticas ou pela rotina dos filhos – é um trabalho de equipa.

 

O que mais gosta naquilo que faz?

É difícil identificar. Gosto muito de gerir equipas e processos. Também aprecio desafios e a possibilidade de olhar para trás e poder dizer que os resultados alcançados são fruto do trabalho da equipa.

Indique-nos uma parte da sua função que as pessoas não imaginam que também requer a sua atenção?

Bem, todos os processos financeiros e administrativos passam por mim. Num dia, fechamos o forecast e negociamos linhas de crédito; noutro, temos de tomar decisões sobre questões simples, como o redirecionamento de correio entre instalações ou a alocação de viaturas.

A área financeira era tradicionalmente mais masculina. O que manteve as mulheres afastadas desta área durante tanto tempo e o que está a mudar para que vejamos agora cada vez mais mulheres como CFO?

Julgo que, como em outras funções, a evolução da sociedade permite que as mulheres tenham uma atividade profissional mais ativa. Hoje, a principal equipa de sucesso é o casal e a forma como se organiza em casa. Já não é só a mulher a responsável pelas tarefas domésticas ou pela rotina dos filhos – é um trabalho de equipa.

Essa mudança faz com que a mulher consiga assumir outras responsabilidades, pois esta função não é sempre um emprego das 9h às 18h. Trabalha-se para alcançar um equilíbrio, e o regime híbrido de trabalho ajuda, mas há responsabilidades que têm de ser garantidas.

Que conselho deixaria a uma jovem executiva que deseje abraçar a sua função?

Primeiramente, faça uma autoavaliação para perceber se há competências nas quais precisa de trabalhar e, posteriormente, invista em formação para desenvolver essas mesmas competências. O espírito crítico e a responsabilidade também são muito importantes e devem estar sempre presentes no desempenho da função.

 

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