Cláudia Portugal: “Um vinho é melhor com uma boa história”

Percebeu cedo que a sua área não seria a financeira, mas sim o marketing e as vendas. Trabalhou na Fima Lever e na Bel, antes de chegar à Prime Drinks, um dos maiores distribuidores nacionais de vinhos e bebidas espirituosas, que Cláudia Portugal tem ajudado a crescer.

Cláudia Portugal acredita que tem estado no sítio certo, no momento certo.

Cláudia Portugal, 47 anos, directora-geral da Prime Drinks, considera-se uma gestora transformacional. Gosta do desafio de começar do zero cada vez que chega a uma nova empresa. Mas não foi isso que a levou a mudar de lugar até agora, pois apenas geriu racionalmente a sua carreira quando decidiu que não seguiria a área financeira. Diz que teve apenas sorte, pois as coisas foram-lhe acontecendo na melhor altura. “Há muitas pessoas com qualidade que, infelizmente, não conseguem estar no sítio certo no momento certo, que é o que tem acontecido comigo”, salienta.

A empresa familiar que dirige, a Prime Drinks, é uma das maiores distribuidoras nacionais de vinhos e bebidas espirituosas, tendo vendido, no ano passado, quase dois milhões de caixas de 12 garrafas no nosso país, o seu mercado.

“Os clientes não querem ter muitos fornecedores. Gostam de se concentrar nos que lhes resolvem os problemas e trazem valor acrescentado.”

A Prime Drinks tem três acionistas, o Esporão, com 50% do capital, a William Grant & Sons, com 35% e a Aveleda, com 15%. Mas não são as proporções de capital que ditam as decisões. Estas resultam de um trabalho coletivo e são tomadas em concílio, algo pouco vulgar que a gestora considera muito positivo.

A companhia representa total ou parcialmente 15 empresas. Para além dos acionistas, o Edrington Group, Rémy Cointreau, Stoli Group, Gruppo Campari, Epi e Bols, em termos internacionais, e os produtores portugueses Casa Ermelinda Freitas, Herdade dos Grous, Fiuza, João Nicolau de Almeida & Filhos, Carm, Luis Pato.

O portefólio foi sendo alargado, depois da entrada de Cláudia Portugal na empresa, com a perspetiva de acrescentar origens na sua oferta vínica e de espirituosos. Mas também com um fito cultural, pois um vinho é sempre “melhor” quando tem uma boa história por detrás. Para além disso, “lógicas de tesouraria de curto prazo não se coadunam com a construção de marca no on trade”.

Portefólio abrangente

Foi, assim, com uma perspetiva de médio prazo, que entraram a Casa Ermelinda Freitas, a Herdade dos Grous e o Grupo Campari, esta uma empresa internacional. Era sobretudo necessário alargar o portefólio de marcas, para se tornar mais abrangente, e diversificar a oferta da Prime Drinks para restaurantes, discotecas ou bares. “Os clientes, sobretudo os primeiros, não querem ter muitos fornecedores. Gostam de se concentrar em apenas um ou dois, os que lhes resolvem os problemas e trazem valor acrescentado”, defende Cláudia Portugal.

“Temos de trabalhar com os restaurantes, cafés, hotéis e bares, pois não só ativam, como dinamizam as marcas.”

As marcas foram entrando a um ritmo que permitisse à empresa prestar-lhes um bom serviço. As suas propostas de valor são fundamentais neste negócio, onde se tem de conciliar estratégias, programas e tipos de ativação diversos, tanto para pequenas, como para grandes referências internacionais, como os whiskies Famous Grouse ou Grant´s para prestar, a cada uma, um bom serviço. Esta variedade mostra que, “para além das grandes marcas, há outras com grande potencial, mesmo quando são de pequena dimensão”, diz Cláudia Portugal, acrescentando que se encaixam “muito bem no portefólio premium da empresa e desempenham, nela, um papel de prestígio”. Uma parte delas são a “cara” de enólogos reconhecidos, como João Nicolau de Almeida, Luis Pato, Jaime Quendera, David Baverstock ou Luis Duarte. Para a distribuidora, é importante ter vinhos de nomes reconhecidos em Portugal no campo da enologia, dado o relevo que estes têm junto do target da restauração. “Tanto os nossos clientes como os consumidores adoram os enólogos”, explica Cláudia Portugal. Acrescenta que estes profissionais “trazem muito valor ao mundo do vinho”.

A empresa que gere dá prioridade ao canal on trade, que engloba os estabelecimentos onde as vendas são feitas para consumo no local, como restaurantes, cafés, snacks, tradicionais, hotéis e bares, sem negligenciar a grande distribuição. “Temos de trabalhar com eles, pois não só ativam, como dinamizam as marcas”, defende, acrescentando que a Prime Drinks procura agir sempre de forma inovadora na activação das referências, com menos ações, de escala maior, para surpreender positivamente o consumidor.

Rigor ajuda a superar a crise

Os anos mais recentes, de crise em Portugal, foram difíceis. Para superar os problemas, a empresa teve de tornar-se muito rigorosa ao nível da tesouraria e dos recebimentos. O processo foi iniciado atempadamente, em 2008/2009, e trouxe frutos no auge da crise. Implicou, não só muita disciplina por parte da empresa, como também por parte dos clientes.

 “A crise originou uma seleção natural, com muitos estabelecimentos a fecharem devido à retração do mercado.”

Tal como outras, esta crise originou uma seleção natural, com muitos estabelecimentos a fecharem devido à retração do mercado, mas também por causa do aumento do IVA, dos impostos sobre o álcool e do preço da eletricidade, que teve grande impacto e “foi particularmente brutal para o mercado da noite”, revela Cláudia Portugal. O rigor e a disciplina ao nível da tesouraria ajudou muitos estabelecimentos da restauração, bares e discotecas a sobreviverem à crise.

No ano passado as vendas no on trade não decresceram, e há perspetivas de melhoria para este ano, principalmente devido ao crescimento do turismo em Portugal. A gestora da Prime Drinks pensa que a prevista baixa do IVA na restauração não se irá refletir num decréscimo de preços ao consumidor final. O único impacto real deverá ser no aumento do emprego, já que os empresários do setor precisam de investir nos seus negócios, principalmente na melhoria dos níveis de serviço.

A atração pelo mercado

A gestora considera que a formação na Universidade Católica foi importante para a sua atividade. “Fundamentalmente porque me ensinou a raciocinar”, explica. Mas também foi essencial ter trabalhado enquanto estudou, pois isso ajudou-a a decidir que não queria seguir a área de finanças, a preferida dos colegas. “Sentia mais o apelo do grande consumo, do marketing, das vendas, etc.”, refere.

“Um gestor de produto, tal como eu o vejo e fui, é na prática um mini diretor-geral.”

Começou a carreira profissional na Fima Lever, onde foi gestora de produto do azeite Gallo durante cinco anos. Foi “a experiência mais importante que tive em termos de aprendizagem, porque o gestor de produto, tal como eu o vejo e fui, é, na prática, um mini diretor-geral”, explica Cláudia Portugal.

Na Lever supervisionou uma equipa de 80 homens, muitos deles com idade para serem seus pais.

Há muito que Cláudia percebeu que vender é muito mais do que andar na rua e ‘fazer umas almoçaradas’.

Depois dirigiu o canal grossista da Lever, supervisionando uma equipa de 80 homens, muitos deles com vícios de trabalho e idade para serem seus pais. Começou com 27 anos, num papel que considera o seu desafio mais marcante, até porque o sector valia 60% do negócio da empresa na altura. Após cinco anos ligada ao marketing, a mudança contribuiu para estar mais próxima e conhecer melhor os clientes, a dinâmica do mercado. Isso fê-la perceber que vender é muito mais do que andar na rua e ‘fazer umas almoçaradas’, pois é um trabalho que exige sacrifício pessoal, disciplina, até porque estamos sempre a ser interrompidos por clientes exigentes, que querem tudo para ontem, como é natural”, explica.

Nessa altura já tinha percebido que é essencial aprender com os mais velhos e foi isso que fez. A forma como se foi ligando aos seus colaboradores ajudou-a a aprender a criar laços multidisciplinares, num processo muito desafiante para uma pessoa nova, que está a instruir-se. “Mas é das melhores coisas que podemos fazer”, diz Cláudia Portugal, pois é assim que se vai crescendo e construindo o respeito dos outros dentro das organizações, independentemente do seu nível hierárquico.

“Acredito que as pessoas me respeitam, mesmo as que tiveram percursos difíceis comigo.”

Com isso solidificou o seu conhecimento sobre liderança e reforçou a sua capacidade de trabalhar com diferentes pessoas. “Conseguir, nessa diversidade, atingir os objectivos e superá-los mostra que somos realmente capazes de liderar equipas”, defende, salientando que um dos maiores desafios nas empresas é colocar todos a remar para o mesmo lado. Foi esse o repto que teve depois na Bel Portugal, a maior empresa de queijo flamengo, detentora, entre outras, das marcas Limiano e Terra Nostra e Vaca que Ri, onde foi diretora-geral durante seis anos, ou que tem hoje na Prime Drinks.

O seu modelo de gestão tem funcionado. E uma das principais satisfações que tem tido tem sido a forma positiva como as pessoas se despedem dela quando sai das empresas, tal como aconteceu na Fima Lever e na Bel. Isso dá-lhe a convicção que deixa trabalho feito, e que “as pessoas me respeitam, mesmo as que tiveram percursos difíceis comigo”, refere.

PRINCÍPIOS DE GESTÃO DE CLÁUDIA

  1. O todo é mais importante que as partes – “Há decisões difíceis que podem afectar targets individuais, mas todos têm de perceber que o todo se sobrepõe às partes.”
  2. Futuro ou presente – “Certas empresas têm uma lógica de números apontada para o presente. Eu não sou nada assim. Para mim o que é importante é a performance continuada e a preparação do futuro.”
  3. Autonomia das pessoas – “Acredito que as pessoas têm de ter autonomia. É preciso dar-lhes responsabilidades, mas também capacidade de decisão e instrumentos para o fazerem, principalmente neste tipo de negócio, onde estão sistematicamente a ser assediadas e a ter de decidir rapidamente.”
  4. Fazer mais com menos – “Este desafio também significa fazer mais com menos tempo, ou fazer ações optimizadas gastando menos dinheiro. É algo que me enche de satisfação.”
Parceiros Premium
Parceiros