Paula Rios: Os milagres acontecem

Paula Rios deixa uma mensagem de esperança com duas histórias felizes vividas em plena pandemia

Paula Rios é jurista e profissional de seguros.

Texto de Paula Rios, jurista e profissional de seguros

 

Afonso olhava pela janela, numa das primeiras noites do ano. 2020 começava mal, pensou, ao ver a escuridão lá fora, escuridão que o invadia, gelando-o, ao pensar na operação à perna que ia fazer no dia seguinte, na longa imobilização, na recuperação complicada… distraídamente olhou para o computador e viu que tinha entrado um mail. Olhou melhor, abriu – nem queria acreditar: tinha ganho a concessão do terreno, o concurso da Câmara para jovens agricultores! Logo hoje, que estava tão desanimado… um verdadeiro milagre de Ano Novo!

Afonso nem sonhava o que esse ano lhe iria trazer, a ele e ao mundo, mas ainda bem. Li algures que a maior maldição que poderia recair sobre o ser humano seria poder prever o futuro, e é bem verdade. Viveu momentos duros, duríssimos, após a operação, com uma recuperação complicada que o obrigou a ser operado uma segunda vez, mas a força que o impelia para a realização do seu sonho não o deixava esmorecer, e tudo venceu. Em julho, completamente recuperado, lançou-se, praticamente sozinho, na exploração do “seu” terreno, sim, seu por sete anos, uma vida, um tempo para lançar o projeto e fazer dele uma carreira, ou parte dela. E assim foi: investiu as suas economias, acreditou no seu sonho, arregaçou as mangas: “Já não sou engenheiro agrónomo, sou agricultor!” dizia, rindo, a cara tisnada pelo sol, o suor a cair-lhe pelo rosto, as mãos negras de terra, e um brilho feliz no olhar. Escavou, arou, plantou, colheu… fizesse sol ou chuva, quase de madrugada lá ia ele para o terreno, quantas vezes carregado com as máquinas porque ainda não tinha onde as guardar; e vieram as primeiras chuvas, e de repente as alfaces e as couves cresceram, e os nabos e as beterrabas também, e Afonso já estava a contactar o seu network e o da família e amigos e a vender os seus produtos de agricultura biológica. A pandemia trouxe coisas terríveis, é certo, mas também uma maior aproximação ao que é natural, local, saudável. As suas alfaces ficaram famosas pela diferença de frescura e de sabor, trocavam-se receitas com as suas cenouras baby e o seu mix de legumes ficou falado de tão original. No Natal foi a loucura das couves portuguesas e, no fim do ano, quando todos queriam apagar 2020, Afonso disse não, que não apagava, porque em 2020 tinha iniciado o seu empreendimento, com grande sucesso. Afinal, pensou, em 2020 comecei a realizar o meu sonho.

Afonso é um empreendedor, e teve a coragem – e a oportunidade – de realizar o seu sonho num ano em que tantos outros se desmoronaram.

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No último ano de Gestão Hoteleira, Pedro contava já os meses que lhe faltavam para iniciar um estágio num hotel de prestígio junto à praia, para depois seguir para um trabalho num fantástico hotel de cinco estrelas duma famosa estância turística no Mediterrâneo. Finalista dum curso com total empregabilidade, aos 21 anos sonhava com uma carreira de êxito a fazer o que mais gostava: trabalhar em hotéis. Tinha planeado passar seis meses no estrangeiro, e depois logo avaliaria as oportunidades, que certamente seriam muitas e interessantes. Quando surgiu a pandemia, de início, como todos, achava que ia ser algo rápido (também no início da primeira Grande Guerra se pensava que estaria acabada pelo Natal!) e que em setembro o seu estágio iria ser possível, mas rapidamente se deu conta de que tal não passava duma quimera.  Ao longo do verão foi-se apercebendo das dificuldades do sector hoteleiro, para depois, aquando da segunda vaga no outono, os seus sonhos se desmoronarem totalmente, tendo  percebido que tão cedo não iria concretizá-los.

Felizmente, Pedro não é de desistir, e lançou mão daquilo que aparecia. Através de amigos, conseguiu trabalhos ocasionais, na sua maior parte de entregas, mas ainda assim, entre esses trabalhos e o incessante envio de currículos para todo o tipo de empresas – porque já tinha tido de admitir que no seu sector não havia hipótese, pelo menos tão cedo – muito tempo sobrava, e poucas respostas tinha. Num ou dois casos, amigos arranjaram-lhe entrevistas em empresas do setor hoteleiro, que até corriam bem, apenas para o deixarem numa expectativa envolta em silêncio, sem esperança de resposta. E Pedro, um jovem bem disposto e otimista, por vezes deixava-se abater quando, sentado no sofá, sem saber para onde mais mandar o seu currículo ou com quem mais falar para ver se sabiam de algum trabalho, via as horas passar sem rumo, vazias e desinteressantes. Lá fora, a pandemia em grande força, essa pandemia que tinha destruído os seus sonhos, e a vida de tanta gente.

Mas os milagres acontecem, e as boas impressões permanecem. Nos primeiros dias de 2021, esse ano em que todos têm tanta esperança, mas que para já permanece escuro e perigoso, Pedro recebeu uma mensagem, de uma das poucas empresas do setor hoteleiro em que tinha feito entrevistas. Recordava-se desta, tinha sido particularmente exigente e ele até achava que tinha corrido bem, mas, depois, nada. Afinal, não era bem assim. Meses depois, lembravam-se dele, e perguntavam se ainda estaria interessado em ir trabalhar para lá. Se estava interessado? Pedro pulou do sofá e disse que sim, que estava. A resposta não podia ser melhor: podes começar esta semana?

Pedro saiu, para o seu primeiro dia no primeiro emprego “a sério” da sua vida, porque já tinha feito vários trabalhos, claro, ainda na faculdade. No fim desse dia, chegou a casa feliz. Primeiro, porque se tratava de um aparthotel, com bastantes residentes de longa duração, o que implicava manter um certo fluxo de hóspedes mesmo em tempo de pandemia; depois, porque, como dizia “estou a fazer exatamente aquilo que aprendi, aquilo de que gosto!”. Pedro nem podia acreditar na sua sorte.

Estrelinha da sorte, milagre, perseverança, empreendedorismo, não desistir, acreditar, sempre – chamemos-lhe o que quisermos. Afonso e Pedro são dois jovens como tantos outros, que só querem ter uma oportunidade para começar a sua carreira, para se tornarem úteis e ocuparem o seu lugar na sociedade. Mas os tempos são duros, e muitos outros jovens haverá que ainda estão à espera duma oportunidade. Quis partilhar estas histórias porque também estes dois rapazes passaram momentos duros, mas conseguiram ultrapassá-los. Acreditaram no seu sonho e foram atrás dele. Em 2020, afinal, ainda podemos encontrar histórias felizes. Porque, e nunca vou deixar de acreditar nisso, os milagres acontecem.

 

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