A mulher como profissional híbrido

Patrícia de Jesus Monteiro, advogada e fundadora da PJM, defende que a mulher se insere no conceito de "Profissional Híbrido", profissional multitarefas ou multi-potencial, pois é aquele que exerce mais de uma função, para se adaptar a vários contextos, tentando conciliá-los, quer sejam familiares ou profissionais.

Patrícia de Jesus Monteiro é advogada e fundadora da PJM.

Patrícia de Jesus Monteiro é advogada e fundadora da PJM Advogados

 

Interessa apurar qual o “modus operandi “ de revelação do Direito, nomeadamente, as normas de Direito de Trabalho. A nossa Constituição também aqui assume um papel preponderante mencionando os direitos fundamentais dos trabalhadores, protegendo as condições de trabalho.

Recuando no tempo, constatamos que o papel da mulher na sociedade era o de cuidadora da habitação e das famílias, ou seja, não exercia nenhuma actividade profissional e não recebia nenhuma remuneração. A mulher era totalmente dependente do homem quer a nível emocional, quer a nível económico (era ele que trabalhava e que trazia o “dinheiro para casa”) quer a nível social. Ao longo dos anos as mulheres começaram a trabalhar fora de casa, por exemplo, em fábricas a realizar tarefas rotineiras, de menor valor intelectual e com remunerações consideravelmente inferiores. A sua situação no mercado de trabalho foi crescendo e alargando-se a todos os sectores de actividade e, em pleno século XXI, assiste-se à crescente posição das mulheres em cargos de chefia e de topo. No entanto, comparativamente com a posição dos homens no mercado de trabalho, as mulheres continuam a ser em menor número revelando, assim, a ainda existente desigualdade de género.

Importa reter que, na realidade, o princípio genérico da Igualdade ínsito na nossa Constituição, deve estar subjacente nas nossas vidas.

Ao nível do Direito do Trabalho é proibida qualquer discriminação, directa ou indirecta, conforme a disposição legal seguinte: “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.” E de acordo com o mesmo preceito a prática da discriminação constitui uma contra-ordenação.

A desigualdade entre homens e mulheres persiste nos mercados de trabalho globais, em relação às oportunidades, ao tratamento e aos resultados. Nas últimas duas décadas, os significativos progressos alcançados pelas mulheres na educação não se traduziram numa melhoria comparativa a nível laboral.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao longo da sua vida profissional, as mulheres continuam a enfrentar obstáculos significativos no acesso a empregos dignos. Desde a Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, em Pequim, em 1995, os progressos alcançados foram apenas marginais, deixando grandes disparidades por resolver durante a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada pelas Nações Unidas, em 2015. A desigualdade entre homens e mulheres persiste nos mercados de trabalho globais, em relação às oportunidades, ao tratamento e aos resultados. Nas últimas duas décadas, os significativos progressos alcançados pelas mulheres na educação não se traduziram numa melhoria comparativa a nível laboral.

Em muitas regiões do mundo, as mulheres, comparativamente aos homens, têm mais probabilidades de permanecerem ou virem a ficar desempregadas, têm menos oportunidades de participar no mercado de trabalho e, quando o conseguem, muitas vezes têm de aceitar empregos de qualidade inferior. Os progressos para ultrapassar estes obstáculos têm sido lentos e limitados em algumas regiões do mundo. Ainda que, em muitos dos países as disparidades na participação na população ativa e no emprego se tenham reduzido e mesmo quando as mulheres passam do trabalho familiar não remunerado para o sector dos serviços, a oferta laboral proporcionada às mulheres continua a ser motivo de grande preocupação. A desigual distribuição de cuidados não remunerados e das tarefas domésticas entre homens e mulheres e entre as famílias e a sociedade é um factor determinante das desigualdades entre homens e mulheres no trabalho.

O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) “O emprego no mundo e perspectivas sociais – 2020” revela que os diversos mercados de trabalho contemporâneos continuam a ser caracterizados por desigualdades de género. Em 2019, a taxa de participação feminina na força de trabalho é de 47 por cento, 27 por cento menos que a masculina (74 por cento). Também aponta disparidades regionais no que concerne ao acesso ao emprego das mulheres. Continuam a existir estereótipos de género profundamente enraizados que destacam o papel da mulher como as principais cuidadoras sendo os homens os que sustentam as famílias. Em paralelo, no acesso ao emprego ainda persistem disparidades em relação ao trabalho digno, mesmo em regiões em que as mulheres têm níveis de qualificação média superior aos homens.

O surto pandémico provocado pelo Covid-19 veio acentuar o “fosso” entre homens e mulheres. A mulher encontra-se numa posição de sobrecarga de tarefas e, a nível profissional, constata-se que é a mais prejudicada.

A título de exemplo gostaria de dar a conhecer um inquérito realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em Maio de 2018, através da Internet, a 2428 mulheres portuguesas entre os 18 e os 64 anos, no qual se apurou que elas estão exaustas, têm salários baixos, ganham menos do que os homens e, que se o ritmo se mantiver, independentemente de com quanto contribuem para o orçamento familiar, esperarão cinco gerações para partilharem 50/50 com os homens o trabalho não pago que inclui as tarefas domésticas, cuidar dos filhos e dependentes; só metade se sente feliz e a maternidade também não é automaticamente sinónimo de realização pessoal. Concluiu-se, por isso, que a situação das mulheres é actualmente insustentável e pode ter consequências desde a natalidade ao absentismo laboral, aos sistemas de protecção social, à educação dos filhos, aos índices de divórcio e à qualidade de vida.

O surto pandémico provocado pelo Covid-19 veio acentuar o “fosso” entre homens e mulheres. A mulher, no seu papel de fragilidade e desigualdade, no contexto actual de crise, desde meados de Março de 2020, que foi confrontada com várias situações novas e teve de se adaptar para dar resposta às mesmas: filhos a estudar em casa, desemprego / teletrabalho / lay-off, tarefas domésticas e/ou cônjuge em desemprego / teletrabalho / lay-off. A mulher encontra-se numa posição de sobrecarga de tarefas e, a nível profissional, constata-se que é a mais prejudicada. Considera-se, portanto, que a mulher se insere no verdadeiro conceito de Profissional Híbrido, profissional multitarefas ou multi-potencial, pois é aquele que exerce mais de uma função, para se adaptar a vários contextos, tentando conciliá-los, quer sejam familiares ou profissionais.

De acordo com a União dos Sindicatos de Lisboa, a 25 de Novembro de 2020, foi denunciado que as mulheres constituem a maioria dos desempregados no distrito de Lisboa e que, a nível nacional, constituem a maioria dos trabalhadores em situação de lay-off, nos sectores de limpeza, saúde e comércio. Assim, importa realçar os seguintes números:

– Cerca de meio milhar de mulheres foram despedidas, em processos de despedimentos colectivos na Região de Lisboa e Vale do Tejo;

– Em termos de despedimento colectivo, dos 1048 despedimentos na Região de Lisboa e Vale do Tejo, 478 são mulheres (fonte: DGERT);

– Em Setembro de 2020 estavam inscritas nos Centros de Emprego do IEFP do Distrito de Lisboa 47.704 mulheres, mais 9.005 que o número de homens desempregados;

– As mulheres constituem 51,5% dos trabalhadores em situação de Lay-off (fonte: GEP/ MTSSS).

Ora, em tempos de pandemia em que é preciso continuar a salvar vidas, mas também a defender o emprego, as mulheres trabalhadoras continuam a resistir e a lutar pelo emprego, pelos direitos, liberdades e garantias ameaçadas. Organizações como a Comissão Distrital para a Igualdade entre Mulheres e Homens da União dos Sindicatos de Lisboa – CDIMH/USL, assumem o seu compromisso permanente na luta pela eliminação da violência contra as mulheres e do assédio sexual na vida profissional, defendendo e promovendo o emprego com direitos, contra o desemprego, o assédio e a precariedade laboral, sendo agora ainda mais importante o seu papel.

Porém, em resultado da crise económica global e dos consequentes cortes na despesa pública, a capacidade das instituições/ organizações para prevenir e lidar com as queixas de discriminação tem sido insuficiente. Níveis elevados de desemprego e de subemprego mundiais têm tido um impacto visível no aumento da discriminação no acesso ao emprego, em particular por parte de grupos vulneráveis. Embora estudos e investigações ainda estejam a decorrer, algumas provas empíricas e a experiência de crises anteriores sugerem que as atuais desigualdades estruturais afectam desproporcionalmente as mulheres e, em particular, as mulheres migrantes e as que vivem na pobreza. Por exemplo, a reduzida procura de artigos de exportação tem levado a uma diminuição na produção têxtil, uma indústria que tradicionalmente emprega um grande número de mulheres.

O direito ao trabalho é fundamental para a vida de qualquer ser humano, mas quando este elementar direito é vedado, outras dimensões da violência se agigantam, incluindo a pobreza e a exclusão social. Parece-me que, nos dias de hoje, a par de todo o desenvolvimento económico e social, é de lamentar que se continue a assistir à discriminação da mulher face ao homem.

Os grandes movimentos sociais e legais que, gradualmente, foram reconhecendo um estatuto mais igualitário do papel da mulher na sociedade portuguesa têm cerca de 100 anos. Foi há cerca de 111 anos que, legalmente, as mulheres deixaram de dever obediência ao seu marido; há 90 anos que foi concedido o direito de voto às mulheres que tivessem um curso secundário ou superior; há 53 anos que as mulheres obtiveram os mesmos direitos políticos que os homens e apenas há 31 anos que passou a ser proibida a discriminação sexual em actividades publicitárias. O Dia Internacional da Mulher, instituído em 1975, é comemorado em mais de 100 países, como um dia que celebra o papel e contributo da mulher na sociedade, as suas conquistas e ainda a necessária luta pelos seus direitos, onde continuam a ser discutidos temas como a igualdade de tratamento entre mulheres e homens, e a igualdade de oportunidades e de condições perante o trabalho.

Acredito que o perfil e a inteligência emocional, polivalente e multitarefa característico da mulher se enquadre perfeitamente no profissional híbrido da nova economia, mas que também por outro lado a prejudique, principalmente, em cargos de topo pois concorre com características relevantes do homem como sejam o foco, a concentração e o conhecimento específico.

Há ainda um longo caminho a percorrer, mas as atitudes parecem estar a mudar, tal como demonstra o estudo efetuado pela Ipsos APEME, baseado num inquérito on-line, entre 26 de Fevereiro e 8 de Março de 2021, a uma amostra nacional de 540 indivíduos.

  1. Mais de 9 em cada 10 inquiridos afirmam não se sentir desconfortáveis se o diretor da empresa onde trabalham for uma mulher. Ainda assim, a falta de mulheres em funções de liderança é apontada como o 5º problema mais importante que as mulheres jovens e adultas enfrentam em Portugal.
  2. 80% afirmam estar a par das disparidades salariais entre sexos em Portugal.
  3. O cuidar dos filhos já não é visto como um papel apenas destinado à mulher, como acontecia há alguns anos. Ainda assim, são 2 em cada 10 os que afirmam concordar que “Faz mais sentido ser a mulher a ficar em casa para cuidar dos seus filhos do que o homem”.
  4. A maioria dos portugueses inquiridos reconhecem que ainda não existe igualdade entre sexos: 55% afirmam que, na sociedade atual, existem mais vantagens em ser homemdo que em ser mulher. E não é apenas o sexo feminino quem reconhece existirem desigualdades – uma percentagem bastante significativa dos homens (47%) admite o facto de os homens terem mais vantagens.
  5. 8 em cada 10 admitem que em Portugal ainda não se alcançou o suficiente em termos de igualdade de direitos entre mulheres e homens. Contudo, 94% afirmam que alcançar a igualdade entre homens e mulheres é um tema importante para si.

 

No último ano, a mulher tem assumido um papel híbrido na sociedade caracterizado pelo facto dos empregadores proporcionarem mais autonomia aos seus profissionais conjugando a vida familiar com a profissional optando por onde / quando/como realizar as suas tarefas. Através deste novo modelo de trabalho, as mulheres passam a optar por realizar as suas atividades profissionais em casa ou na empresa ou em coworking. Permite-lhes mais autonomia para gerir o seu tempo, conciliando os seus afazeres pessoais e familiares com os profissionais. Este novo conceito de profissional híbrido está a crescer a partir de um novo fenómeno cultural, o “Anywhere Office“, que se está reflectir a nível global, o qual é contraditório com a posição mitigada que neste século a mulher ainda apresenta junto de diversas entidades.

No preceito em causa e para que se actualize o papel da mulher na sociedade, exige-se uma maior preocupação com a identidade da mulher ao nível económico e social admitindo-se que pode o Governo através de legislação própria criar um conjunto de normas para regular situações mais concretas protegendo assim todas as mulheres que continuam a sofrer com a desigualdade a nível laboral.

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