Maria Ramires desempenha funções de gestora de Eventos Digitais no Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo sido responsável pela área de videoconferências da Presidência Portuguesa da Conselho da União Europeia. Nos tempos livres, encontramo-la com frequência no mar. Mestre em Ecologia e Gestão Ambiental, tem uma uma vasta experiência como treinadora de vela, desporto pelo qual se apaixonou aos 11 anos, por influência da mãe. É Oficial de Regata, Juíza e Árbitro de Match Racing, certificada pela Federação Portuguesa de Vela, e pretende candidatar-se a Juiz Internacional nos próximos 6 meses.
Em 2002, integrou o grupo que fundou o Seawoman, projeto internacional de apoio à formação e desenvolvimento de equipas femininas de vela, que se tornou uma associação sem fins lucrativos em 2014, tendo em 2019 assumido a sua presidência. E em 2015, a Seawoman criou o Vela +, projeto Desporto para Todos que promove a atividade física e uma vida saudável para os idosos. Desde 2002, tem navegado em vários países com velejadoras locais, com o objetivo de partilhar a sua experiência e incentivar a criação de equipes femininas de match racing.
Antes de ingressar no Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 2008 a 2018, Maria Ramires trabalhou na área de tecnologia do desporto, na SportTools – Tecnologia para o Desporto, como diretora financeira, de onde transitou para a startup de engenharia Meditor DAS, onde geriu o projeto de internacionalização da empresa.
Quando começou a fazer vela?
Comecei a fazer vela aos 11 anos, por incentivo da minha mãe que sempre teve uma paixão grande por regatas. Na minha família ainda não havia ninguém a praticar desportos náuticos. A única ligação ao mar era através do meu avô, que tinha emigrado para os Estados Unidos para trabalhar na indústria da pesca. Um dia a minha mãe estava a conversar com um treinador de vela que já tinha formado muitas gerações velejadores algarvios, o Sr. Moura, que a convenceu a levar as meninas (eu e a minha irmã) a experimentar andar de optimist (barco para atletas até aos 15 anos)… e desde aí não sei o que é viver longe do mar.
Quais os feitos de que mais se orgulha nesta atividade desportiva?
Desde muito jovem senti que era preciso uma enorme dedicação e paixão pelo mar para conseguir vencer na vela, não só dentro do campo de regatas, mas também fora dele.
Dentro de água um dos primeiros grandes achivements foi vencer o Campeonato Portugal Feminino de Match Racing, com uma equipa com velejadores que tinham acabado de entrar para a modalidade. A partir desse momento, eu e a equipa de treinadores que me acompanhava decidimos que o caminho seria fora de Portugal e nos anos seguintes dediquei-me a promover a vela feminina e em especial o Match Racing pelo mundo, tendo feito equipa com mais de 100 velejadoras de 16 nacionalidades no circuito internacional.
Mas fora do campo de regatas, o projeto que mais me orgulho é o Vela+, um projeto de vela para seniores, criado para promover um estilo de vida ativo e saudável e simultaneamente contribuir para a perceção de que não existem barreiras associadas à idade, género, cultura ou estatuto social. Este projeto foi criado em 2015 e desde então já tivemos cerca de 300 seniores (dos quais 70% são mulheres) a participar nas atividades regulares e cerca de 2300 nos eventos Vela+ Porto de Lisboa.
A característica que mais devo à vela é ter aprendido a liderar e a ser liderada. Num meio em que de um momento para o outro tudo pode mudar e pôr em causa a segurança de pessoas e material, é importante que haja alguém que saiba ler a situação, ler as pessoas, saiba para onde vamos, como vamos e dirigir com assertividade e calma.
Que lições e experiências leva da vela para a sua atividade profissional?
Por ser um desporto de natureza, a vela exige um respeito diferente. É um desporto com muitas variáveis — vento, correntes, ondulação — que podem mudar em segundos, o que nos obriga a estar sempre prontos a reagir. E como em qualquer desporto, num meio tão incerto, nem sempre é possível ganhar, mesmo quando se faz tudo certo. É importante aprender a lidar com a perda e ganhar resiliência. Mas a característica que mais devo à vela é ter aprendido a liderar e a ser liderada. Num meio em que de um momento para o outro tudo pode mudar e pôr em causa a segurança de pessoas e material, é importante que haja alguém que saiba ler a situação, ler as pessoas, saiba para onde vamos, como vamos e dirigir com assertividade e calma. E desde uma simples reunião até à produção de um grande evento nunca me deixo de sentir a bordo de um barco, umas vezes como skipper, e outras como tripulação!
Quais os traços de personalidade e competências necessárias para a vela?
Acredito que para um velejador ou velejadora que faz o percurso comum de competição enquanto jovem, possamos resumir a necessidade de resiliência, competitividade e capacidade de interpretar os vários elementos, mas eu acredito que a vela vai para além disso. Para quem se mantém como velejador ao longo da vida, ou se torna juiz, treinador ou dirigente apreende-se também que é necessário ter respeito pelo mar, ter sentido de justiça, saber ser líder e saber deixar-se liderar.
O facto de ter procurado perceber o fenómeno do desporto feminino noutras modalidades me fez construir projetos relevantes para o mundo da vela, e neste momento, acho que a minha integração como mulher na vela já é plena, mas continuo a trabalhar que o possa ser para qualquer jovem velejadora.
Como se integrou nesse mundo tradicionalmente masculino?
Desde cedo percebi que vencer no meio da vela não iria ser tarefa fácil. Logo nos optimists tentei treinar mais, estudar mais as regras e perceber o que se fazia de diferente nos outros locais para poder melhorar. Assim que tive idade (16 anos), fui fazer um curso para ser também juiz de regata e foi nessa altura que comecei a ganhar o respeito dos velejadores, treinadores e dirigentes. Nesse mesmo ano comecei a envolver-me num grupo de treino que viria a dar origem ao projeto Seawoman e que iria organizar o primeiro Campeonato de Portugal Feminino de Match Racing.
Mais tarde, na vida profissional, tive a oportunidade de lidar com outras modalidades e conseguir trazer outro olhar sobre o desenvolvimento do desporto para a vela. Acho que o facto de ter procurado perceber o fenómeno do desporto feminino noutras modalidades me fez construir projetos relevantes para o mundo da vela, e neste momento, acho que a minha integração como mulher na vela já é plena, mas continuo a trabalhar que o possa ser para qualquer jovem velejadora.
Com que frequência faz vela?
Antes da pandemia estava dedicada ao ensino da vela para seniores três dias por semana no Tejo. E ao fim de semana aproveitava para fazer regatas como velejadora ou para ser juiz em provas de vela. Atualmente estou a trabalhar na gestão de eventos digitais e tento conciliar com o retomar das provas e dos treinos de vela.
O que é a Seawoman e que atividades desenvolve?
A Seawoman — Associação para a Promoção da Mulher através do Desporto e da Atividade Náutica deve o seu nome ao projeto que teve início em 2002 em Portugal para apoiar a formação e desenvolvimento de equipas femininas de vela. O objetivo principal era preparar novas equipas de velejadores mais jovens para competir no circuito World Match Race. Match Racing era considerada uma das disciplinas mais exigentes no que se refere aos aspetos técnicos e táticos da vela e contava, na época, com poucas atletas do sexo feminino devido à ideia de que poucas mulheres estavam física e tecnicamente preparadas para manobrar embarcações maiores de forma técnica e disciplina taticamente exigente.
O papel de Seawoman no desenvolvimento da Match Race feminino foi reconhecido internacionalmente, principalmente no apoio ao surgimento de várias equipes em países do sul da Europa. Alguns desses atletas, vários anos depois, fizeram parte do movimento que fez do Match Racing uma disciplina olímpica feminina.
Em 2014, o projeto Seawoman foi transformado em associação sem fins lucrativos, mantendo a sua missão e objetivos. Em 2020 a Seawoman foi convidada para fazer parte do projeto SheSails, uma iniciativa transacional que tem como objetivo promover um estilo de vida ativo e saudável e simultaneamente contribuir para a percepção de que não existem barreiras associadas ao género, cultura ou estatuto social. Este ano de projeto culmina com o Seminário SheSails, integrado nas comemorações do 134.º aniversário do Porto de Lisboa, e conta com a presença de várias velejadoras internacionais e com a participação especial da velejadora oceânica Dee Caffari, conhecida em Portugal por ter sido a skipper da equipa Turn the Tide on Plastic, na última Volvo Ocean Race, a primeira equipa mista jovem na Volvo Ocean Race, em que participaram alguns velejadores portugueses.
Em que consiste o projecto Sailing+?
Em 2015, a Seawoman lançou o Vela + (Sailing +), projeto que visa promover a vela para seniores, mas onde a vela é apenas parte de uma abordagem mais ampla para uma vida saudável. É um projeto de intervenção social na área de desporto e lazer que promove, através da prática da vela, a atividade física regular pela população sénior. Combina treino de vela com treino físico, treino mental, avaliação clínica e várias outras atividades relacionadas com cultura, vida saudável e proteção ambiental. Este projeto nasceu em Portugal em 2015 e está prestes a avançar para um caminho internacional. Durante estes 6 anos, mais de 350 atletas, com idades entre 55 e 90, são agora cidadãos mais saudáveis e felizes, e mais de 2300 pessoas tiveram a oportunidade de experimentar velejar pela primeira vez em um dos eventos públicos organizados todos os anos em conjunto com o Porto de Lisboa.