A vontade de trabalhar com crianças e idosos, levou Madalena Santos a formar-se em Psicologia e a fazer um mestrado em Psicologia da Justiça, na Universidade do Minho, começando o seu percurso profissional numa casa de acolhimento de menores. Mas foi a sua experiência em ONG’s, que transformou a sua visão do mundo e mudou a sua vida para sempre. Há mais de uma década que trabalha em projetos sociais no combate à pobreza, em várias geografias. Esteve ligada à comunicação de impacto de micronegócios e grupos de poupança, nas Filipinas e em Hong Kong, e supervisionou programas de microcrédito em oito países na Ásia, América Central e África. É atualmente membro da direção não executiva da Reshape.
Determinada em criar soluções locais e sustentáveis para problemas reais, Madalena Santos lançou-se na sua maior aventura, em 2020, quando o mundo parava por causa da pandemia. Não esconde o orgulho de ter criado a Kua Ventures, de que é diretora de Operações, uma empresa de investimento de impacto no Quénia, que já apoiou 26 pequenas empresas, em diversas indústrias.
Para chegar até onde está hoje, apostou sempre na formação contínua, revelando que escolhe cada uma com o objetivo de melhorar a sua capacidade de liderar projetos, “além de me inspirar a inovar e a encontrar soluções mais eficazes para os desafios do mundo.” O International MBA da Porto Business School, que terminou em 2013, foi uma experiência transformadora que garante ter mudado para sempre a sua trajetória profissional. Ganhou conhecimento em gestão, desenvolveu competências de liderança e “deu-me ferramentas para ser mais sistemática e ambiciosa na forma como respondo àquilo que me move”, explica. “Foi talvez o ano em que dormi menos na minha vida.”
Começou o seu percurso profissional como psicóloga e dirigiu a sua carreira para o terceiro setor. O que sonhava para si no futuro? De onde vem esta preocupação pelo outro e por um mundo melhor?
Sempre me interessei por pessoas, por perceber como funcionamos, o que nos motiva, o que nos faz agir de certa forma. Sempre fui uma otimista e crente no potencial do ser humano. E sempre senti uma responsabilidade em relação aos outros, talvez pela educação que tive, pelas experiências que vivi, ou talvez apenas por ser a irmã mais velha. Quando decidi estudar Psicologia, atraía-me a ideia de trabalhar com crianças e jovens, ajudando-os a encontrar um caminho com que se identificassem, que os edificasse e pelo qual quisessem lutar. A escolha da Psicologia da Justiça surgiu dessa vontade de dar uma segunda oportunidade a jovens no sistema de justiça. Acredito que a maior parte das pessoas quer ser feliz e fazer os outros felizes, mas muitos cresceram em condições que não os favorecerem. O meu interesse por um mundo melhor parte desta crença profunda de que cada um de nós tem um papel a desempenhar. Um mundo melhor depende de como encaramos os desafios que nos rodeiam e do que fazemos para contribuir para mudanças positivas. Esta convicção foi sendo moldada pelas histórias que vivi, pelas pessoas que conheci e pelo desejo de deixar um impacto positivo na vida dos outros.
Orgulho-me muito do que temos construído na Kua Ventures, ao longo dos últimos quatro anos. Cada vez mais acredito que bons líderes em pequenas empresas têm um poder multiplicador, com um impacto direto nas suas famílias, comunidades e na sociedade em geral.
Passou alguns anos a trabalhar em ONG’s, no combate à pobreza e a liderar projetos de microempresas, em diferentes geografias. Quando é percebeu que a sua vida não seria mais a mesma dali em diante?
Tive uma experiência muito marcante quando vivi em Timor-Leste durante alguns meses, em 2004. Era adolescente, cheia de sonhos para mim e para o mundo, e tive o privilégio de criar amizades profundas com outros jovens que tinham passado por um grande massacre e a destruição do seu país. Muitos deles viam-se paralisados nos seus sonhos e no futuro que imaginavam para o país. Essa vivência tocou-me profundamente e transformou a minha visão do mundo e do ser humano. A força e a resiliência das pessoas que conheci inspiraram-me e ensinaram-me sobre o impacto das condições em que crescemos, das experiências que temos, das adversidades que superamos no nosso desenvolvimento enquanto seres humanos.
Qual é o maior desafio para quem trabalha em projetos sociais e humanitários?
Embora tenha trabalhado pouco em projetos humanitários de resposta rápida a crises, a minha experiência tem-se focado em projetos sociais que procuram dar uma resposta a problemas sociais, de forma continuada e estruturada. Tenho trabalhado muito na área do desenvolvimento económico de populações desfavorecidas. O meu interesse por microcrédito começou quando estudei no Brasil, em 2007, num período em que Muhammad Yunus, economista bengalês, acabava de receber o Prémio Nobel da Paz. Fiquei fascinada pelo livro O Banqueiro dos Pobres. Desde então, tive a oportunidade de trabalhar em microcrédito na Ásia, América Central e África, com grupos de poupança e criação de micronegócios nas Filipinas, e, nos últimos anos, tenho-me focado no investimento de impacto em pequenos negócios.
Para mim, o maior desafio é viver pela máxima de Do No Harm. Parece ‘poucochinho’ (como dizem no Alentejo), mas é uma preocupação muito presente para quem procura dar resposta a questões sociais. Um dos maiores desafios é identificar a causa-estruturante do problema e criar soluções pragmáticas e sustentáveis que respondam a essas causas. E estas questões são geralmente mais complexas do que parecem à primeira vista, e é fácil sermos ingénuos ou simplistas na forma como as abordamos, o que pode levar a fazer mais mal do que bem. Ou por outro lado, ficarmos paralisados por esta hipótese e não avançarmos. Esta tensão é um desafio por vezes desgastante, mas necessário a tomar decisões informadas e a ter um impacto positivo.
Qual o momento de que mais se orgulha?
Um dos momentos de que mais me orgulho foi o lançamento da Kua Ventures, no Quénia. Em conjunto com o CEO da organização para a qual trabalhávamos, identificámos a necessidade de evolução e propusemos à direção alavancar a experiência acumulada em microcrédito, presente em mais de 30 países, para investir diretamente em pequenos negócios. Em julho de 2020, quando o mundo parava por causa da COVID, lançámos a Kua Ventures, uma empresa de investimento de impacto no Quénia, que atualmente tem um portfólio de 26 empresas, em diversas indústrias. O investimento não se resume apenas ao capital, mas também inclui uma forte componente de mentoria, de criação de uma comunidade de empreendedores, que se apoia mutuamente, e abertura de portas para novas oportunidades de crescimento dos negócios. Orgulho-me muito do que temos construído na Kua Ventures, ao longo dos últimos quatro anos. Cada vez mais acredito que bons líderes em pequenas empresas têm um poder multiplicador, com um impacto direto nas suas famílias, comunidades e na sociedade em geral.
Ao lançar este projeto, descobri também um lado de empreendedora, que até então desconhecia. O processo de criar a Kua Ventures e de apoiar pequenas empresas, despertou em mim o desejo de continuar a desenvolver projetos empreendedores no futuro.
O que a levou a criar o projeto de empreendedorismo social Kua Ventures, no Quénia? Vê-se a lançar algo semelhante em Portugal?
A Kua Ventures nasceu do desejo de criar soluções locais e sustentáveis para problemas reais. Ao longo dos anos, e nos vários países em que trabalhei, percebi que as pequenas empresas estão muitas vezes melhor posicionadas para criar transformação comunitária, do que grandes ONG’s. Pequenas empresas surgem para resolver problemas reais. Estas empresas são criadas por criatividade de alguém que experiencia o problema, que tem interesse direto em o ver problema resolvido, e que encontrou uma forma financeiramente sustentável de o resolver (atraindo clientes que valorizam a solução o suficiente para pagar por isso). Estes empreendedores resolvem problemas reais, criam riqueza e postos de trabalho locais, mas estão de forma geral limitados no acesso a capital. Em economias como o Quénia, o capital de risco é muito limitado e está essencialmente voltado para grandes ideias disruptivas, e não para soluções simples que respondam a problemas concretos da vida real.
A Kua Ventures investe essencialmente em modelos de negócio ‘tradicionais’, com produtos ou serviços ‘simples’, liderados por visionários com vivência e conhecimento do mercado. Ao lançar este projeto, descobri também um lado de empreendedora, que até então desconhecia. O processo de criar a Kua Ventures e de apoiar pequenas empresas, despertou em mim o desejo de continuar a desenvolver projetos empreendedores no futuro. Ainda que tenha trabalhado fora de Portugal ou para fora de Portugal nos últimos 12 anos, vejo-me um dia a contribuir diretamente para uma empresa portuguesa, minha ou de alguém em cuja visão acredite.
O que trabalhar por uma causa a forçou a deixar para trás ou perder, e o que lhe trouxe que de outra forma não teria?
Sou uma privilegiada e agradecida pelas oportunidades que tenho tido, ainda que num setor que é, por vezes, pouco reconhecido. Não diria que tenha sido forçada a deixar para trás, e ainda menos a perder, mas hoje em dia tenho dificuldade em imaginar-me a trabalhar para empresas cujos valores, princípios e objetivos não estejam alinhados com os meus.
Tem apostado na sua formação ao longo dos anos. Com que objetivo?
A formação contínua tem sido essencial para construir uma carreira que é em muitos aspectos pouco linear. Especialmente numa área tão dinâmica e complexa como o impacto social e o investimento de impacto, tem-me permitido manter-me atualizada.
Em 2013, completei o International MBA na Porto Business School, que mudou para sempre a minha trajetória profissional, e a forma como vejo o mundo. Nos últimos anos, tenho procurado complementar a minha experiência prática com conhecimento mais aprofundado em áreas específicas. Em 2020, quando me preparava para lançar a Kua Ventures, fiz um curso em Impact Investing in Africa, pela Graduate School of Business, da Universidade da Cidade do Cabo, que foi particularmente valioso para compreender as especificidades e desafios do contexto africano. Em janeiro de 2023, fiz um curso de Impact Investment na Saïd Business School, na Universidade de Oxford, que me deu ferramentas para pensar estrategicamente sobre o investimento de impacto a nível global.
Cada formação que faço é escolhida com o objetivo de melhorar a minha capacidade de liderar projetos que gerem impacto social e económico duradouro, além de me inspirar a inovar e a encontrar soluções mais eficazes para os desafios do mundo.
O International MBA, da Porto Business School, foi uma escolha estratégica para ganhar conhecimento em gestão, desenvolver competências de liderança, e um conhecimento e forma de pensar o mundo que mudou de forma irreversível a minha trajetória profissional.
O que a levou a fazer o International MBA, e porque escolheu a Porto Business School?
O MBA foi uma escolha estratégica para ganhar conhecimento em gestão, desenvolver competências de liderança, e um conhecimento e forma de pensar o mundo, que mudou de forma irreversível a minha trajetória profissional. O International MBA, da Porto Business School, deu-me acesso a uma turma verdadeiramente internacional — se bem me lembro, éramos 8 portugueses numa turma de 25 —, com experiências profissionais muito diversas, e acesso a professores e aulas de calibre internacional, que não ficaram aquém das que tive em Oxford, 10 anos depois.
Como conciliou o MBA com a sua atividade profissional e a vida pessoal?
Optei por fazer o MBA full-time, pelo que não estava a trabalhar simultaneamente. Ainda assim, foi bastante exigente conciliar o MBA com a vida familiar e social (já que a maior parte dos alunos eram estrangeiros e estavam 100% dedicados ao MBA), e tirar o maior partido de disciplinas completamente novas para mim. Foi talvez o ano em que dormi menos na minha vida – e não tinha dois filhos abaixo dos 3 anos, como hoje! Mas tal como diria o meu marido, quando digo que sim a algum desafio, salto a pés juntos. Fui coordenadora de turma, fui à competição de casos de negócios da John Molson, em Montreal, entrei no projeto da COTEC, e não perdi uma noitada com a turma! O MBA foi uma experiência transformadora, e a exigência e intensidade do programa ensinaram-me muito sobre resiliência e gestão de prioridades.
Depois de ter completado o MBA tenho trabalhado internacionalmente, em vários continentes (Ásia, África e Américas), e ainda hoje, 12 anos depois, os conhecimentos que adquiri no MBA são parte integrante da forma como apoio empresas no Quénia.
Qual o impacto do MBA na sua carreira e na sua vida?
O MBA transformou uma psicóloga numa gestora; um pensamento em profundidade num pensamento em escala; uma visão de Portugal numa visão global. O MBA mudou radicalmente a minha forma de ver e pensar o mundo, e deu-me ferramentas para ser mais sistemática e ambiciosa na forma como respondo àquilo que me move.
Depois do MBA, mudei-me para Hong Kong, comecei a trabalhar em desenvolvimento internacional nas Filipinas, oportunidade que estou convencida que surgiu por ter completado o MBA. Desde então, tenho trabalhado internacionalmente, em vários continentes (Ásia, África e Américas), e ainda hoje, 12 anos depois, os conhecimentos que adquiri no MBA são parte integrante da forma como apoio empresas no Quénia.
Que conselho deixaria a uma jovem executiva que queira fazer carreira na sua área?
A minha área é bastante específica e foi-se construindo por paixão e oportunidade. Tenho alguma dificuldade em dar uma ‘receita’ de como fazer uma carreira nesta área. Mas deixo o conselho de perceber o que a move e ser criativa na forma de o procurar ou criar.
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