L’Oréal volta a distinguir mais quatro cientistas portuguesas

Laetitia Gaspar, Cláudia Deus, Sara Silva Pereira e Mariana Osswald, são as quatro jovens cientistas vencedoras do Prémio Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, que assinala a sua 20.ª edição. Conheça os seus projetos de investigação.

As cientistas Laetitia Gaspar, Cláudia Deus, Sara Silva Pereira e Mariana Osswald, vencedoras do Prémio Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência.

Laetitia Gaspar (Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, Cláudia Deus (Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento da Universidade de Coimbra), Sara Silva Pereira (Centro de Investigação Biomédica da Universidade Católica Portuguesa), e Mariana Osswald (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto) são as quatro cientistas portuguesas distinguidas com o Prémio Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, uma iniciativa que completa a sua 20.ª edição, criada em conjunto com a Comissão Nacional da UNESCO e com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Será que as pessoas com apneia do sono envelhecem mais depressa? Como ativar o gene Nrf2, cuja função está diminuída em doentes com Parkinson? Como interagem os parasitas com os tecidos de diferentes partes do corpo? Como é que os epitélios respondem a pressões, preservando a sua forma e funções, que se alteram em várias doenças?

Estas são algumas das questões de partida dos quatro projetos científicos desenvolvidos pelas jovens investigadoras premiadas, já doutoradas e com idades entre os 31 e os 37 anos, selecionadas, de entre várias dezenas de candidatas, por um juri científico, presidido por Alexandre Quintanilha, professor catedrático jubilado e investigador na área da Física. Cada uma receberá um prémio individual de 15 mil euros, de modo a darem continuidade às suas pesquisas.

“É um orgulho olhar para estas jovens que souberam fazer o seu caminho, que se mantiveram firmes em avançar e que, ao longo destas duas décadas, têm sido um modelo e uma inspiração para muitas outras jovens cientistas. Elas são a prova de que o conhecimento e a ciência não têm género!, afirma Gonçalo Nascimento, country coordinator da L’Oréal em Portugal, reiterando o empenho da marca em continuar a promover uma ciência equitativa e a apoiar as mulheres que a fazem avançar, tanto a nível local como também através das iniciativas internacionais que realiza anualmente.

O apoio da L´Oréal às mulheres da ciência começou formalmente em 1998, com uma parceria com a UNESCO, que deu origem ao programa L’Oréal-UNESCO For Women em Science, premiando anualmente cinco cientistas consagradas, uma de cada região do mundo. Ao longo de 26 anos, 132 grandes mulheres cientistas foram já premiadas, sete das quais receberam posteriormente um prémio Nobel.

Este programa internacional serviu de inspiração a dezenas de iniciativas locais dirigidas a jovens e mulheres investigadoras, apoiando-as a dar continuidade às suas carreiras científicas e a sensibilizar os decisores, e a sociedade em geral, para uma ciência sem barreiras de género.

Foi neste âmbito que nasceram, em 2004, as Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência. A iniciativa nacional distingue, anualmente, cientistas jovens e já doutoradas, com idade até 35 anos (mais um ano por cada filho) e com projetos promissores nas áreas das Ciências, Engenharias e Tecnologias para a Saúde ou para o Ambiente.

 

As premiadas e os projetos de investigação

Cientista: Laetitia Gaspar, 31 anos, Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra

Desafio: Quais são as alterações promovidas pela apneia do sono que podem acelerar ou agravar o processo de envelhecimento? Será que as pessoas com esta síndrome envelhecem mais depressa? E poderá o tratamento reverter ou atrasar este processo

Laetitia Gaspar, do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra.

Laetitia Gaspar, do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra.

Depois de se doutorar em biologia experimental e biomedicina, na Universidade de Coimbra e no Hospital Pediátrico de Cincinnati (EUA), Laetitia Gaspar integrou o Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, como investigadora, e é aí que prossegue o seu trabalho, no grupo de Neuroendocrinologia e Envelhecimento, no contexto da Apneia do Sono, e no grupo de Terapias Génicas e Estaminais para o Cérebro, em terapia génica. Na sua área de estudo, as mulheres são já a esmagadora maioria, “mas o cenário muda nas posições de topo”, refere, sublinhando que, ainda estamos em processo de mudança de mentalidade e ainda existe um estigma de a mulher ser mais emotiva, insegura e ter menos perfil de liderança. A acrescentar, adicionamos à equação a variável maternidade, com um impacto claramente superior na mulher”, que se reflete em menor disponibilidade e mobilidade, acabando por influenciar o reconhecimento e ritmo de progressão.

Laetitia Gaspar procura dar continuidade a investigações anteriores, que têm indicado haver uma relação entre a síndrome da apneia obstrutiva do sono, o processo de envelhecimento e o desencadear de várias doenças, como a hipertensão, as doenças cardiovasculares, a diabetes e a depressão, entre outras, observadas quando esta perturbação do sono não é tratada.

“Pretendemos estudar diferentes tipos de alterações relacionadas com o processo de envelhecimento em amostras de sangue de doentes com apneia do sono, em comparação com indivíduos sem a doença”, explica a investigadora, que irá também avaliar como estas alterações respondem ao tratamento com máscara de pressão positiva continuada, o tratamento mais comum no contexto da apneia do sono.

Com os dados recolhidos, a investigadora propõe-se ainda explorar potenciais indicadores da existência desta doença que possam ser detetados no sangue. Se se conseguirem determinar estes biomarcadores poderão desenvolver-se novas estratégias de diagnóstico e de acompanhamento dos doentes. Da mesma forma, o estudo destes bioindicadores, e o conhecimento de como evoluem após iniciada a terapêutica, poderá dar informação sobre a eficácia do tratamento.

Recorde-se que a síndrome da apneia obstrutiva do sono é um distúrbio respiratório caracterizado pelo breve, mas frequente, bloqueio das vias respiratórias, o que interrompe parcial ou totalmente a respiração. Esta é uma das perturbações do sono mais comuns no mundo: estima-se que 936 milhões de adultos vivam globalmente com apneia obstrutiva do sono leve a severa. Estima-se também que cerca de 80% a 90% dos casos não estejam diagnosticados e permaneçam, por isso, sem tratamento.

 

Cientista: Cláudia Deus, 37 anos, Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento, Universidade de Coimbra

Desafio: Será possível ativar o gene Nrf2, cuja função está diminuída em doentes com Parkinson, usando vesículas nanométricas libertadas pelas nossas células e modificadas com RNA mensageiro sintético que codifica para este gene?

Cláudia Deus, do Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento, Universidade de Coimbra.

Cláudia Deus, do Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento, Universidade de Coimbra.

Cláudia Deus é doutorada em Biologia Experimental e Biomedicina pela Universidade de Coimbra (UC), onde prosseguiu os seus trabalhos de pós-doutoramento como investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC-UC). O projeto agora distinguido será realizado no Instituto Multidisciplinar de Envelhecimento (MIA-Portugal, UC), um novo centro criado na UC que se dedica a estudar os mecanismos moleculares e celulares do envelhecimento. Para esta cientista, “em termos práticos ainda se verificam grandes diferenças em relação às oportunidades e progresso das mulheres na carreira científica e académica.” Uma das principais barreiras que identifica está associada à persistência de estereótipos de género e preconceitos culturais. Com dois filhos, de 4 e 5 anos de idade, outro desafio que assinala é a conciliação entre a carreira e a vida familiar, uma vez que persistem maiores expectativas sociais em relação às responsabilidades familiares das mulheres.

Cláudia Deus procura respostas para melhorar as futuras terapias e o conhecimento científico sobre a doença de Parkinson, uma patologia neurodegenerativa que afeta o sistema nervoso central, causando uma progressiva deterioração e perda das células cerebrais responsáveis pelo controlo dos movimentos, os neurónios dopaminérgicos.

Embora não seja completamente conhecido o mecanismo exato associado à perda destas células cerebrais, há evidências de que a disfunção mitocondrial e o stress oxidativo são componentes fisiopatológicos importantes e que se manifestam ainda antes do aparecimento dos sintomas motores, explica a investigadora.

Em estudos anteriores, já demonstrara que as alterações metabólicas e mitocondriais características da degeneração dos neurónios dopaminérgicos observadas em doentes com Parkinson também estão presentes nas suas células da pele. Adicionalmente, demonstrara também que a expressão do gene Nrf2 – um gene capaz de regular, direta e indiretamente, cerca de 250 outros genes envolvidos nos mecanismos de defesa das células ao stress oxidativo – está diminuída na doença de Parkinson.

A ativação do gene Nrf2 poderá ser alcançada usando RNA mensageiro sintético (mRNA), uma tecnologia recente e que esteve na base de algumas vacinas da COVID19. Contudo, o uso clínico de mRNA sintético está limitado visto ser necessário desenvolver transportadores seguros e eficientes que o transportem no corpo e o libertem nas células onde o mesmo tem de atuar.

Neste projeto, Claúdia propõe-se testar as vesículas extracelulares como um novo “meio de transporte e entrega” para entregar o mRNA sintético codificando para o gene Nrf2 em células. “As vesiculas extracelulares, são vesículas nanométricas (com cerca 100 nm) libertadas por todas as células do nosso corpo e são responsáveis pela transmissão de informação biológica entre células”, explica. Se este sistema de entrega inovador for bem-sucedido poderá alterar a progressão da doença de Parkinson.

Em paralelo, Cláudia propõe-se investigar os efeitos deste sistema na disfunção metabólica e mitocondrial associada a esta doença, usando células isoladas da pele dos próprios doentes de Parkinson e, pela primeira vez, em neurónios dopaminérgicos gerados a partir das células desses mesmos doentes.

Recorde-se que a prevalência da doença de Parkinson duplicou globalmente nos últimos 25 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde, cujas estimativas apontam para que afete mais de 8,5 milhões de indivíduos. Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de Neurologia estima que entre 18 mil e 20 mil pessoas vivam com Parkinson. A doença não tem cura nem meios de diagnóstico precoce.

 

Cientista: Sara Silva Pereira, 30 anos, Centro de Investigação Biomédica, Universidade Católica Portuguesa

Desafio: Como é que os parasitas interagem com os tecidos de diferentes partes do corpo, causando doenças graves em animais e humanos?

Sara Silva Pereira, do Centro de Investigação Biomédica, Universidade Católica Portuguesa.

Sara Silva Pereira, do Centro de Investigação Biomédica, Universidade Católica Portuguesa.

Sara Silva Pereira doutorou-se em Parasitologia Veterinária na Universidade de Liverpool, com apenas 24 anos, e prosseguiu o seu pós-doutoramento em Portugal, no Instituto de Medicina Molecular – Universidade de Lisboa. Desde 2023 que lidera o laboratório ‘Interações Parasitas-Vasculatura’ no Centro de Investigação Biomédica da Universidade Católica Portuguesa. É também professora auxiliar convidada na Faculdade de Medicina da mesma instituição.

Conjugar liderança, investigação, ensino e família nem sempre é fácil. Exige trabalho contínuo e até já teve de levar a filha de 3 anos para o laboratório “porque as células não sabem as horas.” Embora haja quem desista por este tipo de obstáculo, há outras dificuldades que se perpetuam devido a anos de barreiras sociais, “algumas também autoimpostas”, e de educação tradicional. Por isso, há muitas mulheres na ciência, mas poucas em lugares de chefia, refere. “Na generalidade, as mulheres têm menos propensão para se autoproporem a promoções e são mais modestas na descrição das suas conquistas. Por outro lado, a sua postura enquanto líder tende a ser mais vezes desafiada.”

A investigadora propõe-se desenvolver modelos tridimensionais de vários órgãos e tecidos de diferentes espécies animais, como o cérebro, o coração ou o tecido adiposo, que imitem os ambientes microscópicos dos tecidos reais, de forma controlada, para poder estudar detalhadamente várias doenças parasitárias que afetam humanos e animais.

“No nosso laboratório temos já um modelo de vasculatura artificial que usamos para estudar a forma como alguns parasitas se agarram aos nossos vasos sanguíneos e, neste projeto, vamos adaptá-lo para o tornar mais complexo e versátil, aplicável a novos contextos.”

O objetivo é entender como os parasitas interagem com os tecidos e causam danos à saúde no contexto de inúmeras doenças parasitárias, incluindo aquelas que chegam aos seres humanos pelo contacto com animais infetados (zoonoses) e cujo impacto na saúde humana é particularmente relevante em zonas onde há estreita ligação entre humanos e animais, como acontece nas economias agrárias ou nos locais com uma indústria pecuária forte.

A investigadora vai dedicar-se especificamente ao Trypanosoma congolense, um parasita tropical que infeta o gado bovino, e pode gerar uma doença cerebral aguda muito grave, devido à interação dos parasitas com um tipo específico de células do sistema imunitário – as células T CD4+. “Vamos desenvolver um modelo ou sistema que imita a barreira hematoencefálica do gado bovino, de forma a conseguirmos investigar como a doença acontece e, com essa informação, procuraremos descobrir formas de tratar ou, pelo menos, reduzir a sua gravidade.”

Outro dos seus objetivos é alargar este sistema para poder estudar outras doenças causadas por parasitas da mesma família, a família dos Trypanosomatidae, protozoários responsáveis por várias doenças em animais e zoonoses, como a leishmaniose, a doença do sono e a doença de chagas.

Sara pretende alargar o sistema, por exemplo, ao estudo da leishmaniose canina, uma doença incurável e um problema de saúde pública em Portugal. Um estudo, realizado em 2021, estimou que 12,5% dos cães em Portugal estejam infetados com este parasita, quase o dobro dos 6,3% apurados em 2009. Embora os cães não infetem diretamente os humanos, a transmissão pode ser feita através da picada de mosquitos que, antes, picaram cães infetados e transportam consigo o parasita.

 

Cientista: Mariana Osswald, 35 anos, i3S – Inst. de Investigação e Inovação em Saúde, Universidade do Porto

Desafio: Como é que os epitélios respondem às forças mecânicas a que estão sujeitos, preservando a sua forma e funções, as quais se encontram alteradas em inúmeras doenças?

Mariana Osswald, do i3S - Inst. de Investigação e Inovação em Saúde, Universidade do Porto.

Mariana Osswald, do i3S – Inst. de Investigação e Inovação em Saúde, Universidade do Porto.

Mariana Osswald doutorou-se em biologia básica e aplicada, na Universidade do Porto e é nesta instituição que continua a trabalhar, com funções de investigadora no i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde – e de professora auxiliar convidada no ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar. Para a cientista, uma carreira em investigação é desafiante, competitivo e exigente. Em Portugal, com vínculos laborais maioritariamente precários, é uma vida profissional com pouca estabilidade. “Embora esta realidade afete homens e mulheres, as mulheres têm uma barreira adicional: conciliar a maternidade e a carreira”, nota Mariana Osswald, que tem uma filha de um ano.

“Por um lado, a precariedade do trabalho pode tornar complicado o acesso ao subsídio associado à licença de maternidade. Por outro, não é simples estar meses afastada do laboratório e manter a competitividade e produtividade necessárias para concorrer à posição seguinte com sucesso. Por fim, o impacto que criar um filho tem no tempo disponível para a investigação não se restringe à duração da licença”, refere a investigadora, exemplificando que este tipo de razões pode explicar estatísticas que indicam que algumas cientistas optam por não ter filhos, por adiar esta decisão ou por mudar de profissão.

Embora o termo epitélio seja pouco conhecido, dá nome a um dos tipos de tecidos estruturais do nosso organismo, que revestem a superfície dos vários órgãos humanos – e animais em geral –, incluindo a pele e os órgãos internos dos vários sistemas do corpo, desde o digestivo ao respiratório.

Os epitélios ou tecidos epiteliais formam uma barreira protetora que controla as substâncias que entram e saem do organismo, por exemplo, impedem a perda excessiva de água e a entrada de organismos indesejados (patogénicos), e desempenham outros importantes papéis, entre os quais o controlo da temperatura e o desenvolvimento do organismo.

Para manterem estas e outras funções essenciais, os epitélios necessitam de manter a sua forma e propriedades. “Embora os epitélios sejam maleáveis e flexíveis, voltando à sua forma quando estão sujeitos a forças mecânicas, como pressões externas, estes tecidos podem não conseguir responder a determinadas forças, sofrendo deformações de tal ordem, que acabam por romper e perder as suas funções”, diz.

Estas perturbações de forma ou organização dos epitélios acontecem em inúmeras patologias, incluindo cancro e doenças inflamatórias, pelo que compreender como é que os epitélios conseguem responder às forças a que estão sujeitos e manter a sua forma é uma questão fundamental da biologia. É também um conhecimento essencial para construir os alicerces de futuros estudos que procurem compreender as causas de doenças específicas ou que pretendam desenvolver tratamentos para essas doenças.

O projeto desta investigadora vai centrar-se especificamente no estudo de uma rede de proteínas que regula a forma e as propriedades mecânicas das células, a actomiosina. “Queremos investigar como é que as células de um epitélio controlam estas proteínas para se adaptarem e responderem às forças mecânicas”, refere, explicando que, para o efeito, vão recorrer a técnicas inovadoras, incluindo microscopia de super-resolução e ablação de estruturas subcelulares por microcirurgia laser.

 

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