José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais de seguros.
Sempre que vou almoçar à baixa em Lisboa, passo por um alfarrabista (quase frente à Ginjinha, na Rua das Portas de Sto. Antão), onde logo na entrada se encontra a minha bancada de livros favorita na cidade de Lisboa.
Uma enorme quantidade de livros em muito bom estado de conservação, muitos deles novos, sem terem sido sequer folheados, muitos com encadernações em couro que custaram uma fortuna, facilmente 50/60 euros, falo por experiência própria, ou seja um múltiplo do custo do livro com encadernação original.
Graças a que são basicamente nulos os hábitos de leitura dos herdeiros de muitas bibliotecas primorosas, constituídas com verdadeiro amor à leitura, e devoção à cultura, ao longo de dezenas de anos, por pais ou avós, com muito sacrifício, ou então porque vivem nuns T0 xpto de 45 m2 na Expo, e não têm espaço para os manter, e se desfazem deles por tuta e meia, podemos hoje adquirir verdadeiras trouvailles da literatura universal por 1 eurito solidário. Para os podermos comprar a 1 euro, os herdeiros levaram uns míseros cêntimos por eles, nem para uma ginjinha na loja em frente dá.
Um dos que comprei muito recentemente foi “Uma Solução para Portugal”, escrito por Diogo Freitas do Amaral em 1985. Veja-se que nessa altura, 10 anos após o 25 de Abril, precisávamos já de uma proposta de “solução” para Portugal (a que se seguiram dezenas e dezenas nas décadas seguintes), pois os homens da Regisconta, perdão do temido e odiado FMI, já nos tinham visitado duas vezes, em 1978 e 1983, ambas em consulados de governação de Mário Soares, para nos passarem um cheque que evitasse a bancarrota (e imporem condições draconianas para soltar o “graveto”).
Apesar das páginas amareladas pelos quase 40 anos que leva em cima do pelo, o livro de Freitas do Amaral estava “virgem”, ainda trazia o cartão do editor preso por picotado numa das páginas interiores. A destacar neste momento, dado que ainda só li o prefácio, é que em 1985 já éramos PhD summa cum laude em resgates financeiros por estarmos em bancarrota, o que levou Diogo Freitas do Amaral, magoado por não lhe terem feito caso, como transcende claramente do prefácio, a vir propor a sua “solução” para Portugal.
O livro “ Uma solução para Portugal” promete, e eu prometo voltar ao tema um destes dias. Primeiro tive de ler, esse sim, de fio a pavio, o livro “Portugal e o Futuro”, não o do General Spínola, mas o que resultou de entrevistas sequenciais com várias personalidades no programa da RTP “Portugal e o Futuro”, conduzido por Fátima Campos Ferreira em 2011.
A sensação com que fiquei após ler um livro escrito há mais de 12 anos é que há uma qualquer perversão estrutural de origem endógenica no nosso ADN, que nos põe a falar ao longo de décadas a fio de problemas perfeitamente identificados, e a propor por escrito soluções em livros fantásticos, sem que no entanto os consigamos resolver, porque eles continuam a ser descritos, uma e outra vez, década após década.
Esta série de entrevistas, e consequentemente o livro que delas resultou (e que eu comprei há já alguns meses por 1 euro no mesmo sítio de sempre), foi escrito, uma vez mais, quando estávamos novamente à beira da bancarrota, em Maio de 2011, 1 mês antes das eleições de 5 de Junho que tiraram o poder a Sócrates, e permitiram que Passos Coelho (e a Troika), tomassem conta do país .
Teixeira dos Santos, ministro das Finanças de Sócrates , já tinha vindo a público uns meses antes dizer que em maio se acabaria o dinheiro, e o Estado entraria em colapso, sem fundos para pagar salários na função pública, pensões, dívidas a fornecedores, etc.
Esta série de entrevistas teve lugar na reta final de meses consecutivos de violentas discussões estéreis, acompanhadas de uma crispação política sem precedentes, em que foi virtualmente impossível que os partidos políticos dialogassem, e chegassem a um consenso sobre os grandes vetores de intervenção na economia para voltar a crescer sustentadamente, corrigindo drasticamente o deficit que Sócrates (a dívida não é para pagar, é para ir gerindo, lembram-se ?) elevara a níveis incomportáveis. Como não se entenderam, após as eleições de 5 de Junho de 2011, a Troika impôs a sua agenda.
Porque é que me lembrei de trazer isto agora à atenção dos concidadãos que comigo partilham a preocupação pelo que está a acontecer no nosso país ? Porque o paciente leitor verificará, nas pequenas partes das entrevistas que aqui resolvi trazer de forma resumida (caso contrário seria a transcrição das 145 páginas do livro!), indicadoras de que mais de 12 anos depois, mais de uma década (portanto outra novamente perdida) depois, enfrentamos os mesmíssimos problemas, só que agravados e exacerbados!
Após cada transcrição faço um breve comentário a cada um, para contextualizar as frases que escolhi (e que estão publicadas no livro tal e qual como transcritas). Vamos lá então:
Mário Soares (entrevista a 11/04/2011)
“Como sabe, coloco o interesse nacional à frente do interesse do Partido Socialista, como sempre fiz.”
“Há pouco tempo assinei o Manifesto dos 47. É um compromisso feito por pessoas ilustres em Portugal, de todos os domínios: universitários, empresários, políticos, técnicos e muitos outros, que chama a atenção para a situação grave que vivemos. Apela à boa vontade dos partidos, que têm de fazer sacrifícios e um esforço por se entenderem. Se não se entenderam, é uma desgraça para o país e, aí sim, serão responsáveis pela desgraça.”
“Esta não é a Europa nem o projeto europeu em que entrámos. Estão a pôr em causa o futuro da Europa. A Europa corre o risco de se desagregar, se não for capaz de encontrar um novo modelo de desenvolvimento, um novo paradigma, como dizia o Presidente Obama.”
“Os portugueses devem orientar-se nestes tempos tão difíceis com esperança. Com bom senso e a convicção de que somos um grande país, um grande povo. Ao contrário do que se possa pensar, lá fora somos respeitados por todos. Somos nós que dizemos mal de nós próprios aos estrangeiros, com muito pouco bom senso, como se tem verificado da parte de uns e outros.”
Nota minha: Mário Soares, QEPD, era um animal político. Sem sombra de dúvida o grande artífice da democracia, e durante muitos anos o garante de que não acabássemos nas mãos de forças totalitárias comunistas e “otelistas” (Otelo, QEPD, era um confuso militar com uma ideologia musculada e totalitária muito própria). Um grande Senhor em todos os sentidos, que não tinha qualquer tipo de pudor em dizer, urbanamente, educadamente, aquilo que pensava, mesmo que as suas hostes no PS não gostassem. Não tinha uma venda nos olhos ou preconceitos ideológicos, chegou a elogiar a Salazar publicamente pela condução exemplar das Finanças Públicas, e pelo facto de ter levado uma vida austera e modesta, não sendo corrupto. António Costa devia relembrar os seus ensinamentos.
Ricardo Salgado (entrevista a 12/04/2011)
“Acredito que o BES está bem capitalizado para fazer face à nova situação em que nos encontramos.”
“Até agora, o Estado Português (o contribuinte, nota minha, relembremos a famosa frase de Margaret Thatcher “there is no such thing as public money, there is only tax payer’s money…) não teve necessidade de entrar com qualquer valor na recapitalização dos grandes bancos.”
“O pacote de austeridade dirige-se mais ao Estado, e a equação financeira mais difícil de resolver no nosso país é, de facto, o Estado. O Estado tem de reduzir o déficit, reduzir o endividamento, e reequacionar todo o custo de funcionamento do aparelho estatal.”
Nota minha: Ricardo Salgado, o DDT (tanto serve para descrever o Dono Disto Tudo , como o inseticida mortal Dicloro-Difenil-Tricloroetano), é talvez a figura mais tenebrosa, sinistra, maligna, a par de Sócrates, que jamais exerceu funções de poder e controle na sociedade portuguesa. A distância ainda é curta, um dia entenderemos, espero, a verdadeira dimensão do mal que esta gente fez no nosso país para perpetuar a situação de controle sobre todas as instâncias económicas e de poder, em benefício de uns quantos muito poucos. Nunca poderemos agradecer o suficiente a Pedro Passos Coelho por ter decidido enfrentar o monstro, e fazê-lo implodir e desaparecer, como o castelo de cartas podres que era.
Belmiro Azevedo (entrevista a 14/04/2011)
“Estamos neste momento perante um movimento de ajuda a Portugal. Por isso devemos humildemente assumir que precisamos dessa ajuda e precisamos, sobretudo, de pessoas mais competentes do que aquelas que têm dirigido o país.”
“Não podemos mais ter ministros que façam disparar a nossa divida dos 60% do PIB, que tínhamos há sete anos, para uma situação como a atual, em que estamos a chegar aos 100% do PIB.” (By the way, já vamos nos 111,2% a junho de 2023, nota minha).
Nota minha: Belmiro de Azevedo, QEPD, nem necessita comentários. Era um homem de empresa único, criou padrões de exigência de primeiro mundo nas suas empresas, era um guru da meritocracia, rodeando-se de gestores muito bem formados, com visão empresarial própria, o que levou muitos a abrir os seus próprios negócios, e sofreu muito porque nunca se deixou seduzir pelos políticos de todos (todos…) os partidos que foram governo. Isso prejudicou-o muito nas suas tentativas de alargar as suas áreas de negócios em Portugal. A tentativa de adquirir a PT, torpedeada por Sócrates e por Salgado, ficará como uma das mais vergonhosas e descaradas intervenções políticas na esfera dos negócios, num esquema de conluio inenarrável com forças tenebrosas, na história do capitalismo português.
Dom José Policarpo (entrevista a 15 de Abril de 2011)
“Acho que os portugueses tinham direito a que as forças políticas, as que têm a responsabilidade de conduzir o país, pusessem de lado os particularismos, e se juntassem num grande projeto para Portugal. Os portugueses não vão esquecer isto…. O que estamos a viver é uma crise do exercício da democracia, mas que não a colocará em risco.”
“Existe uma insatisfação, um mal-estar, no que respeita ao funcionamento dos partidos…. A atividade partidária tem revelado um desgaste na qualidade das pessoas que servem os partidos. E repare que a nossa democracia é muito recente.”
“Os partidos devem pensar muito bem na revitalização que eles próprios têm de sofrer.”
“À medida que os partidos baixam de nível, vão afastando da sua militância as pessoas que são mais capazes. Neste momento, Portugal precisa que as pessoas detentoras do poder tenham a sabedoria e a humildade de reunir as pessoas mais competentes que Portugal tem, e que neste momento não estão filiadas em nada.”
“A ciência económica não pode ser uma ciência neutra. Não há dúvida que a economia neoliberal, como se costuma chamar, tem a vantagem de respeitar a liberdade científica económica. Não pode haver qualquer planificação da economia que destrua, digamos assim, a liberdade económica. Mas existem ambiguidades. O que estamos a assistir é a um não-controlo, por parte dos Estados, deste sistema financeiro. O Presidente do FMI chamou a atenção para isso:« Não façam um esquema de austeridade que mate a economia».”
“A autoridade dos Estados está a ser fragilizada e a ser posta em causa. Num dia destes, em Roma, participei num seminário organizado pelo presidente internacional da Microsoft, sobre novas linguagens e o mundo em que vivemos. Ele disse algo que me deixou preocupadíssimo. Que esta crise vai provocar a médio e longo prazo uma alteração na organização da sociedade, porque a autoridade dos Estados é posta em causa, a não ser que os Estados queiram reagir com violência, e acabar com o sistema. Até brincámos a imaginar uma bomba nos servidores informáticos, e em regressarmos à esferográfica, ao papel e ao lápis. A incapacidade total da autoridade dos Estados em controlar de maneira positiva o mundo financeiro começa a ter consequências éticas.”
“As agências de rating servem interesses, sabe-se lá de quem, mas servem interesses, e, caindo no medo de que Portugal não pague o que deve, o que fazem é obrigar-nos a pagar mais, aumentando os juros! As agências de rating agravam a saúde do doente, em vez de lhe darem saúde para poder viver e poder cumprir.”
“Preocupa-me particularmente a Europa, porque está numa fase complicada. À volta da Europa, o mundo muçulmano encontra-se em revolução, e não ficamos indiferentes às convulsões dos nossos vizinhos. Hoje a Europa está cercada por um mundo em ebulição, além de estar fragilizada dentro de si própria.” (nota minha, foi há 12 anos que teve lugar a entrevista, desde então estes problemas agudizaram-se hiperbolicamente).
Nota minha: A entrevista de Dom José Policarpo é brilhante. Tenho pena que todos e cada um dos portugueses não tenham oportunidade de a ler completa. Um autêntico prazer ver a lucidez, a transparência, a humildade, a honestidade intelectual, a total ausência de preconceitos ideológicos, com que este grande Senhor nos descreve as coisas importantes a tomar em consideração, para que o país avance.
Alexandre Soares dos Santos (entrevista a 16 de Abril de 2011)
“Os partidos têm de perceber que o país está acima dos interesses partidários. Há toda uma população portuguesa em sofrimento, e não pode continuar assim. Quer o Governo, quer os outros partidos políticos, que tanto falam no povo, não têm consideração nenhuma por ele, e não conhecem as dificuldades pelas quais está a passar.”
“Os partidos têm de passar a ter líderes, como tinham no passado, com um forte sentido de Estado, e não líderes interessados no poder apenas pelo poder. Existe hoje uma geração de políticos cujas principais características são a irresponsabilidade, a incúria e a mentira. Isto está a dar cabo do maravilhoso pais que é Portugal.” (nota minha, foi há 12 anos que este grande Senhor, entretanto tristemente desaparecido, o disse. Hoje seria muito mais enfático, a situação piorou dramaticamente com a geringonça e a maioria absoluta do PS).
“O Bastonário da Ordem os Advogados devia dizer aos partidos que têm de apresentar como candidatos pessoas competentes, sérias, honestas e com currículo. Sou apologista de que cada candidato a deputado apresente o seu currículo previamente nas listas. Deveríamos saber o que fizeram na vida, para que cada um de nós saiba em quem está a votar.”
“O Presidente da República – o único em quem confio – devia falar para aqueles que eu chamo de acionistas do país, o povo. O povo tem o direito de saber a verdade, e tudo o que se passa no país. Dizem que as contas públicas não podem ser auditadas. Mas porquê? Todos sabem, menos o acionista principal, que é o povo português. O Presidente da República devia informar a nação, pois ele é o único elemento eleito diretamente pelo povo. Devia informar quem o elegeu sobre o estado da nação, coisa que não tem feito ”. (nota minha, problema transversal a todos os que seguiram a Cavaco Silva).
“Seria necessário reformular toda a Administração Pública, criando ambição nos funcionários públicos. Infelizmente os partidos políticos acabaram com os Diretores-Gerais, que passaram a ser figuras dos partidos, sem qualquer experiência. De cada vez que muda o partido, muda também a Administração. Isto não pode ser assim. Temos de ter quadros que façam a sua carreira dentro da Administração, que conheçam os dossiês e que, na falta ou na mudança de um ministro, tudo continue a caminhar.”
Nota minha: Alexandre Soares dos Santos, QEPD, é a par de Belmiro de Azevedo um dos grandes empresários que este país produziu até hoje. Tal como Belmiro, nunca precisou do Estado para nada. Como, contrariamente a Belmiro, nunca se interessou pelas negociatas que foram feitas nas privatizações, nunca tocou em pontos e interesses sensíveis de lobbies e mafias, e portanto nunca teve de enfrentar os demónios do Apocalipse em Portugal, como Belmiro. Como bom empresário preconiza o mérito, a qualidade dos políticos, o diálogo, como condições impreteríveis para o país sair da terrível crise em que estava mergulhado então (e sempre, ainda hoje).
Diogo Freitas do Amaral (entrevista a 18 de Abril de 2011)
Nota minha: Diogo Freitas do Amaral não é uma figura consensual para muita gente, a começar por mim, que o conheci pessoalmente. Não gostei da sua arrogância no trato com as pessoas, sobretudo as mais humildes, como as hospedeiras de bordo no avião da TAP em que voámos juntos, lado a lado, de NY para Lisboa, e muito menos gostei da desonestidade intelectual e oportunismo que o levaram a fazer o percurso do CDS, direita de cariz democrata-cristã, para o PS. Não sei se o que ele diz na entrevista de 2011 é o Freitas do Amaral de 1985, ou o mascarado na pele do PS, a falar. Comentarei a entrevista dele depois de ter oportunidade de ler o que ele escreveu no livro dele em 1985, quase 30 anos antes.
Manuel Carvalho da Silva (entrevista a 19 de Abril de 2011)
“Somos um país soberano, temos órgãos de soberania, temos um Governo, temos um Presidente da República que tem obrigação de estar junto do povo, e de ir explicando a situação que se vive. Os tempos que vivemos são de natural preocupação e medo por parte das pessoas. Uma forma de vencer os receios é conhecer as coisas, esclarecer as situações, e dar confiança às pessoas, mobilizando-as individual e coletivamente. Os nossos governantes, e designadamente o Presidente da República, não têm feito isso.”
“Há que introduzir um conjunto de mecanismos e de políticas concretas nas medidas de recuperação que o país tem de adotar. Para haver crescimento económico precisamos de uma reorientação do crédito que favoreça o investimento, e é impensável que um empréstimo financeiro feito a Portugal continue a ser conduzido pelo poder financeiro. Portugal tem de ter direção política, comando sobre o destino dos empréstimos. Depois há que relançar toda uma dinâmica de desenvolvimento do país. É preciso uma reindustrialização, pegar a sério no setor primário, na indústria, e em serviços úteis. É preciso reequilibrar a relação entre as exportações e as importações. Faz-se um grande enfoque nas exportações, mas isso não chega, é preciso olhar também para as importações.”
“Os grupos económicos e a banca não são uma abstração. Em regra, os grandes acionistas da banca são também os grandes acionistas dos grandes grupos económicos e, em particular, dos grupos de bens não transacionáveis, que são aqueles que têm feito maior acumulação de riqueza. Se formos ver onde foi desaguar o dinheiro dos desvios da orçamentos das obras públicas e de muitos outros licenciamentos, o que resultou da política do cimento armado, das rotundas e das autoestradas, aí percebemos quem são. Era engraçado fazer uma tese de doutoramento que analisasse o número de rotundas que o país tem, e as estratégias de negócio associadas a elas. Era importante ver quem ganhou com os fundos comunitários- alguns evaporaram-se – e com os negócios de desativação do setor produtivo.”
“A minha alternativa de modelo social e económico é uma governação com autoridade ética e moral, que apresente valores, que não minta ao país, que não atue só com taticismo político, como temos assistido…. Com isto não estou a fazer uma proposta de futura rotura com o sistema, mas antes uma proposta de reformas significativas. Eu sei que a burguesia que se apoderou da riqueza é apenas uma parte do problema. Mas algumas dessas pessoas, perante uma governação que tivesse autoridade, que dinamizasse a capacidade dos portugueses num processo de desenvolvimento, que promovesse a participação das pessoas, e respeitasse as suas opiniões, eram capazes de se empenhar na resolução dos problemas.”
“Neste momento o país é alvo de de um processo de roubo internacional. O desvio de riqueza, entretanto, não tem acontecido apenas no plano nacional. Um dos dramas é que deinstalls o roubo legal. Existe uma série de desvios de bens que se fazem dentro da «legalidade». Os grandes roubos tornaram-se e são «legais».” (nota minha, absolutamente lamentável e um péssimo serviço ao país da entrevistadora da televisão pública não ter explorado esta declaração até obter respostas conclusivas sobre uma acusação gravíssima. Não pode ser que Carvalho da Silva acuse o Presidente de não informar o povo, e ele próprio fazer ainda pior).
Nota minha: Chapeau para Carvalho da Silva. Lúcido, despido de preconceitos ideológicos, dialogante, com carradas de sentido comum na análise que faz, e a apontar serenamente caminhos para dar conta do marasmo. A partir da sua gestão da CGTP, a qualidade dos incumbentes no cargo tem vindo a diminuir consideravelmente. O sindicalismo hoje não defende trabalhadores nem o povo (whatever that means today, sociologicamente falando), defende interesses partidários obscuros e privilégios de casta.
António Ramalho Eanes (entrevista a 20 de Abril de 2011)
“Os portugueses são relativamente pacíficos, e só em situações de crise grave tomam atitudes de revolta, ou levam a cabo manifestações inorgânicas. Que esse perigo existe, existe com certeza, sobretudo se os responsáveis, como é seu dever, não conseguirem dar a volta à situação, e fazer com que os portugueses tenham esperança. A sociedade civil tem de gritar.”
“Em política, o diálogo e a predisposição para o diálogo são indispensáveis. Dialogar é comunicar, dar a nossa opinião, mesmo que os outros possam não compreender ou aceitar. Dialogar é, de alguma forma, sensibilizar os outros e, naturalmente, ouvi-los. A democracia autêntica é o regime da civilidade, isto é, da tolerância, entendimento, dialog e o nunca fechar portas”.
“O antigo líder do PCP, Alvaro Cunhal, nunca se recusou a discutir comigo – ou com a Presidência – soluções governativas com as quais discordava inteiramente. Nunca. Devo confessar que muitas vezes os diálogos que Álvaro Cunhal teve comigo interferiram, sensibilizaram-me, e levaram-me a fazer ajustamentos na decisão de ação. E tínhamos posições muito diferentes, antagónicas até. O diálogo é sempre importante, em democracia deve fazer parte das forças envolvidas.”
“Devemos exigir permanentemente a verdade, para evitarmos a demagogia. Quem coloca as pessoas nos governos somos nós. Quem permite que as pessoas sejam demagogas somos nós. Até nos esquecemos de que a demagogia política e a por política que há. Cicero dizia que não é possível corromper um homem sério com dinheiro, mas é possível corrompê-lo com palavras. Portanto a demagogia política é extremamente perigosa. Mas gostamos muito dela, seduz-nos, promete o milagre e esquecemo-nos que o milagre só existe quando trabalhamos.”
“Precisamos de empresários políticos, e não de burocracia política. Temos tido mais burocracia política, d que empresários políticos. O empresário político é o homem capaz de liderar e arrastar os outros consigo, porque tem um grande propósito, uma estratégia realizável, porque diz a verdade, tem competência política, capacidade, condições, caráter e, sobretudo, paciência. E, tendo capacidade de dialogar com a sociedade, deve fazer com que não continue divorciada do poder.”
“Como diz Edgar Morin, para fazer com que a política, que transporta consigo as nossas aspirações, não se engane e não nos engane, exige-se competência, esclarecimento, informação e, naturalmente, uma recusa sistemática da demagogia.”
“O mal de Portugal não é ter muitos sonhadores, é não ser um país que resolva fazer ca dentro aquilo que fez lá fora. Passámos, do final do Império, de um projeto com 500 anos, para a Europa rica. Passámos a viver como se fôssemos ricos e gastámos, não nas necessidades, mas nas aspirações, mais do que seria razoável.”
“ Criámos um Estado Social sem termos mudado o sistema económico, que mostrava enormes sinais de fragilidade e vulnerabilidade. E nós , famílias , cidadãos, começámos a pedir emprestado para satisfazer desejos, quando realmente não o devíamos ter feito.”
“Gostaria de dizer aos portugueses que a situação é muito grave. Nas horas amargas temos de aceitar sacrifícios, e aceitá-los com determinação, trabalho e responsabilidade…. Não podemos permitir mais demagogia política, nem mentiras políticas, devemos exigir empresários políticos, e que os políticos levem para os governos os melhores elementos da sociedade civil.”
Nota minha: Outro gigante da nossa democracia. Sereno, soberano, transparente, honesto, verdadeiro, sabe exatamente o que precisaríamos para resolver os nossos problemas (a tal solução), mas não esteve lá o tempo suficiente para conseguir construir a sua visão de sociedade. O povo português, quando ele começou a falar de seriedade e de trabalho para enfrentar as dificuldades, voltou-se logo para o canto de sereia das cigarras e demagogos dos partidos tradicionais, fazendo desaparecer o PRD da noite para o dia. Saudades.
António Barreto (entrevista a 21 de Abril de 2011)
“Vale a pena recordar o que se passou durante semanas, em que os chefes dos partidos não se falaram, zangaram-se, mentiram, disseram meias verdades e meias mentiras sobre episódios menores, mesquinhos e medíocres, quando o que estava em causa eram coisas muito maiores.”
“José Sócrates foi o pior de todos. Queria governar sozinho e em minoria. Este PS tem uma predileção por governos minoritários. Hoje fazem uma maioria à esquerda, amanhã fazem à direita, depois baralham e dão de novo. Têm gosto nisso. Isto é quase uma delinquência política, não pode ser assim.”
“Portugal está em falência, o Estado português está política e financeiramente falido. De certa maneira está falido até no respeito, pois já ninguém respeita os governantes e as administrações públicas. Temos uma administração que nem sequer previu o vencimento da militares, os vencimentos de uma escola, nem de uma maternidade. Parece que não sabem fazer contas. Parece que são incompetentes. Devem milhares de milhões às farmácias, aos hospitais, às clínicas. Não pode ser.”
“Nunca fui contra a política, mas sou contra os maus políticos. Atualmente estamos a ser governados por muito maus políticos.”
“ A política é das artes mais nobres que existem, é o serviço público, é servir os outros.”
“Os chefes partidários deram cabo da vida política portuguesa.”
“Os políticos não podem tratar as pessoas como animais. Têm que ser tratadas com todo o respeito que merecem, têm de explicar o que se passa, têm de os informar. Se querem sacrifícios primeiro têm de dar o exemplo, devem fazer eles próprios os sacrifícios, mas têm de informar sobre o que querem, podem e devem fazer.”
“O problema é que graças à exigência da disciplina de voto, à ditadura obscena da chefes dos partidos, e graças à eleição direta sem discussão, sem congressos para discutir políticas, os partidos afastaram todas as pessoas que têm um mínimo de dignidade pessoal. Já viu como se vota no parlamento ? É como se fossem uma manada.Levanta-se um grupo de 50, e senta-se um grupo de 50. Já nem se contam os votos, já nem se sabe quantos são a favor, e quantos são contra. É uma pequena manada que se levanta, uma espécie de robots automáticos. Com um sistema político e um parlamento destes, como se pode pedir às pessoas que têm dignidade, inteligência , e seriedade que se submetam como cãezinhos a dar com o rabinho e as orelhas ? Uma pessoa que é profissional, advogado, médico , eletricista , marceneiro, estudante ou artista, tem dignidade própria, não está para se submeter àquela espécie de manada robotizada e automática que se levanta e senta.”
Nota minha: Lucidez, honestidade intelectual, transparência, sentido comum, ética. Hoje continua a pôr o dedo exatamente no ponto G da ferida, sabe exatamente o que é para corrigir, e como, mas os seus ex-colegas de partido estão de tal maneira atafulhados em demagogia primária e em narrativas mirabolantes (muitos pensam já mesmo que as mentiras que dizem são verdade), que não o ouvem.
Jorge Sampaio (entrevista a 25 de Abril de 2011)
“Eu espero que até às eleições se fale em profundidade, sobretudo com moderação, que nada fique escondido dos portugueses, para que estes possam compreender as circunstâncias em que estamos a viver, para que saibam o que e preciso fazer para enfrentar futuro e ultrapassar esta situação. Precisamos de clareza máxima, de sinceridade absoluta e, obviamente, de ausência de crispação.”
“É preciso um rejuvenescimento de todos os partidos politicos. Isto significa que os partidos perderam, ou estão a perder, a capacidade de mediação que é a essência da democracia.”
“Ando a sustentar há anos que temos falta de capacidade de compromisso. Acho que é possível, sem perder uma linha da capacidade ideológica, e sem perder a revitalização de uma democracia que vivendo debate, encontrar, medida após medida, decisões com consenso de dois ou três partidos, ou maioria na Assembleia da República. Digo isto porque não há qualquer política que se sustente sem ter uma base de deputados de apoio, mas tem de ter uma correspondência na sociedade. Se faltar esta base social de apoio, mesmo que com maiorias, elas não se seguram. Obtêm-se uma base social de apoio pela explicação, pelo convencimento, pela mobilização, demonstrando que os sacrifícios valem a pena, que as desigualdades estão a ser atenuadas, que é possível formar mais gente, que é possível criar emprego, investindo mais e dando confiança.”
“Devemos ter uma agenda interna daquilo que devemos fazer para arrumar as coisas pendentes da nossa vida, e que não faz sentido nenhum que continuem pendentes. Por exemplo, não faz sentido continuarmos a ter uma Justiça que funciona mal. Tem sentido continuar sem discutir a sério os problemas de sustentabilidade do SNS, pensando que é através da restrição que se resolvem ? “
“É necessário que a política ocupe o primeiro lugar, e que o poder político não possa ser permeável a influências de corporações muito fortes.” (nota minha, isto estava a ser dito no auge da aparente manipulação escandalosa do governo de Sócrates por parte de Ricardo Salgado, talvez por isso mesmo ).
Nota minha: Um ex-Presidente com um claro cunho ideológico (PS), mas ainda assim honesto intelectualmente. Deu a Sócrates o seu primeiro governo, ao retirar do poder o nefasto “menino-guerreiro” não eleito que sucedeu a Durão Barroso, onde só fez, como é habitual, trapalhadas.
Resumindo e concluindo.
Em Portugal não precisamos de mais livros com contributos para recuperar um país em crise, nem livros com sugestões de soluções milagrosas para tirar o país do fosso, nem mais um observatório disto ou daquilo que seja (são aparentemente mais de 100…). Precisamos é de trabalhar mais, falar menos, e ter coragem política, sobretudo esta. Os problemas estão todos identificados há décadas. Para os resolver só com um acordo partidário muito amplo, pois de contrário ninguém terá a coragem de enfrentar o “partido do Estado”.
Como dizia um dos entrevistados, o “partido do Estado” são 6 milhões de portugueses. Desempregados, reformados e funcionários públicos são 6 milhões, todos a receber dinheiro do Estado. Não há governo que se atreva a tocar nisso. E por isso só com um acordo de regime. Com a crispação atual e a falta de diálogo, o país continuará adiado, e os livros com soluções milagrosas continuam a ser escritos, década após década, a repetir tudo aquilo que sobejamente sabemos e não temos a coragem de enfrentar. Se não fosse pela pandemia, e pelo maná de fundos comunitários que vieram a seguir, podem escrever na pedra que já estaríamos novamente de mão estendida para uma qualquer delegação do FMI / Troika.
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