Joana Damião Melo: “As pessoas que mais me marcaram na carreira foram fundamentais para eu abrir o Senhora da Rosa”

Joana Damião Melo é coproprietária e diretora do Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel, que fica em São Miguel, a maior ilha dos arquipélago dos Açores. Depois de 18 anos de experiência em grandes cadeias internacionais e também em unidades independentes e familiares, sentiu-se pronta para lançar um projeto próprio na quinta que é da família há mais de dois séculos.

Joana Damião Melo é coproprietária e diretora do Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel.

Joana Damião Melo é a fundadora e responsável pelo Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel. A quinta pertence à sua família há várias gerações, desde os tempos em que, no século XVIII, era conhecida pelas laranjas que produzia. Isto antes da praga que atacou a herdade e que viria a dizimar toda a produção, e que os obrigaria a voltarem-se para a produção de ananás. Depois de uma carreira em que passou pelo Westin Palace, em Madrid, pelo Sheraton, em Lisboa, pelo Martinhal, em Sagres, e pelo Penha Longa, em Sintra, Joana Damião Melo não resistiu ao apelo de lançar o seu hotel, usando toda a experiência que já reunira. A decisão foi tomada em 2017, mas a burocracia e a pandemia só permitiram que o Senhora da Rosa abrisse portas em abril de 2021. Com pouco mais de um ano de atividade e apesar da dificuldade em atrair e reter recursos humanos, o balanço é positivo.

Para tal não é alheio que o Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel reconcilie uma quinta do século XVIII com o meio envolvente, abrindo-a ao mundo para que possamos mergulhar na fauna e flora da ilha, numa atmosfera confortável e de bom gosto. Com mais de 3 hectares de quinta, e com 200 anos de história, é o cenário perfeito para uma estadia em plena comunhão com a natureza, e com a própria ilha. Para completar a essência de hotel de charme, o Senhora da Rosa conta com os restaurantes Magma e gastrobar Mirante Rooftop, que procuram acompanhar gastronomicamente o desenvolvimento da região, e reunir o melhor das nove ilhas do arquipélago. Respeitando e valorizando as raízes e a origem territorial, com produto 100% nacional maioritariamente regional, o chef João Alves estabelece uma ligação estreita entre as várias ilhas e os produtos e produtores de São Miguel.

 

Quando decidiu que iria dinamizar a quinta que pertence à família há tantos anos e como se preparou para isso?

A decisão surgiu em 2017.  Nesta altura, tinha aberto na ilha um alojamento local com dois apartamentos, um deles foi bastante falado por ser um projeto inovador e alvo de muitas visitas. E foi durante uma visita com uma entidade oficial que surgiu a pergunta de “porque não recupera a Senhora da Rosa?”. Foi o “clique” necessário para me fazer avançar nesta aventura. Com a ajuda do meu pai, que foi um grande pilar neste projeto, o objetivo passava por recuperar o património de família que já tinha sido um hotel entre 1994 e 2011. Numa primeira fase pareceu-me “um pouco utópico”, mas a ideia de recuperar o que a meu ver tinha imenso potencial, fez-me entrar neste desafio. Foi uma aventura completamente nova, imprevisível e confesso que não há preparação possível, pois é um mundo totalmente novo (todo o processo burocrático, a necessidade de ser assessorada por várias pessoas, a parte do financiamento bancário) e naquela altura não tinha essa consciência.  Sem dúvida, que se agora tivesse um novo projeto faria muita coisa diferente, pois aprendemos muito com os nossos erros e com os imprevistos que surgiram ao longo dos quatro anos.

Quais eram para si os requisitos mais importantes a ter em conta neste projeto e quanto tempo demorou a concretizá-lo?

Foram necessários dois anos até conseguirmos o imóvel, de 2017 a 2019, mas até adquirir o mesmo, a candidatura ao “Açores 2020” tinha que estar aprovada e a mesma não era aprovada enquanto o imóvel não fosse nosso, ou seja, como se diz em bom português – “pescadinha de rabo na boca” – tínhamos, portanto, que ter alguns mecanismos de defesa para avançar neste processo, sem grandes custos financeiros, caso o mesmo não avançasse. Era necessária uma auto-motivação constante. No início de 2019 conseguiu-se a aprovação do financiamento e um mês e meio depois avançamos para a escritura. Em maio começaram as obras do projeto do arquiteto Paulo Vieitas, que inicialmente seriam expectáveis durar 15 meses, mas, entretanto, surgiu a pandemia. Esta situação inesperada e vivida mundialmente colocou em risco a abertura e trouxe novas formas de trabalhar, e tivemos que nos readaptar. Em abril de 2021 o hotel abriu finalmente após uma obra de 22 meses, contando com uma equipa de 18 pessoas, algumas das quais vieram de fora para abraçar este novo projeto com as suas famílias, e, portanto, existia do nosso lado um compromisso com esta equipa de manter e levar para a frente a abertura da Senhora da Rosa. O primeiro ano foi desafiante, em plena pandemia, houve a necessidade (quase diária) de nos adaptarmos às circunstâncias do momento porque vivemos tempos de grande imprevisibilidade.

Como é que se consegue colocar uma nova unidade hoteleira, como o Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel no mapa?

É bastante positivo termos esse reconhecimento, sobretudo por ser um projeto ainda muito recente e sem nenhuma marca associada. A área de Vendas & Marketing é uma área que iniciei antes da abertura do Hotel, a qual juntei posteriormente mais duas pessoas. Definimos a nossa estratégia no âmbito nacional e internacional e acreditamos ter o network e background necessário para potenciar a promoção da Senhora da Rosa.

Paralelamente ao trabalho comercial e de marketing, existe também todo um motor de comunicação e relações públicas. Aqui trabalhamos com uma agência de comunicação especializada na nossa área, sediada em Lisboa, que nos acompanha e posiciona de forma a atrair os meios de comunicação social ao nosso hotel e permitindo que conheçam o nosso produto nas mais diversas áreas, porque a Senhora da Rosa, tem muito conteúdo para ser comunicado.

 

“Temos muito orgulho em realçar e promover o que a nossa ilha tem de melhor”

O Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel está integrado numa quinta.

O Senhora da Rosa, Tradition & Nature Hotel está integrado na quinta. da família

Qual o balanço que faz do primeiro ano de atividade? 

Apesar de 2021 não ter sido um ano completo para nós, pois contámos apenas com os meses de abril a dezembro, teve um saldo bastante positivo. Abril e maio foram os meses de abertura e com os efeitos da pandemia foram naturalmente fracos, mas a partir de maio fomos sentido melhorias mês após mês e depois com a quebra habitual em novembro e dezembro, mas com a casa cheia no fim de ano.

Relativamente a 2022, o primeiro trimestre do ano foi aquém das nossas expectativas, pois ainda existia um impacto considerável da pandemia e os mercados retraíram-se. Já no segundo e terceiro trimestre recuperámos e superamos os nossos objetivos, e neste momento, já atingimos a nossa expectativa anual. Tem sido um ano desafiante, mas com muito procura. Consideramos dois grandes desafios: a falta de mão de obra e falta de mão de obra especializada, que são dois temas distintos, complementares e preocupantes. Em suma, do ponto de vista financeiro o balanço é positivo, apesar de termos aberto com um ano de atraso. As expetativas futuras são de continuar a crescer tanto em ocupação, como em preço médio, tentando atenuar ao máximo a sazonalidade. Em termos de experiência/feedback, os clientes que reservam a Senhora da Rosa, têm a plena consciência deste tipo de experiência, pois procuram-nos tanto pela componente da natureza a que o hotel se associa ou por pretenderem um hotel mais pequeno, com um ambiente acolhedor e cozy. Por este motivo, a experiência torna-se bastante positiva. Claro que ainda existem alguns pormenores a afinar, como em todos os novos projetos, tendo como chancela o que resulta bem ser potenciado e o que está menos bem deve ser alterado e encontradas novas soluções.

Qual a importância da sua unidade hoteleira no tecido económico e social local?

A nível geográfico, somos o primeiro hotel nesta zona da cidade de Ponta Delgada – Fajã de Baixo -, muito conhecida por ser uma zona de plantações de ananases, reforçando assim o nosso conceito de valorização pela tradição e natureza da nossa ilha. Relativamente à importância desta unidade hoteleira no âmbito do tecido económico-social local, neste momento, contamos com uma equipa de 34 pessoas, com as quais diariamente nos preocupamos com o seu desenvolvimento da sua carreira (e também indiretamente às suas famílias) ao longo do seu percurso na nossa empresa. Por outro lado, trabalhamos com parceiros locais que fornecem 95% dos nossos produtos, e a grande maioria são produtos de origem local, uma vez que temos muito orgulho em realçar e promover o que a nossa ilha tem de melhor. Para além desta preocupação com a economia da região dos Açores, somos ainda uma empresa com uma preocupação premente no que respeita a causas sociais – por exemplo, no Natal passado, em conjunto com a Junta de Freguesia local, angariámos brinquedos e participámos na recolha de bens alimentares para famílias carenciadas, com o objetivo de integrar com regularidade e fomentarmos este tipo de ações sociais a nível local.

O que de mais importante aprendeu nas suas experiências anteriores que aplica hoje na sua unidade?

Se não tivesse feito o percurso profissional que fiz não estaria aqui. Olhando para trás, sem dúvida que as pessoas que mais me marcaram na minha carreira foram fundamentais para eu abrir o meu próprio projeto e chegar até aqui. É curioso identificá-las porque na altura não nos apercebemos da importância que certos momentos e pessoas têm. As minhas passagens por duas grandes cadeias internacionais americanas tornaram-se essenciais para a minha formação, tendo sido, uma grande escola; fazer parte de projetos mais independentes e mais familiares, em diferentes partes do país e ter estado uma temporada no estrangeiro também ajudou a “formar-me” enquanto pessoa e profissional. Todas estas experiências foram muito enriquecedoras, dando-me as ferramentas essenciais para enfrentar os desafios e obstáculos colocados neste projeto.

 

“Enfrentamos o grande desafio da falta de recursos humanos tanto a nível regional, nacional e internacional”

Quais os principais desafios que enfrenta hoje como proprietária e diretora de um hotel como o seu?

Atualmente enfrentamos o grande desafio da falta de recursos humanos tanto a nível regional, nacional e internacional. O nosso objetivo para 2023 passa por reduzir a rotação de colaboradores, bem como, reter o talento, para que possamos contar com as pessoas que têm valor acrescentado e crescermos em conjunto. Neste momento, o que vemos é uma grande inquietude no sistema, alguma falta de interesse em trabalhar neste setor e uma enorme rotação principalmente durante a época alta, e para o empresário traduz-se em algo muito duro e preocupante, uma vez o nosso mercado local é muito reduzido. Neste momento estamos focados em reunir as condições necessárias para criar uma equipa coesa, motivada e unida, dando formação personalizada nas diferentes áreas, retendo talento e criando uma “academia” para dar formação regular e contínua. O objetivo passa por corrigir problemas atuais e prepararmo-nos para os anos seguintes, criando oportunidades atrativas para as novas gerações que estão a entrar no mercado de trabalho e que têm necessidades, visões e preocupações diferentes. Desta forma, é prioritário que os empresários hoteleiros conheçam e tentem perceber este novo perfil de colaborador.

E quais os seus planos para o futuro?

Existe uma preocupação continua e diária para continuar a aperfeiçoar o nosso serviço e produto e trazer inovação para algumas áreas. À posteriori, eu e os meus sócios, queremos expandir o projeto de outras formas, existindo, desde já, algumas ideias em carteira, mas terá de ser analisado, estudado e ponderado. Para o próximo ano temos a noção que poderão surgir ainda alguns momentos de imprevisibilidade, causados pela crise económica que se avizinha, pelo que será preciso aguardar e perceber se devemos ou não avançar em novas aventuras e desafios.

 

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