Isabel Veiga: “A luta contra a malária é uma necessidade”

A investigadora Isabel Veiga iniciou-se no combate à malária na Suécia, mas foi o exemplo de uma grande cientista portuguesa que a fez regressar ao seu país. Hoje lidera a sua equipa de investigação no ICVS, em Braga, com o objetivo de encontrar um fármaco capaz de pôr um ponto final à doença que continua a matar milhares de pessoas.

Isabel Veiga divide-se entre a investigação e a procura de fundos para remunerar a sua equipa.

Isabel Veiga, investigadora no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS), na Universidade do Minho, é o exemplo de que como é fundamental aproveitar as oportunidades, mesmo quando não se tem a certeza de se estar preparada para elas. Agarrou uma oportunidade de fazer o trabalho de fim de curso na Suécia quando mal falava inglês, e a verdade é que isso mudou a sua vida. Não só se dedicou ao trabalho de corpo e alma, como pediu para participar em outros projetos que estavam a acontecer no laboratório onde trabalhava e no final, recebeu um convite para voltar assim que terminasse o curso de Engenharia Biotecnológica, no Instituto Politécnico de Bragança.

A investigação no combate à malária entrou na sua vida por acaso, mas colou-se-lhe como uma segunda pele. Ver como a doença afeta as crianças foi uma experiência que lhe deu a certeza de que era nesta área que queria trabalhar. Depois de 8 anos a fazer investigação na Suécia – onde entretanto se doutorou – um encontro casual voltou a mudar a sua vida. Cruzou-se com Maria Mota, cientista que se tem dedicado também ao combate à malária, e percebeu que afinal era possível fazer investigação em Portugal que fosse reconhecida no resto do mundo.

Isabel Veiga voltou ao seu país e está a dar os primeiros passos como líder da sua própria equipa. E não começa mal, pois este ano foi uma das cientistas que receberam a Medalha de Honra da L’Oréal para as Mulheres na Ciência. Um prémio de 15 mil euros mas que pode valer muito mais do que isso com a visibilidade que deu ao seu trabalho, e que Isabel Veiga muito precisa para se poder concentrar naquilo que mais gosta de fazer. Falámos com a investigadora de 35 anos no Women Summit, no Porto, onde foi uma das oradoras. 

Fez uma forte aposta na sua formação ao fazer o seu doutoramento no estrangeiro. O que a levou a fazer essa opção?
Foi uma aposta forte que não teria sido possível sem o apoio dos meus pais. O doutoramento no Instituto Karolinska surgiu de uma oportunidade não desperdiçada quando eu ainda estava no curso de Engenharia Biotecnológica no Instituto Politécnico de Bragança. Foi-me dada a possibilidade de fazer o meu projeto de fim de curso no Karolinska, e eu aventurei-me um bocado a medo, pois mal falava inglês, quanto mais sueco!

A verdade é que me esforcei bastante para realizar o trabalho destinado ao projeto e ainda tive a ambição de pedir para participar em outros projetos paralelos. No final, o meu chefe sueco pediu-me para voltar à Suécia para concluir os outros projetos em que me envolvi e foi o que fiz quando finalizei o meu curso. Acabei por ficar lá a tirar o doutoramento.

A Professora Maria Mota foi quem me fez acreditar que é possível fazer investigação em Portugal e que eu não deveria ter receio de voltar ao meu país e formar o meu próprio grupo.

Porque escolheu esta área de investigação?
O laboratório onde fui inserida no Instituto Karolinska trabalhava já em malária, por isso não foi propriamente uma escolha, mas a verdade é que gostei imenso desta área. O gosto e a motivação foram crescendo à medida que investigava mais. No início do meu doutoramento tive uma experiência que me marcou profundamente, que foi o meu primeiro contacto com crianças de menos de 5 anos com malária e malária severa (malária cerebral que pode levar a coma). Isso motivou-me ainda mais a não me desleixar na investigação porque percebi que a luta contra esta doença é uma necessidade.

Isabel Veiga no seu laboratório.

Teve alguém que a inspirasse a seguir esta área?
Sim. Estava eu no meu segundo ano de doutoramento quando conheci numa conferência internacional de malária na Austrália a Professora Maria Mota que trabalha neste momento no IMM em Lisboa. Ela sempre me inspirou no sentido de ser reconhecida mundialmente pelo seu trabalho que é realizado em Portugal. Por isso posso dizer que foi a pessoa que me fez acreditar que é possível fazer investigação em Portugal e que eu não deveria ter receio de voltar ao meu país e formar o meu próprio grupo.

Qual o objetivo da sua investigação?
Uma das razões pela qual a malária ainda provoca a morte a quase meio milhão de pessoas por ano é o facto do parasita conseguir desenvolver estratagemas para escapar à ação dos fármacos usados, ou seja adquirir resistência pondo em causa a eficácia do tratamento. A minha investigação consiste em estudar os mecanismos moleculares que o parasita desenvolve que lhe permitem sobreviver aquando exposto à ação do fármaco usado na terapia contra a malária. Ou seja, o objetivo aqui é encontrar mutações no parasita que nos permitam prever a eficácia do tratamento (o que se chama de marcador molecular de resistência). Assim sendo estes marcadores têm grande potencial como ferramenta de diagnóstico molecular da doença que permitirá a orientação dos médicos para uma terapia personalizada e mais eficaz.

Um facto preocupante hoje é que não há neste momento fármaco alternativo se o tratamento atual no combate à malaria começar a falhar. No meu laboratório cultivamos parasita em glóbulos vermelhos humanos (uma colaboração que temos com o Hospital de Braga que nos fornece sangue de dadores saudáveis) e geramos parasitas geneticamente modificados que permitem ser usados como ferramenta de estudo para perceber o impacto de alterações genéticas (mutações) em novos fármacos em desenvolvimento, prevendo a sua eficácia e longevidade antes de ser recomendado para tratamento.

Os principais desafios na minha profissão são a precariedade do trabalho e a falta de fontes de financiamento para projetos de investigação.

Qual o seu maior sonho enquanto investigadora?
O maior sonho na área que investigo era realmente encontrar o fármaco ou a conjugação de fármacos perfeita que conseguisse eliminar esta doença mundialmente. O sonho mais prático do dia a dia é conseguir transmitir aos meus estudantes investigadores o gosto pela investigação e proporcionar-lhes o melhor ambiente de trabalho, incluindo liberdade de seguirem os seus próprios instintos sobre o que fazer no laboratório. Mas para isso é preciso um fundo de maneio monetário tanto a nível de salários como para gastos laboratoriais que ainda não alcancei.

Quais os principais desafios que enfrenta na sua profissão?
A precariedade do trabalho e a falta de fontes de financiamento para projetos de investigação. A constante submissão de candidaturas para poder ter um salário, para mim e para os que trabalham comigo (seja bolsa de investigação seja contrato). Esta preocupação permanente para encontrar possíveis fontes de financiamento a que me possa candidatar para projetos de investigação é sem duvida muito mais difícil do que o que presenciei nos 8 anos que estive na Suécia, por exemplo.

Em que medida o prémio que lhe foi atribuído pela L’Oréal pode mudar na sua vida?
Acima de tudo, deu-me visibilidade. No mundo tão competitivo, onde se inclui também a área de investigação, este reconhecimento destacou-me num meio repleto de bons investigadores.

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