Igualdade Salarial: um compromisso inadiável

Joana Pinto, senior legal counsel na Accenture Portugal, defende que o pay gap persiste por falta de vontade coletiva para corrigir práticas injustas e enraizadas: "Aqui estamos, em 2024, confrontados com a realidade de que as mulheres, simbolicamente, irão 'trabalhar sem retribuição' até ao final do ano. Este conceito desafia tudo o que aprendi sobre igualdade e justiça, refletindo uma sociedade que ainda não integrou plenamente esses valores."

Joana Pinto é senior legal counsel na Accenture.

Joana Pinto é senior legal counsel na Accenture Portugal, onde integra o Comité Executivo e advogada especializada em Regulação Digital e Direito das Tecnologias, negociação e gestão de contratos no setor tecnológico. É ainda mentora na C-Level Mentorship Academy. Licenciada em Direito pela Universidade Católica de Lisboa, com pós-graduação em Direito das Telecomunicações (Universidade de Coimbra) e em Direito Público (Universidade de Lisboa), foi jurista na Capgemini e Sonaecom, e assessora jurídica no Ministério da Administração Interna (XVI Governo Constitucional). Foi reconhecida pelo The Legal 500 e Iberian Lawyer.

“Desde cedo, aprendi que o valor do intelecto transcende o género. Foi da família que recebi os primeiros e mais claros exemplos de que mérito e capacidade não dependem do género e que este fator não limita o nosso potencial. Fui educada a entender que a capacidade de pensar, criar e liderar é igual entre homens e mulheres, e que a igualdade não deve ser um conceito abstrato, mas sim uma prática quotidiana.

No entanto, aqui estamos, em 2024, confrontados com a realidade de que as mulheres, simbolicamente, irão “trabalhar sem retribuição” até ao final do ano. Este conceito desafia tudo o que aprendi sobre igualdade e justiça, refletindo uma sociedade que ainda não integrou plenamente esses valores. A questão não está na competência feminina, mas na falta de vontade coletiva para corrigir práticas injustas e enraizadas.

 

Um progresso (ainda) insuficiente

A discussão sobre igualdade salarial precisa de ir além da empatia, exige reforço de medidas efetivas. Portugal tem dado passos importantes na promoção da igualdade salarial, com a implementação de políticas e medidas que têm vindo a evoluir ao longo dos anos: a Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 13.º, o princípio da igualdade, reforçado pelo Código do Trabalho, que proíbe expressamente qualquer forma de discriminação. Adicionalmente, a Lei n.º 60/2018 introduziu medidas relevantes para reduzir as diferenças salariais, promovendo maior transparência nas políticas de remuneração. O “Selo da Igualdade Salarial” concedido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE), reconhece organizações com pelo menos 1/3 de trabalhadores do género menos representado e uma taxa de desigualdade salarial ajustada entre -1% e 1%, incentiva boas práticas de equidade.

No entanto, apesar da base sólida estabelecida pela CRP e dos avanços alcançados, o progresso não têm sido suficiente para eliminar o gap salarial. É necessário um compromisso mais robusto e sustentado por parte das organizações e governo para promover uma justiça social eficaz.

Exemplos bem sucedidos de outros países demonstram que mudanças mais efectivas são alcançáveis com políticas eficazes, bem estruturadas e sustentadas por fiscalização rigorosa.

No Canadá, avaliações de impacto de género nas políticas públicas, realizadas antecipadamente, têm mostrado resultados positivos. Estas avaliações ajudam a prever os efeitos das políticas sobre diferentes grupos, permitindo ajustes para evitar desigualdades e promover a equidade.

A União Europeia tem avançado com propostas legislativas que exigem transparência salarial e igualdade de remuneração como critérios para a participação em procedimentos de contratação pública. A implementação destas medidas, não só incentiva as empresas a adotarem práticas mais equitativas, mas também eleva os padrões éticos do mercado, promovendo a competitividade das organizações que integram esses princípios nas suas políticas.

No contexto corporativo, assumir compromissos públicos para eliminar a desigualdade salarial pode fortalecer a cultura organizacional, consolidar a credibilidade institucional e criar um diferencial competitivo sustentável. Empresas que promovem práticas equitativas ganham a confiança de clientes, colaboradores e parceiros, destacando-se como líderes éticos e responsáveis.

A formação de decisores sobre vieses inconscientes, já implementada em diversas organizações, desempenha também um papel crucial na promoção de mudanças culturais, ajudando a identificar e mitigar preconceitos que perpetuam desigualdades estruturais. No entanto, para que essa sensibilização seja realmente eficaz, ela deve ser complementada por práticas que assegurem decisões mais justas e objetivas, como por exemplo o recrutamento anónimo (‘blind hiring’).

Estudos demonstram que a eliminação do viés implícito, através da ocultação de informações como nome, gênero, idade e origem dos candidatos nas fases iniciais do processo seletivo, tem resultado em um aumento significativo da representatividade feminina em posições de liderança, especialmente em setores tradicionalmente dominados por homens. Este incremento na presença feminina em cargos estratégicos contribui diretamente para a redução da disparidade salarial entre os gêneros, uma vez que maior representatividade feminina tende a promover uma distribuição salarial mais equitativa. Esta prática estabelece um ciclo virtuoso, reforçando a equidade em todas as etapas do processo profissional, desde a contratação até a promoção.

 

Um compromisso colectivo para o futuro

Ou seja, não precisamos de reinventar a roda. Se forem seguidas as boas práticas já implementadas com sucesso noutros contextos, adaptando essas soluções ao contexto português, podemos acelerar o processo e alcançar resultados positivos de forma mais rápida e eficaz.

A construção de uma sociedade onde o género não seja um fator limitador é uma responsabilidade colectiva que exige compromisso, fiscalização e, acima de tudo, a determinação de fazer o que é certo. A igualdade salarial não é apenas uma questão de remuneração. É, antes de mais, uma questão de dignidade, justiça e valorização do potencial humano, assente na convicção de que não devemos aceitar menos do que aquilo que é justo.

 

 

 

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