Não há muito tempo, na mesma sala que era de reuniões na Procter & Gamble (P&G) e agora serve os mesmos fins na Fullsix, realizou-se um encontro de “ex-Procters”. No primeiro andar do mesmo edifício esteve instalada logo nos primeiros tempos a Microsoft. Todas elas têm um denominador comum: em todas trabalhou, e numa delas ainda trabalha, Filipa Caldeira, a CEO da Fullsix Iberia, uma empresária empreendedora, apaixonada pelo marketing, que começa por recordar com um largo sorriso estes factos. O seu percurso profissional podia traçar-se por uma simples linha contínua, mas isso não é bem assim.
Na altura em que Filipa Caldeira decidiu mudar o rumo profissional e entrar no desconhecido mundo do marketing digital ainda nem havia facebook ou youtube. Foi uma aventura, confessa a partner da Fullsix Iberia. Mas ao fim de alguns anos como Brand Manager na Procter & Gamble (P&G), achou que já tinha feito muito nesta área e queria percorrer um caminho diferente. Nessa altura tinha autonomia no trabalho que desenvolvia, depositavam total confiança nela, “falava nas reuniões como falava um CEO da empresa”, mas queria mudar e partiu para outra.
Quando apostámos no marketing digital não havia Google, nem Youtube, nem Facebook!
Com o atual sócio Pedro Batalha, de quem também fora colega na P&G, definiram o novo trajeto, pensando sempre a partir de um pressuposto fundamental: “O que é que gostamos de fazer?”. Marketing, foi a resposta imediata. Tinha sido a vida dos dois até aí. Mas Filipa Caldeira sabia que este mercado estava a mudar e que havia espaço para inovar. Regressou ao país e, apesar de enveredar por uma área ainda desconhecida – quantas vezes lhe perguntaram nas reuniões o que era isso do ‘banner’ -, apostou no digital. Desafiar-se profissionalmente está-lhe no sangue.
Lidera há 15 anos a Fullsix Portugal, e mais recentemente a Fullsix Iberia, agências pioneiras no digital que conjugam muito bem esta área com a da criatividade. É um grande desafio trabalhar num mercado sempre com tanta mudança?
É um enorme desafio! Basta pensar que quando começámos não havia ainda Google, nem YouTube, nem Facebook! Ou seja, os sites que definem hoje a internet não existiam.
Teve o privilégio de acompanhar e participar em importantes evoluções nesta área…
Quando eu, o Pedro Batalha e o Nuno Moreira nos lançámos no marketing digital, já na altura acreditávamos que o digital era o caminho a seguir. Foi em finais dos anos 1990, a internet começava a dar que falar, e lançámos a Be Interactive, uma agência de marketing interactivo. Quando tínhamos reuniões para nos apresentarmos tínhamos de explicar tudo, porque ainda era tudo novidade! Em 2001 a empresa passou a pertencer ao grupo Fullsix, que comprou 51% do capital da Be Interactive.
Entrar neste meio foi uma aventura que teve a vantagem de sermos os primeiros a saber algo que a maior parte das pessoas não sabia, com a desvantagem de termos passado por um processo de evangelização demorado, até convencermos as equipas de marketing que era melhor começarem a aprender sobre estes novos meios, que teriam impacto no futuro das marcas. Ainda me lembro de entrar na TMN, em 2001, e estar a tentar explicar o que fazia e alguém do departamento de marketing perguntar admirado: “Banners? Vocês fazem isso? Então podem fazer um?”. Mas tivemos de bater a muitas portas.
Cheguei a ter uma aldeia de pescadores em Inglaterra a testar o produto durante meses.
A Be Interactive foi o seu projeto por conta própria?
Sim, começou em setembro de 2000 com um primeiro projeto que marca tudo o que foi feito na área do digital e no mundo da televisão: o primeiro Big Brother (o do Zé Maria). O programa era transmitido em live stream, com presença de câmaras dentro da casa, e o site estava sempre a ir abaixo.
A primeira ação da Be Interactive consistiu em pre-rolls antes de arrancar a transmissão do streaming no site. O cliente foi o champô Linic (da Lever, ironia do destino! dois ex – colaboradores da P&G a trabalhar para o maior concorrente até então!). Os vencedores do passatempo montado na internet podiam visitar os corredores da casa do Big Brother.
A partir daí ganhámos dimensão. Fizemos projetos para a Media Capital, que estava a lançar o portal IOL, para a TMN, o McDonald’s, Super Bock.
Mas anteriormente, trabalhara na Microsoft e na Procter & Gamble. Como foi trabalhar em mercados tão distintos?
A tarimba que a P&G me deu foi fundamental para seguir o meu percurso. Trabalhei no grande consumo, com as marcas Tide e Ariel, e isso deu-me os melhores conhecimentos para me desenvolver mais tarde. A P&G é uma excelente escola de marketing. Na Microsoft trabalhei menos tempo, entrei enquanto estudava na Católica, e percebi que as novas tecnologias também me interessavam muito.
Quis logo aprender com os grandes…
E aprendi imenso! Estive quase dois anos na P&G em Bruxelas onde desenvolvi um trabalho quase revolucionário, um projeto fantástico. Era Euro Brand Manager da marca Ariel e desenvolvi e lancei na Europa as primeiras tablets, as pastilhas para a máquina da roupa. E foi muito giro desenvolver um produto desde o início.
Pela primeira vez a Lever tinha sido mais rápida e lançou em Inglaterra as pastilhas para a máquina e a P&G sentiu-me um bocado para trás. Mas foi por poucos meses. Testámos tudo o que tinha influência no processo de compra. Na P&G é assim, testa-se tudo! Se a pastilha era quadrada ou retangular, se era azul, amarela ou cor de rosa, o cheiro, o perfume, tudo. Cheguei a ter uma aldeia de pescadores em Inglaterra a testar o produto durante meses. Depois deste trabalho decidi sair da Procter. Já não tinha mais nada a fazer ali. Check! Estava feito.
Em Bruxelas é-se muito mais eficiente. As reuniões têm hora de princípio e de fim, respeitam-se os horários e isso dá mais qualidade de vida.
O que destaca da sua experiência em Bruxelas?
Senti que em Bruxelas se é muito mais eficiente a trabalhar, que trabalho é trabalho, não se perde tempo, não se começa uma reunião e se está 10 minutos a falar dos filhos ou do cão. Isso não existe lá. As reuniões têm hora de princípio e de fim, respeitam-se os horários e isso dá mais qualidade de vida. E os colaboradores têm mais autonomia. Eu adorei o trabalho que ali desenvolvi.
O que ambicionava logo que terminou o curso de Gestão?
Queria trabalhar no marketing, queria construir marcas. Naquela altura isso ainda passava por fazer só anúncios de TV, promoções, ter resultados, ver as pessoas a comprar o produto. Era esse mundo que me motivava. Mas comecei por trabalhar na Microsoft, ainda no curso de Gestão da Universidade Católica – em part-time e em full-time nas férias. Só depois é que fui para a P&G.
Mais tarde interessou-se por uma área pouco feminina, a área digital e a programação…
Sim, mas agora na Fullsix acredito que estejamos 50-50. Na programação não, são 38 homens e 2 mulheres. Mas na área dos accounts, do marketing e do contacto com o cliente ainda agora recrutámos um homem. Eu tive que dizer “preciso de homens, se faz favor!”. Ali são 30 mulheres.
Entretanto, tive um franchising na área da restauração, de comida mexicana!
Quando tive o franchising de fast food apesar de ter idade para ter toda a energia do mundo, aquilo consumia-me muito.
Um negócio de fast-food?
Sim, eu e o meu sócio Pedro Batalha, no percurso entre a P&G e a Fullsix montámos um negócio de fast-food, paralelamente ao trabalho na Be Interactive, com cinco lojas nos principais centros comerciais do país. Mas percebemos que não gostávamos de fazer aquilo. Não queríamos gerir comidas, gerir escalas e fornecedores. O negócio serviu para percebermos o que não queríamos fazer.
E voltou às multinacionais?
Gosto muito de marketing e de novas tecnologias e queria focar-me numa área de que gostasse muito, porque só assim se aguentam ritmos de trabalho exigentes, uma entrega total e nesta área as mudanças são constantes. Como é possível acompanhá-las bem se não se gosta mesmo do que se faz? Por vezes até tenho vontade de dizer: “Parem de mudar o Facebook, o Instragram, parem de inventar mais coisas!”.
Em finais de 2001 deram-se mudanças grandes na Be Interactive. Passou a pertencer ao grupo Fullsix, que nos comprou 51% do capital. Desde que a Fullsix Espanha abriu portas, há 10 anos, eu passei a CEO para o mercado ibérico.
MULHER DE DESAFIOS
Desafiar-se está-lhe no sangue, por isso não é de estranhar que o desporto seja outra das paixões de Filipa Caldeira, que aos 18 anos quis ser jogadora profissional de ténis. Não se profissionalizou mas arrecadou vários prémios. Em dezembro de 2015 foi campeã europeia de padel. “Tenho de pedir ao presidente Marcelo para condecorar a minha equipa!”, diz divertida, mas também orgulhosa deste feito desportivo. Porém, e apesar de não querer continuar a competir – uma lesão acabou-lhe com esses planos – os grandes desafios vão continuar, pelo menos na sua vida profissional, com a recente aquisição da Fullsix por parte do grupo Havas é o mais imediato.
O ADN da Fullsix é mais digital, informático mas também criativo?
A Fullsix é uma agência de publicidade mas a publicidade também mudou radicalmente. Não gosto muito de falar em marketing digital porque hoje o digital é o centro do que fazemos, tanto que não faz sentido falar em separado. Uma marca tem de pensar na estratégia que quer comunicar em termos de conteúdo e depois pensar em como o vai distribuir. Digitalmente mas também em televisão, outdoors, imprensa. Em online e offline.
Esta tendência hoje é quase uma realidade. Por isso, a Fullsix concorre com qualquer agência de publicidade tradicional mas também faz plataformas e sites e concorre com empresas de desenvolvimento destas plataformas. Temos esta versatilidade que uma agência de publicidade tradicional não tem.
Como está a correr o recente “casamento” com a Havas?
Bem. Eles perceberam que na Fullsix somos empreendedores e dão-nos liberdade e autonomia. Não nos sentimos engolidos por um gigante.
Teria chegado tão longe se não descobrisse o que gostava mesmo de fazer?
Não, e acho que é uma sorte conseguirmos perceber o que gostamos mesmo de fazer. Quando tive o franchising de fast food apesar de ter idade para ter toda a energia do mundo, aquilo consumia-me muito. É quase inexplicável mas entra-se num nível de esforço tal que para tentar alcançar algo é esgotante, mas se se quiser fazer o mesmo esforço em algo de que se gosta faz-se muito mais facilmente.
Há muitas pessoas na Fullsix que não têm licenciatura. Interessa-me mais ver a curiosidade inata para as novas tecnologias.
O que é necessário para as raparigas escolherem a área digital e da programação?
Não tenho resposta para isso. Passo a vida a dizer que são precisas mulheres na programação. Acho que tem a ver com os skills inatos de cada sexo. A área da engenharia de programação, eles chegam aqui e estão de headphones a olhar para o computador com dois ecrãs e passam o dia inteiro a teclar bits e bytes. A área de account é totalmente diferente. Exige contactos ao telefone, trabalho de relações públicas, pede mais a parte de inteligência emocional.
Mas no seu caso escolheu a digital…
Sim, mas não faço programação. Mas é verdade, se comecei por ir para a Microsoft é porque essa área me interessava de alguma maneira.
E agora, como faz quando tem de contratar?
Há muitas pessoas na Fullsix que não têm licenciatura. Claro que tirar o curso de engenharia informática ajuda, mas a mim interessa-me mais ver a curiosidade individual inata para as novas tecnologias. É por isso que ouvimos histórias como a do Mark Zuckerberg e o Facebook.
Gosto de olhar para trás e ver que alguns formatos de publicidade online foram inventados por nós.
Nunca se sentiu prejudicada profissionalmente por ser mulher?
Confesso que não sou muito adepta dessa conversa. Não sei se é pelo meu percurso ou pela forma como trato as pessoas aqui na empresa, mas é-me completamente indiferente se é homem ou se é mulher.
Como explica o facto de as mulheres não chegarem tão longe ao topo das empresas?
Acho que elas têm menos ambição do que eles. Assisto a muitos casos de mulheres que têm todas as características e todas as qualidades para ascenderem na carreira e a certa altura, e com toda a legitimidade, não querem prosseguir, preferindo dedicar o tempo à vida familiar. Mas não tenho dúvidas que há empresas e lugares em que as mulheres são penalizadas.
Qual é agora o seu grande desafio profissional?
Continuar a redefinir e a acompanhar as constantes mudanças nesta área para sermos uma agência de futuro – onde é necessário trabalhar cada vez mais próximo dos clientes, trabalhar muito mais no produto ou complementá-lo sempre com algo que tenha valor acrescentado para o consumidor – e fazer isso agora inserida num grupo novo, o grupo Havas.
O que gostava de fazer futuramente?
Não tenho ambições de liderar uma equipa de 500 ou 1000 colaboradores. Ambiciono, sim, estar sistematicamente a fazer coisas novas e com impacto. Gosto de olhar para trás e dizer que fiz o primeiro streaming online em 2000, que fiz uma promoção de sms em 2000, quando mais ninguém fazia isso, que no campeonato europeu de futebol de 2004 a Fullsix fez uma app no telemóvel Nokia N95 e ninguém sabia ainda o que era.
Gosto de olhar para trás e ver que alguns formatos de publicidade online foram inventados por nós, fomos nós que chegámos ao sapo e sugerimos-lhes aproveitar os espaços laterais à volta da página e hoje já é tudo trivial. Gosto de fazer projetos novos e diferentes.