Assumiu em 2010 a direção do Programa de Investigação do Cancro de Mama e da Unidade da Mama do Centro de Cancro Champalimaud. Licenciada pela Universidade do Porto em Medicina, especializou-se em Oncologia Médica e dedicou-se ao estudo da biologia do cancro da mama, dos marcadores de prognóstico preditivos e das respostas da terapia sistémica. O seu mérito há muito que extravasou fronteiras. Antes de aceitar o desafio da Fundação Champalimaud, Fátima Cardoso trabalhou dez anos no departamento de Oncologia Médica do Instituto Jules Bordet, em Bruxelas, conhecido principalmente na área do cancro da mama, e é hoje membro da direção da European Society of Medical Oncology, da European Cancer Organization, e presidente do Congresso Mundial do Cancro da Mama Avançado.
No dia 28 de novembro, será uma das premiadas do Prémio Femina 2015, que reconhece o seu mérito nas Ciências, pela investigação relevante que tem feito na área do cancro da mama. Em entrevista à Executiva, Fátima Cardoso traça um breve retrato do cancro de mama – o segundo tipo de cancro mais comum no mundo e, de longe, o mais frequente entre as mulheres, com um número estimado de 1,67 milhões de novos casos diagnosticados em 2012 – e enfatiza a importância do diagnóstico precoce.
Cautelosa com os termos que usa, a investigadora refere com cuidado as palavras cura e prevenção. Fátima Cardoso não quer transmitir noções erradas: “A doença implica uma vigilância para o resto da vida. Não se deve pensar nela todos os dias mas também não se deve descurar o seguimento”.
O foco na prevenção da doença não pode deixar esquecidos os doentes de cancro avançado, defende. E o tema é muito importante para esta especialista que ainda recentemente presidiu em Lisboa a uma conferência ( ABC – Advanced Breast Cancer) sobre do cancro de mama avançado, um encontro de três dias que reuniu profissionais de 71 países.
Fátima Cardoso: “Fumar na juventude provoca alterações importantes na estrutura da mama e aumenta o risco de cancro”
Qual é a situação da doença em Portugal?
A situação portuguesa é semelhante à da Europa, à dos chamados países desenvolvidos. A incidência do cancro da mama continua a aumentar, apesar da mortalidade ter vindo baixar desde os anos 90. Estima-se que o benefício desta queda na taxa de mortalidade (30%) é devido, em primeiro lugar, ao rastreio e ao diagnóstico precoce. Em segundo lugar, ao desenvolvimento de novos e melhores medicamentos.
Um aspeto que nunca é demais sublinhar: quando mais cedo se diagnosticar esta doença maior é a probabilidade de cura. As mulheres (e os homens também) têm de levar a sério este aviso. Um cancro de mama numa fase avançada (estadio 4) é incurável. Há que estar atenta a qualquer alteração e procurar logo ajuda médica.
Qual a melhor prevenção?
Não há ainda possibilidade de prevenir. O que se pode é ter um estilo de vida mais saudável, com uma alimentação mais cuidada, prática de exercício físico, e não fumar. Especialmente nas idades mais jovens é muito importante não fumar porque o tecido mamário só acaba de se desenvolver depois de uma gravidez levada a termo. Fumar na juventude provoca alterações importantes na estrutura da mama e aumenta o risco de cancro.
Isso não é já uma forma de prevenir.
Não se pode falar em prevenção mas sim em atitudes que diminuem o risco. Somente nos casos de cancro hereditário, que são apenas 10% de todos os cancros da mama, se pode fazer alguma prevenção com as cirurgias profiláticas como por exemplo, as mastectomias profiláticas ou a remoção dos ovários.
Os casos de cancro de mama têm aumentado muito?
Em todo o mundo ocidental há mais casos novos mas não há mais mortes, o que é uma boa notícia. Mas é indispensável que as mulheres estejam sempre atentas. As taxas de cura são de 70% nos casos de cancro precoce, ou seja, diagnosticado sem metástases, sem ramificações noutros orgãos que não a mama. O cancro de mama avançado, onde já existem ramificações, é incurável.
Que novidades existem para o tratamento nesta área?
Apesar de ainda não se ter descoberto a cura para esta doença há novos tratamentos mais eficazes. Na última década começamos a entender melhor a biologia do cancro da mama, o que trouxe grandes avanços nas terapias. De facto, as células tumorais não são todas iguais e há tratamentos novos, verdadeiros mísseis mais dirigidos e eficazes. A quimioterapia mata boas e más células, semelhantemente a uma bomba numa guerra. Os novos medicamentos agem como mísseis.
Fátima Cardoso: “Aos primeiros sinais deve procurar-se ajuda médica. Só assim se consegue aumentar a taxa de cura”
Há várias espécies de cancro de mama?
Existem pelo menos três sub-tipos: hormono dependente, responsável por 2/3 dos casos, onde já existe terapia dirigida que bloqueia a ligação das hormonas às células tumorais; o tipo HER-2 positivo, tumor que afecta 1 em cada quatro mulheres. Neste subtipo tem havido mais avanços, graças aos tratamentos dirigidos, com resultados eficazes, pouco tóxicos, e com taxas de cura superiores a 80%. E um terceiro tipo de cancro da mama, muito agressivo, chamado Triplo Negativo, e para o qual ainda não foi descoberto um tratamento dirigido. Apenas a quimioterapia o pode combater e infelizmente ele aparece em 15% dos casos.
Como proceder aos primeiros sinais?
Procurar imediatamente a ajuda do médico assistente. Volto a reforçar a necessidade de não deixar alastrar o problema e assim conseguir-se aumentar a taxa de cura. E sublinho o facto de não existir uma fórmula clara de prevenção. O que se deve fazer é seguir as indicações para uma vida saudável onde se inclui a alimentação. Têm surgido muitas teorias alimentares mas o que está comprovado é que uma boa alimentação para o coração é o aconselhável para o cancro.
A Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud, que dirige, dá consultas médicas à população?
Muitas pessoas não sabem, mas podem dirigir-se ao Centro Clínico Champalimaud para serem tratadas. Creio que há a ideia generalizada de que só com grandes possibilidades económicas é possível aceder aos nossos tratamentos, mas não é verdade. Temos acordos com vários subsistemas de saúde e seguradoras. Só com o Sistema Nacional de Saúde é que ainda não temos protocolo. Talvez quando a situação do nosso país estabilizar. Apesar disso, a Fundação Champalimaud faz sempre um esforço para permitir o acesso aos nossos tratamentos ao maior número possível de pessoas.
No Centro, estamos organizados por unidades de patologias como por exemplo a Unidade de Mama. No mesmo espaço físico, a doente tem todos os profissionais necessários: cirurgiões, radioterapeutas, oncologistas médicos, radiologistas, enfermeiras especializadas, psicólogos, o que evita andar a correr de uns serviços para os outros e permite uma verdadeira multidisciplinaridade.
A parte clínica já está estabelecida e agora estamos a estabelecer os grupos de laboratório na área de investigação, onde temos já colaborações com universidades e institutos do mundo inteiro na área da investigação.
Faz também investigação numa área oncológica que assusta a maioria das mulheres…
Sim, e sou responsável por escrever as recomendações mundiais de como tratar o cancro de mama em fase avançada ou metastático, quando a doença já saiu da mama e se instalou noutros órgãos. Neste tipo de casos a doença deixa de ser curável mas é tratável. Não se consegue fazer desaparecer mas consegue-se tratar e proporcionar uma boa qualidade de vida por vários anos.
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