Filipa Cardoso de Menezes e Catarina Assis Pacheco costumam dizer que o empreendedorismo não foi uma escolha consciente mas quando se aperceberam já tinham o atelier montado, trabalhos em curso e colaborações com outros ateliers. “Assim que terminámos a faculdade desafiámo-nos uma à outra, começámos a entrar em concursos públicos, e criou-se uma bola de neve porque os contactos trazem novos contactos”, começa por explicar Filipa Cardoso de Menezes, uma das sócias do atelier FC Arquitetura Paisagista.
Mesmo nunca tendo sido nada planeado, a verdade é que as duas arquitetas iniciaram quase de imediato uma carreira profissional numa área de atividade de que gostam muito mas que consideram, sem sombra de dúvidas, uma “profissão muito emocional, de grande desgaste, com um futuro incerto, onde tudo é extraordinariamente volátil”.
Crescer quase sem dar por isso
Filipa e Catarina começaram a trabalhar de “uma forma autodidata”, o que para elas foi uma grande aprendizagem mas também as obrigou a “um percurso muito duro”. “Algumas vezes fomos bater à porta dos nossos professores para tirar dúvidas e pedir ajuda”, relembram agora. Mas tiveram a sorte de começar com o desafio de uma grande obra para a Embaixada de Portugal em Brasília, que lhes permitiu trabalhar não só num projeto “aliciante e divertido” como também numa realidade muito diferente da portuguesa. A obra acabou por não se realizar mas as arquitetas concluíram e apresentaram os projetos de execução e hoje têm no currículo a experiência e o conhecimento de um importante e desafiante trabalho.
“Tínhamos filhos quase de uma forma alternada para estar sempre uma de nós mais disponível para o trabalhar.”
Quase de seguida surgiu outro. Dessa vez para a Madeira e para o boutique-hotel Estalagem Quinta da Casa Branca, no Funchal. “Aí começámos a desenvolver colaborações com outros arquitetos que duram até hoje”, reforça Filipa, que considera o trabalho em equipa um dos aspetos mais importantes de toda a sua atividade.
Aos poucos o atelier estava a trabalhar a todo o gás, seguiram-se vários projetos privados e depois parcerias com Câmaras Municipais. Aos poucos também a vida familiar modificava-se, o número de filhos aumentava, e as duas arquitetas tiveram de lidar com a conjugação quase matemática da vida profissional com a privada. E também aqui havia desafios difíceis. “Tínhamos filhos quase de uma forma alternada para nos apoiarmos mutuamente e estar sempre uma de nós mais disponível para o trabalhar”.
A “estalada” de 2011
A vida corria bem, apesar de difícil e trabalhosa. “Estar por conta própria é duro porque não temos ninguém que nos segure”, confessam. Mas os piores momentos foram vividos nos “dramáticos” anos de 2011 e 2012 como resultado da crise que o país vivia e que as obrigou a reduzir a estrutura e as despesas do atelier e a deixá-las novamente sozinhas, sem a ajuda de qualquer colaboração externa. “A nossa faturação baixou 80% num trimestre! Nessa altura ponderámos seriamente desistir, mudar de vida, fazer outra coisa qualquer porque havia que continuar a viver. Mas fomos aguentando, hibernámos um bocado reduzindo os gastos ao mínimo enquanto assimilávamos tudo o que se estava a passar”, contam.
“Aprendemos a dar mais importância à variedade e a construir estruturas versáteis.Trabalhamos num ramo de atividade difícil.”
E no meio da desgraça surgiu um interessante e surpreendente desafio: foram convidadas pela editora Usina Books para escreverem um livro sobre o trabalho do atelier. E no processo de construção deste livro – Three Steps Landscape – Filipa e Catarina tomaram consciência de tudo aquilo que já tinham feito. O livro obrigou-as a contar a história do atelier e acabou por funcionar como uma sessão de psicanálise que lhes deu força e motivação para continuar um trabalho que, no fundo, também lhes dava muito prazer. Porque a palavra desistir passou-lhe várias vezes pela cabeça. “Houve tantas alturas de desânimo! Mas isso é normal em quase tudo, não é?”.
Gradualmente a situação melhorou e hoje o atelier tem um novo fôlego, um boom de projetos diversificados, e com esta experiência as arquitetas aprenderam a valorizar cada escala de trabalho. “Aprendemos a dar mais importância à variedade, desde o jardim mais pequeno ao maior, desde os trabalhos públicos aos privados, e agora temos a perfeita noção de que há que trabalhar em várias escalas e dar importância a todas elas porque nada nos diz que isto não voltará a acontecer. E aprendemos também a construir estruturas versáteis e a não criarmos expectativas nas outras pessoas pois é difícil prever os próximos tempos. Trabalhamos num ramo de atividade difícil”.
Um novo fôlego
Passados “os dois horríveis anos” a atividade do atelier recomeçou e agora com muito trabalho de reabilitação, de transformação de espaços, especialmente a reabilitação dos logradouros nas traseiras das casas de Lisboa. “Quando vemos um logradouro em ruínas não suspeitamos a dimensão do espaço disponível e o trabalho que ali se pode efetuar”. Mas a verdade é que a maneira como se veda o espaço, como se escolhe o pavimento, como se filtram as vistas dos vizinhos, exige um trabalho minucioso que transforma totalmente qualquer área. “Um cliente acabou por emoldurar o plano de plantação do jardim e inicialmente até estava um pouco descrente na mudança”, relembra Filipa.
“A Expo 98 foi um momento de viragem, a população ficou mais exigente com o espaço público.”
Para além dos pequenos jardins particulares, as arquitetas estão também a trabalhar para hoteis no Algarve e no Porto e em propriedades privadas de várias dimensões. Recentemente concluíram a reabilitação dos espaços exteriores de algumas escolas primárias da Câmara Municipal de Lisboa, um trabalho que apaixona particularmente Filipa que sente uma enorme satisfação sempre que consegue transformar a relação das pessoas como os lugares e no caso das escolas ainda mais. “A partir do momento em que os locais são arranjados a população tende a ser mais cuidadosa. No Parque Urbano de Albarquel, em Setúbal, aconteceu uma coisa muito engraçada: numa das vezes em que lá estive, já depois de termos terminado a requalificação deste espaço, encontrei uns idosos do Centro de Dia a apanhar o lixo dos canteiros e a protegê-lo deste tipo de agressões. Um movimento espontâneo que me orgulhou muito e que prova que a população apadrinhou este parque e isso é uma satisfação imensa. Por isso é tão importante tratar a cidade e fazer com que as pessoas se relacionem bem com ela “.
O Parque Urbano de Albarquel, agora um importante espaço de lazer situado na zona ribeirinha de Setúbal, é uma das mais emblemáticas obras de reconstrução paisagista do portfolio destas arquitetas. “Há uma enorme ausência de sensibilidade para a riqueza das paisagens mas os portugueses têm melhorado muito neste aspeto e nos espaços públicos isso nota-se mais. A Expo 98 foi um momento de viragem, a população ficou mais exigente com o espaço público e as cidades estão a acompanhar esta tendência”, esclarecem.
É uma loja da Maxi-Cosi?
Por vezes as alcofas dos bebés de Filipa e Catarina tinham de acompanhar as idas às reuniões com os clientes. “Inicialmente foi muito duro também por isto. A filha mais velha da Catarina (uma santa!) passou muitas horas no atelier, onde até tínhamos pendurado no estirador uma série de canetas com cores para a distrairmos. E o primeiro atelier onde estivemos foi muitas vezes confundido com a loja Maxi-Cosi. Como ficava imediatamente ao lado desta loja (cadeiras infantis) muitas senhoras entravam pensando que era a loja da marca. Tudo porque a Catarina tinha de distrair a bebé enquanto trabalhávamos e virava a cadeira onde a criança estava sentada para a rua. Foram anos muito intensos, desgastantes mas também divertidos. Anos em que os filhos de ambas nasciam à vez para nos podermos apoiar mais”, relembram.
Só nos terceiros filhos de cada uma é que conseguiram ficar três meses de baixa de maternidade. E isso aconteceu porque se obrigaram mutuamente a fazê-lo. “Era uma estupidez e disso arrependo-me um pouco. As mulheres sentem muito que têm de estar sempre na linha da frente mas hierarquizar prioridades é fundamental”, confessa Filipa.